PLAY: um presidente insuportável - TVI

PLAY: um presidente insuportável

Aston Villa-Leicester

Doug Ellis vs. Bruno de Carvalho, antes um conto de futebol e Natal; Gilberto Gil, Foxcatcher e Family Of The Year também entram

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PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

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«DEADLY DOUG» - de Doug Ellis
Controverso, populista, inclemente com os treinadores, um durão no pior sentido do termo.

Calma. Falamos apenas de Doug Ellis, presidente do Aston Villa em dois períodos distintos do emblema de Birmingham: 1968/1975 e 1982/2006.

Ellis revelava um prazer quase sádico ao fazer cair a guilhotina sobre a cabeça dos treinadores. Treinadores que ele próprio escolhera, naturalmente. Ao primeiro percalço, dizia-se, Doug tornava-se Deadly (mortal) e o seu gabinete passava a ser uma arena de insultos e confrontação.

Na fase final do derradeiro mandato em Villa Park, Doug Ellis lançou uma autobiografia onde explica as opções tomadas, narra situações inacreditáveis sobre os bastidores do clube e bate forte e feio em alguns dos treinadores (escolhidos por si) que demitiu: os famosos Graham Taylor e David O’Leary foram duas das 13 vítimas de Ellis.

Sir Doug Ellis tem 91 anos e está afastado do futebol. O livro que recomendo tem quase uma década, já o li há algum tempo, mas recupero-o a propósito de tudo o que se tem passado no Sporting Clube de Portugal.

Ao avaliar o comportamento público de Bruno de Carvalho, tento imaginar como será o presidente dos leões em privado. E a imagem que me surge não é agradável.

Quem lidera deve ser firme? Sim, sempre, mas também equilibrado.
Quem lidera deve ser exigente? Claro, mas também consciente do que o rodeia.
Quem lidera deve ser duro? Talvez, se for capaz de evitar a demagogia.

Vejamos: o Sporting segue na Taça de Portugal (eliminou o FC Porto no Dragão), caiu da Liga dos Campeões esmurrado por gritantes erros da arbitragem, venceu o primeiro jogo na Taça da Liga e ocupa o quarto lugar no campeonato [escrevo antes do jogo em Braga].

Tudo o que Bruno de Carvalho fez bem no início do mandato (reestruturação financeira) está a ser posto em causa pelo inenarrável comportamento dos últimos meses.

Para um treinador sério, honesto e competente, como Marco Silva é, aturar uma personagem com estas características só pode ser insuportável. Para mim seria, não tenho dúvidas.        

Se Bruno de Carvalho pretendeu mesmo despedir o treinador (e se encomendou a um antigo atleta do clube afirmações de ofensiva gravidade difamatória), então a conclusão só pode ser uma: o Sporting não tem um presidente com capacidade para conduzir o clube (do ponto de vista desportivo) em águas tempestuosas.

O Luís Mateus escreve sobre o tema AQUI

Como reagirá o Deadly Bruno à próxima má exibição/derrota dos leões? 


SLOW MOTION:

«JOYEUX NOEL» - de Christian Carion
Natal de 1914, a Europa em guerra. Agonia disseminada pelas nauseabundas trincheiras, o fétido odor da morte a pairar sobre o Velho Continente.

E, sem pré-aviso, o cessar fogo. Espontâneo, humano, imune a burocracias e aos mandamentos das altas patentes.

Por um dia, Alemanha, França e Inglaterra erguem a bandeira branca e… jogam futebol.

Mais do que falar de desporto, resultados e bola, o filme (nomeado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2005) documenta a nobreza vertical de homens obrigados a pegar em armas e combater por causas nem sempre evidentes.

O elo de ligação entre todos eles, soldados, é o futebol. Naquelas horas de deleite, rodeados pela neve do Norte da Europa, não quiseram pensar em mais nada. Nem sequer nas consequências (graves) que daí adviriam.

Um bom filme, um filme capaz de nos por a pensar. E a olhar para Diane Kruger.

 

PS: «Foxcatcher» - de Bennett Miller.
Depois de Capote (que saudades do grande Philip Seymour Hoffman) e Moneyball, Bennett Miller volta a surpreender e a encaminhar um filme para a cerimónia de entrega de Oscars.

Baseado na vida do lutador Mark Schultz – medalha de ouro nos JO de Los Angeles em 1984 -, a película examina a relação entre ele e o treinador John Du Pont, interpretado por um irreconhecível Steve Carell e esmagado pela figura de uma mãe psicopata.

Channing Tatum – granítico, opaco, um homem solitário e murmurante – é competente na interpretação de Schultz, mas Carell e Mark Ruffalo (no papel de Dave Schultz, irmão de Mark) justificam as minhas vénias mais entusiasmadas.

Não se assustem com a escassez da banda sonora, uma opção de Miller. O filme é muitas vezes contagiado pelo silêncio e o desconforto. Mas resulta, resulta muito bem.
 
  


SOUNDCHECK:

«MEIO DE CAMPO» - de Gilberto Gil.

As convicções de Gilberto Gil, defensor da liberdade e auto proclamado inimigo da ditadura, levaram-no a prestar esta homenagem a Afonsinho.

Quem é Afonsinho? Um antigo médio do Botafogo e o primeiro jogador do Brasil a conseguir, através da Justiça, furar a Lei do Passe, uma regra que subjugava completamente os atletas aos ditames dos clubes.

E daí surgiu esta música, também interpretada por Elis Regina noutra versão.

«Prezado amigo Afonsinho
eu continuo aqui mesmo
aperfeiçoando o imperfeito
dando um tempo, dando um jeito
desprezando a perfeição
que a perfeição é uma meta
defendida pelo goleiro
que joga na seleção
e eu não sou Pelé nem nada
se muito for, eu sou um Tostão
fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão»
.



PS: «Loma Vista» - Family Of The Year.
Numa das cenas finais de Boyhood, Mason Junior (Ellar Coltrane) despede-se da mãe, entra na sua velha carrinha e conduz em direção à Universidade do Texas. A dada altura procura conforto na companhia do rádio e é aí que se escutam as primeiras notas de Hero.

Uma música belíssima, uma letra a encaixar com perfeição na lógica do filme. Procurei o restante trabalho dos Family Of The Year e tenho escutado com alguma insistência o último álbum dos californianos.

É um disco cheio de boas músicas, luminosas, etéreas, tremendamente pop. É fácil gostar disto.              

 

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.
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