Cinco pontos que fazem a diferença entre Benfica e FC Porto - TVI

Cinco pontos que fazem a diferença entre Benfica e FC Porto

Benfica-FC Porto (Lusa)

Geraldinos e Arquibaldos XXXIV

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O que faz um campeão?

Se a pergunta é simples, a resposta é complexa e pode ser diversificada. Terá um número infindável de variantes e gradações multiplicado por cada um dos proponentes a fazer este exercício.

No caso do campeão deste ano, a explicação mais consensual será esta: sem ser arrebatador, o Benfica venceu sem surpresa e de forma justa por, ao contrário do FC Porto, que ficou na expetativa, ter tido o mérito de não falhar na hora da verdade.

Ao contrário do que se chegou a pensar já nesta reta final, o título não foi decidido ponto a ponto até ao último minuto.

A diferença na tabela é de cinco pontos (à entrada para a última jornada, que já nada decide), pelo que a resposta sobre o que diferencia os candidatos pode muito bem cumprir este requisito.

Tem um tempinho? Podemos então detalhar em cinco os pontos que diferenciam um campeão de um candidato:

1 - Plantel.

First things first e o essencial em qualquer campeão é a qualidade dos seus jogadores. O Benfica tem mais opções e mais experiência, sobretudo no ataque – e é muito por aí que se ganham campeonatos por cá.

Entre muitos, um: Jonas é o melhor jogador a atuar na Liga, mas basta verificar as opções para as alas e para o centro para perceber a riqueza de opções, que acaba por fazer a diferença nos momentos cruciais.

Que outra equipa pode dar-se ao luxo de ter Raúl Jiménez, um reforço de 22 milhões, praticamente cinco meses sem ser titular para aparecer na antepenúltima jornada a encaminhar o título com um golo decisivo?

Que outra equipa pode reservar o banco na maioria dos jogos para Rafa Silva, que por 16,4 milhões de euros foi a contratação mais sonante do defeso?

Ao plantel do FC Porto, mais do que qualidade, falta experiência. Não deixa de ser verdade que o Benfica também tem debilidades. Não há, por exemplo, alternativa a Pizzi, o que só não foi um problema sério porque o médio encarnado, que estava em risco com quatro amarelos desde a 10.ª jornada, evitou o castigo durante as 23 jornadas que se seguiram.

2 – Treinador.

Apesar dos méritos de Rui Vitória, aqui a diferença entre Benfica e FC Porto não é (permitam-me) substancial, o que, ainda assim, não quer dizer que ambos os técnicos sejam parecidos.

Se o FC Porto é uma equipa segura a defender, por estar excessivamente preocupada com os equilíbrios, o Benfica expõe-se mais, mostrando maiores fragilidades lá atrás (o que foi explorado por adversários de maior valia nos jogos da Liga dos Campeões), mas compensa arriscando bem mais em termos ofensivos, tanto em ataque continuado como na vertigem das transições rápidas.

Nuno Espírito Santo tem uma ideia de jogo e estuda bem o adversário, mas, ao contrário de Rui Vitória, parece ter dificuldades em antecipar os momentos de cada partida e raramente mexe bem a partir do banco. Isto, claro está, além do erro fatal em sacrificar jogadores no seu espartilho tático (colocando um ponta de lança como André Silva ou um médio ofensivo como Otávio a jogarem nas alas, por exemplo).

Ainda assim, apesar de nem sempre convencer pelas suas opções, muito deste título encarnado é mérito a Rui Vitória.

3 – Estrutura.

O Benfica mostra organização. Tem uma política clara para a formação, que gera retorno desportivo e sobretudo financeiro (beneficiando da parceria com Jorge Mendes).

Tem também um departamento de prospeção que acerta mais vezes. Tal como o FC Porto teve até 2011, quando Luís Gonçalves saiu para o Shakhtar Donetsk. O antigo responsável pelo scouting dos azuis e brancos regressou no início desta temporada como diretor desportivo, mas só no próximo defeso tem a sua prova de fogo como conhecedor de futebol, com uma dificuldade adicional: a SAD portista perdeu a capacidade financeira de outros tempos.

Mais: o Benfica ganhou nos últimos anos influência no futebol português. O FC Porto perdeu-a. É visível a olho nu, embora não seja fácil quantificar o peso que isso tem.

Outro aspeto: diria que um extremo mediano vale mais do que meia dúzia de comentadores amestrados. Ainda assim, a comunicação também conta alguma coisa. Nesse campo, não é de agora que o clube da Luz tem alguma primazia mediática, decorrente também do seu maior número de adeptos. Tem até a prerrogativa, inusitada em qualquer outro campeonato, de transmitir os jogos da sua equipa principal. Esta época, porém, revelou-nos uma novidade (além da mudança radical na estratégia de comunicação do FC Porto): a existência de discursos concertados prontos a serem debitados de modo a formatarem a opinião pública.

Um exemplo recente: segunda-feira à noite, à mesma hora e em canais distintos, dois comentadores afetos ao clube encarnado passavam a mesma mensagem, que de uma assentada visava dois rivais: o recado era de que Nuno estaria de saída do FC Porto e que dentro da SAD haveria uma divisão entre facções: a que preferia Marco Silva e a que queria Jorge Jesus, técnico do Sporting.

4 – Sorte.

Por muito que tal desiluda quem teoriza sobre futebol, a sorte faz parte do jogo.

«Estrelinha de campeão», se quiserem. O Benfica também teve azar em algumas lesões, ressalve-se.

A verdade é que sem ser por si só um fator capaz de explicar uma série de triunfos, a sorte aparece em momentos decisivos de alguns jogos e acaba por defini-los.

Dois exemplos recentes (para não recuar mais): o Estoril enviou duas bolas ao ferro no excelente jogo que fez na Luz e que perdeu à tangente (2-1); na jornada seguinte, o Rio Ave também perdeu pela margem mínima com os encarnados (0-1) e só não empatou no fim porque Gonçalo Paciência enviou também uma bola ao ferro. Um palmo ao lado e estaríamos provavelmente a falar de um campeonato discutido até à última jornada.

O grosso da opinião publicada, porém, é resultadista: ou seja, espera comodamente pelo resultado e constrói uma linha de argumentação sobre o placard do jogo.

Por falar em resultados, o Benfica completou uma volta a vencer fora pela margem mínima (o último 2-0 fora foi em Guimarães no início de janeiro). Não há aqui qualquer demérito (em condições semelhantes, este FC Porto provavelmente empatou boa parte destes jogos), simplesmente a constatação de um facto para nos ajudar a relativizar sobre os imponderáveis do futebol.

5 – O resto.

Fala-se demasiado de arbitragem em Portugal, é um facto. Em boa parte dos casos, de forma capciosa.

Ainda assim, uma discussão abrangente sobre futebol pode não ser um exclusivo sobre táticas e jogadores (o essencial), sem complementar, sempre que necessário, que a arbitragem faz parte do jogo, tal como a sorte e o azar, aliás.

Neste campeonato, o FC Porto tem comprovadamente (apesar de um ou outro exagero nas reclamações) razões de queixa neste aspeto, sobretudo na primeira volta.

No entanto, tal como o Benfica de há alguns anos e o Sporting de há muitos mais, teria de não falhar nos momentos decisivos para poder usar essa arma de arremesso como justificação primordial para o fracasso.

Mesmo tendo tudo isto em consideração, é inegável: vive-se em Portugal um clima de suspeição. E quem terá compreendido melhor isso mesmo foi a Federação Portuguesa de Futebol. Pelo que a época termina com o anúncio de duas medidas que podem de alguma forma mudar a face do futebol nacional: a introdução do vídeo-árbitro e a divulgação dos relatórios dos árbitros.

Para a combater o atual clima de guerrilha no futebol nacional, há mesmo que recorrer à transparência como grande arma em defesa do jogo.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.

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