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Investimentos e aldrabices

Vilafranquense (Facebook)

«A Técnica da Força»

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A Técnica da Força é um espaço de opinião quinzenal de Francisco David Ferreira, jornalista da TVI. Todas as terças-feiras.

Multiplicam-se os casos de clubes em situação ruinosa depois de promessas vãs de investimentos milionários - vindas de figuras de bolsos cheios (ou não). Impossível perceber onde fica a prudência de dirigentes e adeptos. 

 «Quando a esmola é grande, o pobre desconfia.»

 Ou devia, pelo menos.

 Este princípio, enraizado em tantas franjas da sociedade portuguesa, seguramente não faz parte do imaginário de sabedoria popular de muitos dirigentes dos clubes nacionais. E de quem está próximo dos clubes. Ou então, talvez, quando a falta de fundos e o desespero chegam a níveis preocupantes, o filtro e o bom senso são postos de lado. Tudo o que aparece é uma luz de esperança e todos se agarram a isso - mesmo que sejam ideias com um toque de mirabolante.

Só isso pode explicar a catadupa de negócios ruinosos sempre à volta da mesma figura: o mítico investidor. Às vezes não se sabe bem de onde aparece, o que ganha com o tal investimento, mas o desfecho tem sido repetidamente o mesmo: o fracasso, por vezes a ruína, invariavelmente a sensação de vigarice.

Um dos casos mais mediáticos aconteceu com o Boavista em 2008. Quem não se lembra do discurso trapalhão e atabalhoado de Sérgio Silva, suposto homem de negócios que ia injectar quase 40 milhões de euros nos cofres dos axadrezados? Acabou detido poucos dias depois: os homens do Bessa desmascararam o esquema a tempo e foi uma cena digna de filme, com o investidor a ser preso pela PJ nas instalações do Boavista.

E recorda-se do Atlético? O histórico lisboeta foi supostamente salvo por um investidor chinês que trazia uma mala (a descrição é figurativa) com 150 mil euros. Pelo meio, o investidor colocou na equipa vários jogadores com um vasto lastro de suspeitas de viciação de resultados. Um deles, Ibrahim Kargbo, internacional da Serra Leoa, até foi banido do futebol por manipulação de resultados. Foram-se os anéis (já ninguém sabe do tal investidor dos 150 mil euros), e foram-se os dedos: o Atlético tenta reerguer-se nos Distritais.

 Vamos mais a Norte. Em 2015, um grupo de investidores da Argentina prometia mundos e fundos ao Freamunde - uma equipa que nunca tinha jogado na Primeira Liga. «Não é uma solução milagrosa», dizia um dirigente na época. 250 mil euros de entrada, orçamentos perto de 1 milhão de euros, plantel com vários argentinos desconhecidos, e descida de divisão pelo meio. Em 2017, os salários em atraso no Freamunde chegaram aos jornais. A equipa joga nas divisões Distritais, depois de vários anos em patamares superiores.

E não faltam outras vítimas dos investidores milionários. União de Leiria, com um projecto russo, leva meses de salários em atraso. União da Madeira, com confusão entre investidores e direcção, remunerações por receber e caos instalado. O investidor turco da AD Oliveirense, com ideias ambiciosas, não deu em nada: os jogadores até já recorreram ao fundo salarial do Sindicato.

Retomo a ideia inicial: quando a esmola é grande… afinal não se desconfia? Objectivamente, o que é que um clube como a AD Oliveirense ou o Freamunde (com todo o respeito) oferece para abrir o apetite a um investidor? Pensa que vai vender jogadores por verbas milionárias? Clubes com poucas centenas de sócios e adeptos, com instalações limitadas, que jogam em campeonatos com pouca ou nenhuma visibilidade e com um contexto competitivo limitado... Ninguém desconfia das boas intenções sucessivas de investidores que prometem tudo? E no fim não deixam nada. Ou é má gestão pura, ou no limite estamos no campo da aldrabice. Parece que o pior cego é mesmo o que não quer ver.

Também os jogadores do Vilafranquense reclamam salários em atraso. O investidor, Luiz Andrade, confirma. O ano passado o cenário foi semelhante. Entretanto parece já ter encontrado alguém para assumir a pasta numa SAD mergulhada em problemas. O nome é familiar? Luiz Andrade já passou pelo Desportivo das Aves, falou-se do Olhanense, acabou em Vila Franca de Xira. Ao que tudo indica, vai deixar o Vilafranquense em situação delicada. 

 Perante isto, quando um investidor se aproximar do seu clube, não se esqueça: o seguro morreu de velho. Um olho no peixe, outro no gato.

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