PLAY: «Sim, sou gay», gritou o ponta-de-lança - TVI

PLAY: «Sim, sou gay», gritou o ponta-de-lança

Justin Fashanu - PLAY

A história dos irmãos Fashanu chega ao cinema; ainda a Cidade Perdida de Z, Gal Costa com o Brasil de 70 e o regresso dos Future Islands

Relacionados

PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«Forbidden Games» - de Adam Darke e John Carey

No escuro da pequena garagem, arredores de Londres, Justin subiu a uma cadeira e ajustou a corda ao pescoço. Deu um pequeno pontapé no apoio e o corpo caiu, tenso. Morreu em poucos segundos, asfixiado.

A nota de suicídio era clara. «Estou farto de embaraçar aqueles que mais amo.»

Justin Fashanu referia-se, sobretudo, ao irmão John. Também futebolista, também ponta-de-lança. John reagira com fúria e incompreensão à condição sexual assumida por Justin, oito anos antes.

«Sim, sou um avançado de um milhão de libras. E gay.»

Justin (à esquerda) e John. Os irmãos Fashanu

A relação entre ambos não voltou a ser a mesma. Neste extraordinário documentário, prestes a estrear, John Fashanu recorda o dia em que tentou silenciar Justin. Sem sucesso.

«Passei-lhe um cheque de 100 mil libras. Lembrei-lhe que a nossa mãe estava doente e que as pessoas podiam confundi-lo comigo. Justin, John… eu era um homem duro, jogava com o Vinnie Jones e o Dennis Wise. Na altura, a homossexualidade era uma aberração, um tabu.»

O testemunho de John, agora com 53 anos e a viver na Nigéria, é o fio condutor de grande parte do documentário, segundo o The Guardian e o Telegraph. As confissões estarrecem.

«Falei com ele pela última vez três dias antes da sua morte. Veio pedir-me dinheiro. Ele era o meu irmão mais velho, não o mais novo. Para mim, chegava, era demasiado. Reagi mal. Três dias depois, no dia do batizado do meu filho Amir, a Polícia bateu-me à porta de casa e pediu-me para ir identificar o corpo do Justin.»

O filme acompanha a infância dos irmãos, o dia em que foram adoptados por uma família branca de Norfolk - «não vimos negros até aos 16 anos, só os cartazes do Michael Jackson e do Muhammad Ali» -, a entrada no mundo das artes marciais e do boxe, a opção pelo futebol.

Justin apareceu aos 17 anos no Norwich e convenceu o inigualável Brian Clough a levá-lo em 1981 para o Nottingham Forest. Os rumores sobre a homossexualidade, as idas regulares a bares gays em Nottingham, o comportamento errático e a vida desregulada estragaram tudo.

«O homem que era a minha luz, meu pai e mãe, tornou-se o meu arqui-inimigo», diz John numa das cenas do documentário. «Goste-se ou não, o Justin tornou-se uma lenda. Há duas décadas tudo era diferente. Por favor, não tratem mal os futebolistas que se assumirem homossexuais.»

A confissão de Justin Fashanu já aconteceu há 27 anos. Nenhum futebolista profissional em Inglaterra teve a coragem de fazer o mesmo.

PS: «A Cidade Perdida de Z» – de James Gray

O período pós-Oscars é penoso. Tralha inútil acumula-se nos cartazes, muito aparato, alguns blockbusters, escassos argumentos interessantes.

Nas salas portuguesas, um dos poucos produtos recomendáveis é este novo trabalho de James Gray (Viver e Morrer em Little Odessa, Nós Controlamos a Noite, A Emigrante). Gray filma a biografia real do explorador Percy Fawcett (1867-1925), homem obcecado com o conhecimento da América do Sul e das cidades proibidas de que falavam os conquistadores espanhóis.

O relativamente desconhecido Charlie Hunnam encabeça o elenco. As imagens da serra Amazónica são maravilhosas.



SOUNDCHECK:

«70 Neles» - de Gal Costa

Futebol e Gal Costa? É só uma vez, prometo. E tudo para recordar outra vez – nunca é de mais – a extraordinária seleção brasileira do Mundial de 1970.

Carlos Alberto, Piazza, Clodoaldo, Gerson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino mereciam uma música melhor? Mereciam, sim senhor. Mereciam tudo.

«Vai começar de novo
É novamente tempo de paixão
Prepare o coração
Bate pé

É Brasil outra vez
Com a bola no pé
Com uma coragem nova
Se a vida é uma prova

Estamos aí pra vencer
O mundo inteiro vai ver como é
Brasil outra vez em pé

Ô, ô, ô,ô, ô,ô,ô,ô
Um grito novo a torcida uniu
70 neles outra vez Brasil
Ô, ô, ô,ô, ô,ô,ô,ô
Um grito novo a torcida uniu
70 neles, 70 neles
70 neles outra vez Brasil»



PS: «The Far Field» - dos Future Islands

A pop simples, sintética, enleante dos rapazes de Baltimore chega ao quinto capítulo. De boa saúde, obrigado. O primeiro single chama-se Ran e é uma grande música, devidamente acompanhada por um bom vídeo.

Os Future Islands praticam uma new wave suave, polvilhada por quadras românticas, guitarras subtis e percussão concludente. Vale a pena ouvi-los.



VIRAR A PÁGINA:

«Justin Fashanu – The Biography» - de Jim Read

O livro tem cinco anos e esta é uma boa altura para o recuperar. Depois de ver o documento sugerido no topo do artigo, mergulhe nesta investigação de Jim Read.

Filho de imigrantes africanos em Londres, entregue a uma família adotiva desde os seis anos, rapaz com um talento incomum para o futebol. Transferiu-se do Norwich para o Nottingham Forest em 1981, por um milhão de libras.

Recorde absoluto, à época, para um futebolista negro. Depois, tudo correu mal.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.

Continue a ler esta notícia

Relacionados