O cheiro do balneário numa noite de «fiesta» - TVI

O cheiro do balneário numa noite de «fiesta»

Chuteiras Pretas

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«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às segundas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

O balneário de uma equipa de futebol é uma república independente. Com as suas leis, o seu manual de conduta, um código de honra e um governo eleito pelos camaradas de armas.

Num balneário, o instinto de sobrevivência é meio caminho andado para o sucesso. Aprender a reagir com um sorriso às partidas dos mais velhos, ter a habilidade de fugir ao conflito com a pessoa errada, saber o momento certo de trocar a gargalhada pelo ar circunspecto. Um olhar sério dá sempre um tom de respeitabilidade.

O cheiro do balneário é inesgotável, acompanha-nos para toda a vida. Esse odor a bálsamo, a suor, a felicidade, é a superlativa prova de companheirismo e fidelidade à causa de uma equipa.

Num canto escuro de um campo dos distritais ou na majestosidade de Wembley, a essência é a mesma. Quem a trai não pode esperar consequências leves.   

No caso da festa a más horas do quarteto sul-americano do FC Porto - sejam essas más horas mais ou menos próximas do nascer do dia -, o mais grave é precisamente essa sensação de traição.

Traição ao adepto que ainda sofria pela derrota em Glasgow; traição ao colega de equipa que ficou em casa e se deitou cedo para cumprir as normas do regulamento interno; traição ao treinador que contava para o dérbi com corpos a repousar as horas essenciais; traição aos capitães que tantas vezes se atravessam pelos companheiros com menos tempo de casa e que precisam dessa proteção.  

Um balneário é isto. 26 almas, 26 feitios distintos, 26 homens que nem sempre se dão bem, mas que têm a obrigação de respeitar aquele que corre e luta ao seu lado.

O dinheiro, quando parece inesgotável, deixa de ter razão. Rouba-nos a lucidez, a lógica mais sensata. Faz-nos parecer senhores de uma galáxia que não existe, a não ser na nossa mente distorcida por essa sensação de inimputabilidade.

Marchesín, Saravia, Uribe e Díaz falharam. Podiam ser multados, podiam ser afastados do Bessa, podiam até ser proibidos de treinar com os colegas durante uns dias. A forma de punição é discutível e não é isso que move a minha crítica.

O mais grave, insisto, é o desinteresse pelos ditames do balneário. O sagrado, intransmissível e inegociável sentido de balneário. Com aquele odor que nos persegue toda a vida.

PS1: ainda sobre o tema, o meu colega e diretor Sérgio Pereira escreveu ISTO. Sérgio Conceição goleou por 1-0 no Bessa. Acertadíssimo. Não espero um comportamento monástico de jovens com 23/24 anos, mas há alturas e formas para fazer bem as coisas. 

PS2: não sei se o FC Porto criou uma estratégia para potenciar a imagem do treinador dentro e fora do grupo de trabalho, aproveitando este desvio comportamental de quatro dos seus atletas. Se o fez, fez bem. Chama-se gestão de conflitos. Arriscou? Arriscou. Teria saído tudo ao contrário com uma derrota no Bessa? Provavelmente sim.  

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«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às segundas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».  

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