A noite foi dos The National, mas os Parcels é que fizeram a festa - TVI

A noite foi dos The National, mas os Parcels é que fizeram a festa

  • Sofia Santana
  • 15 ago 2019, 03:19

Os The National voltaram ao lugar onde começaram a ser felizes e recordaram um encontro inusitado com Nick Cave. Os Parcels levaram o público ao rubro com o concerto mais enérgico da noite. Antes, houve introspeção psicadélica pelas mãos dos Boogarins e Julia Jacklin convidou-nos a participar na sua bela tristeza

Há histórias de amor especiais e a dos The National com o público português é um desses casos. Esta quarta-feira, a banda de Cincinnati voltou a território nacional para dar um concerto no lugar onde, afinal, tudo começou: no festival de Paredes de Coura, corria o ano de 2005. O grupo de Matt Berninger era o nome mais esperado do primeiro dia desta edição do festival minhoto, com lotação esgotada, e o que aconteceu foi mais uma prova desse grande amor.

Em 2005, os The National estrearam-se em palcos nacionais em Paredes de Coura. Tinham editado o terceiro álbum, que é também um dos discos mais aclamados da banda, “Alligator”, e eram ainda ilustres desconhecidos do indie rock.

Catorze anos depois, Matt Berninger recorda essa edição do festival e um encontro inusitado com Nick Cave: "Eu vi aqui o Nick Cave, vocês estavam aqui? Fui atrás dele e ele disse-me 'f*ck off!'". Certamente os festivaleiros mais novos - muitos na frente do palco - não se lembram desse cartaz que juntou nomes como Arcade Fire, Queens of The Stone Age ou Pixies, mas nos fãs mais velhos as palavras de Berninger terão proporcionado uma bela viagem no tempo.

Com mais cinco álbuns na bagagem - “Boxer” (2007), “High Violet” (2010), “Trouble Will Find Me” (2013), “Sleep Well Beast” (2017) e o mais recente, “I Am Easy To Find” (2019) - e a maturidade que só o tempo permite alcançar, o grupo norte-americano voltou à praia fluvial do Taboão, mas agora para o seu 16.º concerto em Portugal e numa posição muito diferente: com estatuto de cabeça de cartaz e de um dos nomes mais esperados de toda a edição do festival.

Os The National já não têm de provar nada a ninguém: com um público que lhes é fiel há vários anos - vimos muitas famílias com crianças -, também são capazes de atrair os mais jovens, num encontro de gerações que só uma grande banda consegue criar. Como se viu em "Vanderlyle Crybaby Geeks", cantada em uníssono pelo público.

É certo que Matt Berninger pode já não ter a rebeldia de outros tempos, mas é inegável que continua carismático e um grande mestre de cerimónias - com uma presença imponente, é imparável em palco, levanta o microfone com brusquidão, é capaz de se atirar contra a multidão, é capaz de arrebatar corações. 

O alinhamento combinou canções do novo disco com temas que marcaram a carreira da banda e, arriscamos dizer, a vida de muitos fãs. Ouviram-se êxitos como "Fake Empire", "Mr. November", "Bloodbuzz Ohio", "Don't Swallow the Cap" ou "The System Only Dreams in Total Darkness". Um concerto que foi mais um testemunho de uma grande história de amor. 

Antes dos The National, houve uma grande festa com os Parcels. Os australianos levaram o público do Vodafone Paredes de Coura ao rubro com o concerto mais enérgico da noite: braços no ar, corpos a vibrar, muita gente a cantar.

O grupo de electropop, que editou o seu primeiro loga-duração no ano passado, depois de uma série de EP's, contagiou a multidão com músicas cheias de groove, influenciadas pela disco e pelo funk.

Não foi preciso muito tempo para a banda conquistar o público. Muito expressivos, com uma imagem retro a fazer lembrar as modas de outros tempos, os Parcels interagiram com os fãs e animaram o serão. Não há dúvidas: a música dos Parcels é mesmo para dançar, para nos transportar até às pistas dos anos 70 e 80.

Depois, canções orelhudas como “Lightenup”, “Tieduprightnow” e “Overnight” deixaram os festivaleiros em êxtase. Imaginamos que nem mesmo quem veio só por The National tenha conseguido ficar indiferente.

Um tom bem diferente foi marcado pelo rock psicadélico made in Goiânia, a cidade brasileira onde se formaram os Boogarins. O quarteto é conhecido do público português - já fez inclusivamente uma tour que os levou de norte a sul, até aos Açores - mas nunca tinha atuado por aqui. "Sempre que íamos a cidades diziam 'têm de ir a Paredes de Coura'", notou a banda durante o concerto, que, segundo os próprios, foi "o maior show da vida". 
 
Os brasileiros apresentaram o último disco, "Sombrou Dúvida", um disco mais exploratório dos que os três anteriores, "As Plantas que Curam", "Manual", "Lá Vem a Morte".
 
Os Boogarins têm em si a acidez do psicadelismo que tornou célebres os Pink Floyd e o tropicalismo brasileiro dos anos 60, que teve como grandes embaixadores Caetano Veloso ou Gilberto Gil. Um concerto da banda é uma viagem por músicas cheia de camadas, texturas e distorções.
 
Mas aqui encontramos uma certa melancolia, um sentimento de nostalgia até, que convida à instrospeção. Uma introspeção psicadélica. 
 
Antes, houve Julia Jacklin. A noite ainda não tinha caído, o pôr do sol dourava a paisagem, mas uma boa moldura humana já se formava no recinto quando a australiana subiu ao palco. A cantora e compositora veio das Montanhas Azuis de Sidney, - como ela própria fez questão de dizer - para apresentar o seu segundo álbum, "Crushing”, editado este ano.
 
Jacklin trouxe canções indie, influenciadas pela folk e pelo alt-country, nas quais se destacam as letras intimistas, que, em jeito de desabafos, falam de relações falhadas, de lutas interiores e de desilusões, como em "Good Guy", "Comfort" ou "Body".
 
E não é à toa que Jacklin, antes de tocar a melancólica "Don't know how to keep loving you" pergunta ao público: "Quem se sente triste hoje? Vamos ficar ainda mais tristes!". É que é, afinal, na exposição da sua tristeza, dos seus desamores, que Jacklin exorciza os seus fantasmas. 
 
De cabelos longos, claros, a sua voz é ora doce, com melodias vagarosas, ora cheia de garra, acompanhada de riffs de guitarra. Jacklin está carregada de emoções. E Paredes de Coura recebe-as de braços abertos. 
 
O concerto terminou numa espécie de libertação coletiva com a enérgica "Pressure to Party", que levou o público a cantar e a dançar.
 
No primeiro dia do Vodafone Paredes de Coura, coube aos portugueses Bed Legs a primeira atuação. O grupo de Braga trouxe rock com influências dos blues e do punk quando o recinto ainda estava a meio gás. E o vocalista, muito expansivo, recordou as suas próprias memórias como festivaleiro na localidade minhota.

O Vodafone Paredes de Coura arrancou esta quarta-feira com lotação esgotada e decorre até sábado. Pelo anfiteatro natural do festival ainda vão passar nomes como New Order, Patti Smith ou Father John Misty.

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