E ao 17.º dia aparece Conceição para nos reconciliar com a lógica - TVI

E ao 17.º dia aparece Conceição para nos reconciliar com a lógica

Sérgio Conceição

Geraldinos e Arquibaldos XXXVI

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«O difícil é lá entrar. Quando se abrem aquelas portas, a parte mais sinuosa do caminho está cumprida. Mas cuidado! Tal como abriram, se for dado um passo em falso, as portas poder-se-ão fechar para todo o sempre.»

Durante semanas, falaram-me (falaram-nos a todos, não é verdade?) de treinar em Inglaterra como quem fala da maçonaria ou da Opus Dei: uma espécie de sociedade secreta, com regras muito próprias, onde quem renunciasse ao chamamento seria muito provavelmente vetado ao ostracismo entre a irmandade da alta-roda do futebol mundial; no mínimo, como quem parte um espelho, teria sete anos de azar.

Com uma ingenuidade tocante, talvez, retorquia eu com exemplos recentes que um treinador que tivesse sucesso num grande português e fizesse uma superlativa campanha europeia possivelmente entraria na Premier League pela porta grande, em vez de optar por um clube de fundo da tabela ou pelo Championship.

Entendamo-nos: o futebol inglês tem um ambiente especial, a Premier League é campeonato mais mediático e financeiramente pujante do mundo e mesmo o Championship é uma liga de excelente nível e com investimentos avultados.

Ainda assim, considerando esses aspetos relevantes, em termos de desafio desportivo entendo que haverá um sexteto de clubes ingleses irrecusáveis quando postos nos pratos da balança com os grandes de Portugal (sobretudo quando estes têm a possibilidade de disputarem a Liga dos Campeões).

Erro de perceção? Talvez.

Até que apareceu Sérgio Conceição para nos reconciliar com a lógica no futebol.

Ao 17.º dia sem treinador, o FC Porto vai finalmente apresentar Sérgio Conceição – não numa manhã de nevoeiro, já que a previsão atmosférica é de céu limpo.

A Ligue 1 não é a Premier League, de facto. Porém, para reequilibrar a comparação, o Nantes é um histórico francês e não um clube inglês de segunda linha.

Apesar do processo de saída não ser bonito de se ver, aquilo que Sérgio mostrou nos últimos dias foi uma vontade imensa em treinar o FC Porto.

Vimo-lo dispor-se a abdicar de um contrato de três anos, onde receberia bem mais do que aquilo que deverá auferir no Dragão, e a abdicar todo o capital de simpatia conquistado depois de não só evitar a descida como levar o Nantes até ao 7.º lugar do campeonato.

Quer arriscar em vez de jogar pelo seguro. Quer viver o desafio e a oportunidade de provar que pode ter sucesso já. Atendendo ao contexto, Sérgio Conceição mostra coragem e uma confiança inabalável nas suas capacidades.

Não será preciso recuar ao seu passado como jogador para perceber que pela atitude ele já ganhou os adeptos (com toda a volatilidade que esta perceção encerra). Nem será preciso recordar a sua forma genuína de ser e a sua história de vida para perceber que para ele o risco é uma questão de perspetiva.

Um menino de raízes humildes que perdeu os pais na adolescência sabe que já venceu o obstáculo maior quando foi obrigado a crescer à pressa e a confiar em si para triunfar no futebol.

Por agora, aos 42 anos, ele está só a cumprir o maior desafio da sua carreira de treinador.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.

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