Uma lição de rock dada por uma artista com estatuto de lenda. Um espectáculo glorioso que fica para a memória dos milhares que o presenciaram. O concerto de Patti Smith, este sábado, no Vodafone Paredes de Coura foi tudo isto e muito mais. Uma atuação intensa, que funcionou como um exercício de libertação coletiva.
Patti Smith tem 72 anos, mas continua com a mesma garra que a tornou num dos nomes incontornáveis da história do punk rock. Este sábado, a norte-americana subiu ao palco do festival minhoto pela primeira vez, com a imagem que a tem caracterizado: de fato escuro, cabelos longos e grisalhos. E protagonizou um concerto rock à antiga, apoiada pela sua belíssima banda de longa data.
Mas Patti Smith é mais do que uma artista rock - recordamos que ela também é poetisa e fotógrafa - e logo no início da atuação mostrou que continua a mesma agitadora social de sempre.
Ouviu-se a emblemática "People Have The Power" e a norte-americana aproveitou a deixa: "Usem a vossa voz, nós podemos mudar o mundo".
Depois atirou: "Nós precisamos de união, não de nacionalismo, união para as nossas crianças", e recebeu gritos de aprovação, palmas, braços no ar.
Mais à frente continuava: "Nós somos livres, nós não vamos ser esmagados pelas grandes empresas, pelos militares".
Se o rock é uma religião, as palavras de Patti Smith são mandamentos. E a multidão, de perder de vista, recebe-os com euforia, num exercício de libertação.
A catarse coletiva prosseguiu com a referência aos 50 anos do festival de Woodstock e uma enérgica interpretação de "I'm Free", dos Rolling Stones e de "Walk on the Wild Side", de Lou Reed. A multidão cantou em uníssono, houve luzes e braços no ar, um sentimento de comoção.
"Because the Night", outro dos temas mais conhecidos da artista, levou os festivaleiros ao rubro e "Gloria", faixa do icónico álbum "Horses" fechou o alinhamento com uma multidão em êxtase. Lá na frente, milhares pulavam, dançavam, cantavam.
Foi um concerto memorável. Para quem assistiu e para a própria Patti Smith, que saiu visivelmente emocionada com uma receção tão calorosa do público e não parou de dizer: "Vocês são os melhores, simplesmente os melhores".
O rock continuou com os Suede, que encerraram o palco principal. O grupo, um símbolo da britpop que marcou os anos 90, editou o oitavo disco, "The Blue Hour", em setembro do ano passado.
A banda, que é inspirada em nomes como David Bowie ou The Smiths, deu um concerto enérgico, que fez vibrar os festivaleiros. O vocalista e líder do grupo, Brett Anderson, mostrou-se sempre expansivo e irrequieto.
Em "Beautiful Ones", um dos temas mais conhecidos, os festivaleiros cantaram, dançaram e ergueram os telemóveis no ar para registar o momento, enquanto Brett Anderson andava junto do público.
Pelo meio, houve hip-hop com Freddie Gibbs e Madlib. Uma atuação um pouco fora do registo, no sentido de que não atraiu muita gente que ali se tinha deslocado apenas para ver o rock de Patti Smith ou o dos Suede.
Ainda assim, e mesmo com parte do público sentada ou noutras zonas do recinto, o rapper e o produtor musical deram um espectáculo vigoroso, provocador - como pede o género - e que pôs muitos festivaleiros, sobretudo os mais jovens, a pular lá à frente.
Antes, Mitski, que editou um dos álbuns mais elogiados do ano passado pela crítica da especialidade, o disco "Be the Cowboy", encantou Paredes de Coura com a sua voz doce e as suas letras intimistas, em canções que misturam a pop e o indie rock.
A artista, que nasceu no Japão, mas cresceu em vários países até se instalar em Nova Iorque para estudar cinema, deu um espectáculo que foi também uma performance. No palco, uma mesa e uma cadeira onde se sentava, deitava, numa coreografia que terá surpreendido muitos festivaleiros.
No Palco Vodafone.Fm, dois projetos diferentes estiveram em destaque: o do músico e produtor britânico Kamaal Williams, que mistura jazz, hip-hop, grime e garage, numa atuação impactante, e a eletrónica psicadélica dos portugueses Sensible Soccers, que editaram o álbum "Aurora" este ano, e que hipnotizou o público.
O festival Vodafone Paredes de Coura encerrou, assim, depois de quatro dias de muitos concertos e banhos refrescantes no rio. Para o ano, a música volta à praia fluvial do Taboão nos dias 19, 20, 21 e 22 de agosto.