Abel não teve o mesmo tratamento de Jesus: quatro razões para isso - TVI

Abel não teve o mesmo tratamento de Jesus: quatro razões para isso

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«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Defender causas indefensáveis não é para mim. Deixo esse tormento para a cegueira dos seguidores de falsos profetas. Posto isto, começo já por esclarecer a minha opinião: sim, tenho a clara perceção de que o tratamento mediático/acompanhamento jornalístico conferido a Abel Ferreira na final da Libertadores foi bastante inferior ao que teve Jorge Jesus há 14 meses.

Isto é de fácil constatação. A mim, enquanto profissional com 20 anos de carreira nos Media, interessa-me é perceber os motivos para essa evidência. Olhando, como não podia deixar de ser, para a minha própria casa profissional.

Identifico, desde logo, quatro razões. Quatro pontos que me parecem ajudar a explicar o fluxo noticioso brutal sobre a final da Libertadores em novembro de 2019 e o olhar mais contido perante o mesmo tema nos últimos dias.

1. O perfil de Jorge Jesus. Um responsável da RTP explicava, há dias, que o canal público enviara uma equipa de reportagem ao Rio de Janeiro para acompanhar toda a semana do Palmeiras e entrevistar Abel. O treinador recusou. É legítimo. Preferiu concentrar-se na parte desportiva e aparecer apenas nas conferências de imprensa pré e pós-jogo. Jesus fez precisamente o oposto. Aceitou falar aos jornalistas portugueses que o acompanharam na final realizada no Peru, permitiu o mesmo aos seus adjuntos, garantiu aberturas de Telejornal e manchetes de primeira página nos jornais impressos e online.

2. A pandemia. Não é preciso ser um especialista para identificar que este é o tema que domina os programas de informação há vários meses. A preocupação de um cidadão minimamente consciente está para aí voltada e isso, naturalmente, rouba espaço a outros assuntos que num contexto diferente poderiam ter maior visibilidade. Foi esta mesma pandemia que impediu, também, a viagem de enviados-especiais ao Brasil. E isso fez uma diferença brutal no que foi chegando cá.

3. O lastro desportivo de Jesus. O treinador esteve cinco anos no Benfica e três anos no Sporting, antes de rumar ao Brasil – com uma passagem pela Arábia Saudita pelo meio. Quer isto dizer que durante quase uma década, Jesus beneficiou de um palco mediático que está ao alcance de poucas pessoas em Portugal. Os treinadores dos três grandes aparecem mais, arrisco-me a dizer, do que o primeiro ministro ou do que o Presidente da República – pelo menos se ele não for Marcelo Rebelo de Sousa. Abel Ferreira nunca teve a mesma expressão.

4. O fenómeno da repetição. Jesus, por ter sido o primeiro, poderá ter criado a sensação momentânea de irrepetibilidade. Foi o primeiro português a ganhar a mais importante prova sul-americana de clubes, um feito a todos os títulos notável, e soube surfar essa onda de glória. Abel, repetindo a extraordinária conquista, pode ter sido prejudicado por ser o seguidor e não o precursor.

Estes quatro motivos existem, podem servir de atenuante, mas a verdade é que a equidade não existiu. E isso nunca é o ideal em Jornalismo. O Maisfutebol, por sua parte, procurou oferecer aos leitores uma cobertura alargada, rigorosa e diferenciadora, tanto em novembro de 2019 como agora.

Com uma diferença importante: desta vez tivemos um jornalista no Maracanã, a fazer reportagem-vídeo, a crónica da final e o rescaldo completo. Seguimos a partida Ao Minuto e demos a Abel Ferreira o mais do que justificado 'Sobe'.

O bom Jornalismo não se pode distinguir só pelo volume de informação ou pelo tipo de tema escolhido, mas sim pela forma como os trata. Senti necessidade de deixar estas possíveis explicações a quem nos lê. Percebo que para quem consome informação nem sempre é fácil perceber as opções editoriais de quem tem de decidi-las.

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

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