PLAY: tenho saudades de Michael Schumacher - TVI

PLAY: tenho saudades de Michael Schumacher

Michael Schumacher

Os domingos ao almoço com o alemão; o regresso triunfante de Quentin Tarantino e os The Slow Show

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PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«OS SENHORES DA FORMULA UM: SCHUMACHER» - da Sky Sports
Carro verde, movido a 7Up. Jordan, nome sacro no mundo desportivo. Ao volante, um miúdo alemão, estreante. Arranca de sétimo, salta para quinto à primeira aceleração. Câmaras em cima dele, perguntas ecoam.

O ataque desvia-me por instantes dos meus dois ídolos, Senna e Piquet. Quem é esse tal de Schumacher, a intrometer-se no meu almoço de domingo?

1991, GP da Bélgica, Michael Schumacher a dar nas vistas. E a desistir. Logo na primeira volta. A embraiagem do Jordan cede, a 7Up perde gás, a corrida é para os tubarões do lago: ganha Senna; Berger e Piquet sobem ao pódio; Moreno, Patrese e Blundell acabam nos pontos.

Um bom domingo para mim, claro.

Nostalgia. Essa F1 é a F1 das ultrapassagens, dos acidentes [alguns trágicos, desafortunadamente], das provocações, dos bólides belíssimos, de um português a pedalar ao volante de uma lesma em forma de Coloni, pobre Pedro Matos Chaves.

Michael Schumacher muda de imediato da Jordan para a Benetton. Torna-se colega de equipa de Nelson Piquet, o meu piloto. E torna-se, adolescência estúpida, no meu querido ódio de estimação. Lado a lado com o intragável professor Prost.

E assim é. Entre 1991 e 2006, Michael Schumacher é persona non grata em casa da família Cunha. Sete títulos mundiais, arrogância competitiva, reação infeliz à morte de Senna, comportamento incorreto em pista… sei lá, não consigo explicar melhor. Não gosto do homem, ponto.

Tudo muda em 2010. Schumacher volta da reforma antecipada, conduz um Mercedes. Inexplicavelmente – as explicações não são o ponto forte deste texto -, dou por mim a torcer por Schumacher. Cruzes, credo, livrai-me de todo o Mal.

Confesso. É mesmo isto. Talvez por ser um velho leão, enfraquecido pelas cicatrizes de outrora; talvez por estar rodeado de novos príncipes, embevecidos pela fama; talvez por querer ganhar mais do que nunca e ser demasiado óbvio que jamais voltará a ganhar.

Michael Schumacher torna-se, entre 2010 e 2012, o derradeiro resquício da minha Fórmula 1. A do combate agressivo, do risco inerente à velocidade, da rivalidade dura e dos arqui-inimigos de pista. Dos Minardi amarelo e pretos, dos Brabham azul e brancos, dos Benetton azul bebé, dos Mclaren vermelho e brancos, dos Williams de focinho amarelo e dos Ferrari vermelho-Ferrari.

Recordo Schumacher, em jeito de homenagem triste. O homem que me conquistou já tarde, o homem que detém quase todos os recordes da Fórmula 1. O homem que caiu numa montanha de neve há mais de dois anos e tarda em despertar para a vida.

Tenho saudades tuas, Michael. Tenho saudades de te ver em pista, a chateares Piquet e olhares Senna nos olhos. Tenho saudades da minha Fórmula 1*.

* Já agora, a temporada de 2016 arrancou. Este é o Guia-Maisfutebol para mais um ano de Fórmula 1.



PS: «Os Oito Odiados» - de Quentin Tarantino
Tensão e frio, gelo. Neve por todos os lados. Algures nas montanhas do Wyoming, a caminho de Red Rock, oito figuras - mais algumas, na verdade - encurraladas no Armazém da Minnie, um saloon amplo, onde tudo pode ser vendido e comprado. 

Diálogos impenetráveis, o verbo e a mentira a cavalgarem na banda de sonora de Morricone, premiada com um Óscar. Cinco capítulos, o grafismo amarelo canário-Tarantino, personagens fortíssimas, desde John Ruth (Kurt Russell), o caçador de recompensas empenhado em transportar Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) viva até à forca, até ao complexo Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), que nunca viremos a saber se é o Bem ou o Mal. 

Tarantino não é um realizador maniqueísta, não é isso que o atormenta. A densidade das personagens, a força dos atores, a credibilidade do cenário e do contexto (neste caso, o pós-Guerra Civil norte americana). Sim, é isso que move Tarantino e que nos move para os filmes de Tarantino. 

Ah, sim, confirmo: é um dos melhores filmes da sua obra faustosa.

SOUNDCHECK:

«FORMULA 1 – THE SCHUMACHER SONG» - de DJ Visage
Ok, esta é a secção humorística do PLAY. Uma música inenarrável sobre Michael Schumacher. Techno-carrinhos de choque germânico com uma batida insuportável e um ritmo de meter medo ao mais corajoso das pistas. De dança e de Fórmula 1.

Michael merecia uma música melhor em sua homenagem mas, infelizmente, não encontrei outro exemplo.

PS: «White Water» - dos The Slow Show
Estes rapazes de Manchester são A descoberta musical de 2016. A minha descoberta, bem entendido. Dresden é uma partitura épica, condenada à eternidade, cantada e tocada pelo limite da alma e do sentimento.

Letras profundamente pessoais, sofridas, coros vibrantes, tremendo bom gosto nos arranjos. Isto é música para ouvir em sossego, em reflexão, em contemplação. Que grande surpresa!

VIRAR A PÁGINA:

«MICHAEL SCHUMACHER – THE WHOLE STORY» - de Christopher Hilton
Escrita após a saída de Schumacher da Fórmula 1 em 2006, a obra percorre os caminhos do génio alemão nas pistas do Grande Circo e na vida fora da competição. Acompanha a infância e a adolescência, a paixão pelo futebol e por outros desportos.

Particularmente interessantes são as entrevistas aos antigos colegas de equipa. Nesses depoimentos percebe-se o quão intenso Schumi conseguia ser. O livro é escrito de um ponto de vista restritivo, ou seja, mostra o lado bom do alemão e eleva-o à galeria de imortal no mundo das corridas automóveis. Ainda assim, leitura interessante.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.

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