Até voam cabeças de ovelha no dérbi do maior treinador inglês - TVI

Até voam cabeças de ovelha no dérbi do maior treinador inglês

Nottingham Forest-Derby County

Uma rivalidade puramente inglesa, forjada nas East Midlands e causada por Brian Clough

A História de Um Jogo é uma rubrica semanal do Maisfutebol. Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias e heróis de campeonatos passados. Todas as quinta-feiras.

Cadeiras a voar, vidros partidos, cerveja pelo chão e pelo ar, carros amassados, rostos quebrados. Cabeças de ovelha atiradas pelas janelas de bares, adeptos presos. Jogadores que agitam cachecóis brancos de um clube em frente aos adeptos de outros, adversários que respondem com o acenar de uma bandeira encarnada na cara dos rivais.

Seja bem-vindo a Nottingham e a Derby e à grande rivalidade das East Midlands…

Não se engane, isto é o meio de Inglaterra, berço da Revolução Industrial, onde duas cidades separadas por 22 quilómetros se forjaram, concorreram por fábricas e tecnologia, mas que se unem por um homem: Brian Clough, treinador de futebol.  

Mason Mount, hoje no Chelsea, num duelo com Joe Lolley num Derby County-Nottingham Forest

Se as duas localidades disputaram o fabrico de rendas no início da industrialização, Nottingham Forest e Derby County concorrem pelo legado do mítico técnico, causador desta rivalidade entre os dois clubes mais representativos das respetivas cidades.

Clough treinou os dois, foi campeão inglês pelos dois e é venerado quer de um lado, quer do outro da A52, a estrada que une esta rivalidade e que tem o nome do técnico num dos troços que liga Derby e Nottingham.

Considerado por muitos como o melhor treinador inglês da História, Clough também tinha poucas dúvidas sobre o valor que tinha. «Não diria que sou o melhor treinador do mundo, mas creio que estou no Top-1…»

Franco, direto, sempre audível, Brian Clough começou a marcar o futebol inglês quando deixou o Hartlepool e se tornou treinador do Derby County. Era maio de 1967, os Rams (carneiros) estavam na segunda divisão e longe de serem rivais do primodivisionário Forest.

Em 1969, Clough subiu o Derby County à antiga First Division, o equivalente à Premier League e em 1971/72 foi campeão inglês com os Rams. Nessa época...o Nottingham desceu. 

Brian Clough

As duas equipas voltariam a encontrar-se num campeonato em 1977, mas com Clough do lado contrário, após passagens por Brighton e Leeds.  O Nottingham subiu ao primeiro escalão em 1976/77 e em 1977/78 foi campeão inglês! Seria bicampeão europeu de seguida e até hoje tem mais Taças dos Campeões Europeus do que campeonatos de Inglaterra, com a temporada de 1979/80, a da segunda conquista na UEFA a coincidir com...a descida dos Rams.

Clough tinha saído do Derby County em conflito com a direção e há a ideia de que os dias de glória no City Ground terminaram quando Peter Taylor, seu adjunto e braço direito, rompeu a parceria que os levou a conquistar troféus quer nos Rams quer no Forest. Taylor deixou Clough e o City Ground e tornou-se treinador principal...do Derby County.

Os dois nunca mais falaram, mas para acentuar uma rivalidade que se tornava cada vez maior, Taylor ainda fez questão de contratar John Robertson, ídolo do Forest. A transferência terminou em tribunal e deitou lenha na fogueira da rivalidade.

Muitos jogadores atuaram dos dois lados depois disso e treinadores também ao ponto de Nigel Clough, filho de Brian e jogador icónico do Forest ter orientado o Derby County. Por essa altura, já o pai falecera e o debate sobre o seu legado estava instalado entre adeptos. E não há maior herança do que um filho…

Brian Clough morreu em 2004, mas a rivalidade que nesta sexta-feira se repete no City Ground continuou e de cada vez que ela acontece está em disputa um troféu, criado pelos dois clubes, com o nome do mítico treinador. Mas está também o orgulho e esse, por vezes, causa problemas...

Em fevereiro de 2009, numa eliminatória da Taça de Inglaterra, o Derby County venceu em casa do Forest por 3-2 depois de estar a perder 2-0. Esse jogo marcou a primeira vitória dos Rams no City Ground desde 1971! Foi por isso que Robbie Savage, titular do Derby nesse dia, festejou em frente aos adeptos de Nottingham acenando um cachecol do Derby County.

Em agosto do mesmo ano, Nathan Tyson deu o troco. Pegou numa bandeira do Forest e agitou-a em celebração do triunfo por 5-2 sobre o rival. Um ato que levou a cenas pouco dignas entre jogadores e que custaram milhares de libras em multas a clubes e intervenientes.

O episódio de Nathan Tyson

Pior mesmo foram alguns dos episódios fora do estádio, com adeptos de um lado a percorrerem a A52 e a Brian Clough Way - assim se chama um troço da estrada entre Derby e Nottingham - para se envolverem em cenas de pancadaria, sobretudo em dias de jogo.

Em 2009, duas cabeças de ovelhas e uma de carneiro foram mesmo lançadas pela janela de dois pubs em Alvaston, zona sul de Derby. Em 2010, adeptos de ambos os lados foram condenados a penas de prisão efetiva por atos violentos antes do duelo entre Derby County e Nottingham Forest no ano anterior.

Em 2011 foram sete adeptos presos por incidentes em redor do Pride Park, recinto do Derby County e já em 2018 outros foram detidos por atos dentro dos recintos. Em 2019, a polícia pediu para que os adeptos não se aproximassem do estádio devido à pandemia e pela primeira vez na história jogou-se um dérbi das East Midlands sem público. 

Um dérbi que envolve toda a cultura futebolística inglesa, do bom legado de Clough ao legado britânico de violência. Longe, portanto, daquela final da Taça de Inglaterra de 1898: quando os jogadores do Nottingham Forest vestiram o equipamento branco do Derby County, que tinham acabado de derrotar, porque o vermelho das camisolas do clube ficava demasiado escuro nas fotografias. Longe, muito longe, portanto, e não é desses 122 anos entre 1898 e 2020 de que falamos...

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