«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».
Se Francis Ford Coppola filmasse o enredo caleidoscópico do nosso futebol, o Sporting atual seria a selva mística do Camboja. E Jorge Jesus a versão desportiva, e popular, do enigmático Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando), desfasado da realidade e perdido no labirinto da penumbra. Provavelmente louco, provavelmente alienado.
Este Sporting é o Apocalypse Now de Coppola, uma conjugação de personagens devastadoramente ricas e aparentemente condenadas a um final privado de honra e glória.
Jesus (Kurtz) espera, pois, a aparição do jovem e audaz Benjamin Willard, o capitão representado pelo extraordinário Martin Sheen. E lá vem ele, Bruno de Carvalho nesta versão lusitana da trama, determinado e disposto a esta guerra, a todas as guerras, e ainda a mais uma.
No filme de 1979, um documento obrigatório sobre a guerra e a demência psicológica alavancada pelo conflito no Vietname, Kurtz acaba assassinado por Willard, apesar de o ter persuadido e usado as mais criativas técnicas de atração e conquista. Kurtz morre, Willard foge.
No Sporting, a turbulência não chega a essa escala, felizmente, mas a verdade é que a ligação entre Jesus (Kurtz) e Carvalho (Willard) passou de apaixonada a respeitosa e de respeitosa a indiferente. Ainda há salvação possível?
Vamos aos factos: as promessas de domínio do futebol nacional, de títulos atrás de títulos, de oposição aos poderes prevalecentes já me aparenta uma longínqua chinfrineira de candidato inconsciente.
O projeto desportivo ameaça desmoronar, as opções de mercado revelaram-se desproporcionadas (Beto, Bas Dost e Joel Campbell são as honrosas exceções), algumas até incompreensíveis: Petrovic, Meli, Markovic, Castaignos, Douglas, antes Bruno Paulista e outros.
O campeonato está difícil, as taças nacionais desapareceram em 15 dias, a Europa foi uma ousadia sem sentido. De repente, o melhor plantel de sempre tornou-se demasiado pesado e o presidente sem medo já promete uma cura de emagrecimento. Ao plantel, atenção.
Numa avaliação justa e séria, parece-me óbvio que o Sporting tem matéria prima para ombrear com Benfica e FC Porto, como o fez na campanha anterior. O que falta? Equilíbrio ao treinador e ao presidente, foco no que é realmente importante, sanidade mental ao escolher futebolistas e respeito.
Respeito no relacionamento com as restantes instituições, futebolistas, dirigentes, treinadores. Já perderam alguns minutos a somar a quantidade de casos e absurdos acumulados pela direção de BdC? A tática de guerrilha não resultou.
A imagem de guerreiro truculento, capaz de afrontar tudo e todos, aqui e ali arrogante, já não faz sentido. Esse foi, desde o início, um dos grandes problemas de BdC, o Willard sem juízo: confundir ambição com agressão.
NOTA: adorava ter incluído nesta trama o eterno Bill Kilgore (Robert Duvall); o homem que adorava o cheiro a napalm logo pela manhã, o militar que fazia ecoar sobre as desoladas planícies vietnamitas a Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner, antes de mais um bombardeamento. Mas não, Pedro Madeira Rodrigues não é esse tipo de homem.
PS: Afonso Taira, um médio conservador e de CHUTEIRAS PRETAS
O Estoril-Praia está nas meias finais da Taça de Portugal, 73 anos depois (!), e Afonso Taira, médio forjado nas escolas do Sporting, é um digno representante do conservador batalhão das CHUTEIRAS PRETAS no plantel canarinho.
Taira merece esta menção pelo gosto refinado e pela boa exibição na noite de terça-feira, contra a Académica de Coimbra. Vejam bem a foto e as chuteiras lindas escolhidas por Afonso num jogo contra o Sporting.
«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».