A Roma, Herrera e o fascínio inexplicável pelo cliché - TVI

A Roma, Herrera e o fascínio inexplicável pelo cliché

Portugal-França (Foto EPA)

«O Golo do Eder»

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O adepto é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é novo

O que de velho está à sua frente.

É de mim ou o futebol está a ficar demasiado previsível?

As remontadas épicas passam a remontadas da época. O ‘football, bloody hell’ que Ferguson atirou após a histórica reviravolta do Camp Nou, em 99, já é dito com o mesmo tom de voz do anúncio do senhor que ganhou o automóvel. ‘Boa’ dizemos todos.

Vez após vez, quando chega a altura das grandes decisões, os argumentos repetem-se. O twist perde efeito porque já foi visto. O deja-vu passa a ‘ah já vi’. Paira nos estádios a sensação a cromo repetido e o sabor a comida aquecida.

A Roma faz ao Barcelona uma coisa parecida com o que o Barcelona tinha feito ao PSG. Aplaudimos, incrédulos, como se fosse a primeira vez. O adepto tem memória de peixe e não de elefante. Rejubilamos, de mãos na cabeça, como se nunca tivéssemos visto. Mas o nunca é curto.

E este fim de semana veio novo filme. Protagonista: Herrera, o patinho feio. O cognome deixa logo antever: é bom jogador. Nenhum mau jogador é patinho feio. Os maus são apenas flops, pernetas e pés de tijolo. Esquecíveis ou recordados entre gargalhadas, cervejas e tremoços. Os patinhos feios são os bons que não agradam a todos. Uma cabidela em forma de futebolista: quem adora, adora mesmo; quem detesta, não se cala com isso.

Um patinho feio, já se sabe, tem sempre algo de cisne lá dentro mas nem todos o conseguem ver ao mesmo tempo. Os treinadores, especialistas, normalmente veem primeiro. Olho de lince. Os adeptos, apaixonados, vão vendo aos poucos. Por vezes basta um momento de forma melhor para que a penugem fique branca. Outras é preciso algo mais.

A Herrera, pelo menos para já, serviu o golo que pode marcar o campeonato. Um plágio descarado de Jorginho, parece-me. Lembram-se? Um filme de 2006, rodado em Alvalade. Claro que esta é uma teoria a confirmar nos próximos episódios, mas quem não gosta de atirar uns palpites a meio da película?

«A Romantada», como titulou o L’Equipe, e a «Vingança de Hererra», como titulo livremente agora eu, são, assim, dois filmes já vistos. Mas dois filmes de sucesso. Porque, afinal, o futebol é das poucas áreas onde o repetido é sempre novo, o já visto ganha encanto renovado e o cliché é sempre único e especial.

Não há dois jogos iguais, dizem os treinadores. Mas há muitos jogos parecidos. E quando são épicos, ninguém se importa.

‘Football bloody hell’, disse Ferguson. ‘Football bloody hell’, dizem os romanos. ‘Football bloody hell’, disse Herrera.

E no dia seguinte, volta tudo ao mesmo.

A Roma pode ser eliminada, Herrera pode voltar a não agradar a todos. Mas a história está escrita. A memória de peixe do adepto faz com que, mais tarde ou mais cedo, se esqueça dela, atire um 'ah pois foi', não o arrepie tanto.

Não há problema: está só a seguir em frente, em busca de celebrar a repetição.

Com outro nome, num outro local.

Fingindo que é novo,

O que, afinal de contas, é habitual.

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória».Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.

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