O desembarque de Trump - TVI

O desembarque de Trump

  • Germano Almeida
  • 6 jun 2019, 17:03
Donald Trump com presidente francês nas comemorações do Dia D

O “Dia D” foi há 75 anos e nunca foi tão atual percebermos a importância do compromisso americano com a Europa. Pela primeira vez em sete décadas, na Casa Branca está um Presidente que nos vê não como aliados mas como uma ameaça. A visita ao Reino Unido foi especialmente simbólica na confirmação dessa rutura

O “Dia D” foi há 75 anos mas o desembarque de Trump significa um divórcio, em vez de um reforço do compromisso, com a ideia de Europa.

Pela primeira vez em sete décadas, está na Casa Branca um Presidente que nos vê não como aliados mas como uma ameaça.

O esforço heróico com que se realizou, a 6 de junho de 1944, a maior operação aeronaval da história, com a mobilização articulada de 150 mil efetivos, implicou um enorme envolvimento de EUA e Reino Unido para salvar a França do jugo nazi.

Sete décadas e meia depois, é perturbador assistir ao regresso dos egoísmos nacionalistas – sobretudo quando estes são promovidos por quem neste momento ocupa o poder na Casa Branca.

A visita de Donald Trump ao Reino Unido foi especialmente simbólica na confirmação dessa rutura: dos Estados Unidos, nesta bizarra fase trumpiana, em vez de esperarmos confiança, apoio e cooperação devemos recear ameaça, desdém e boicote.

Não era suposto. 

O processo do Brexit, com tantas inquietações e escolhos, já é, só por si, especialmente traumático.

Mas quando vemos o Presidente dos EUA a comportar-se em solo britânico como promotor de uma saída “hard”, sem qualquer tipo de controlo ou acordo, percebemos que a rutura é séria.

O “desembarque” de Trump, ao contrário do que sucedeu há 75 anos nas praias da Normandia, nada tem de heróico ou digno: é um exemplo de erro político colossal, de consequências potencialmente devastadoras.

Quando se promove a divisão e se deita fora décadas de cooperação empenhada e multilateral, não se pode esperar o melhor – deve mesmo temer-se o pior.

Nos últimos dias, Donald Trump incitou os candidatos à sucessão de May no Partido Conservador a consumarem saída descontrolada e sem qualquer promoção de relação futura com Bruxelas – por mero interesse egoísta de criar acordo “fenomenal” entre EUA e um Reino Unido “pós Brexit”. Insultou Sadiq Khan, o “mayor” trabalhista e muçulmano da Londres cosmopolita, tudo o que Trump detesta e rejeita. Apelou aos irlandeses para resolverem o problema da fronteira, que ressuscitará no Reino Unido fora da UE, com um muro idêntico ao que quer construir na fronteira sul dos EUA com o México.

Não, não é inócuo. Muito menos dá para rir.

Ao contrário do que muitos ainda pensam e dizem, o comportamento inaceitável de Donald Trump não de limita a polémicas, piadas e “show off”: tem consequências sérias a nível global.

Vejamos os últimos episódios: escalada da guerra comercial com a China, com o ressentimento de Pequim a levar o governo chinês a desaconselhar os seus cidadãos a viajar para os EUA, “porque é um país perigoso”; tensão com o Irão a fazer a Arábia Saudita avançar com um programa nuclear cada vez menos secreto – e sinais óbvios de que a Administração Trump tem interesse em que Riade avance com esse programa, num retrocesso da política de não proliferação.

Com Donald Trump na Casa Branca, o mundo está cada vez mais perigoso.

Esqueçam a conversa de “afinal a Economia até está melhor desde que Trump é Presidente e isso compensa o resto”. Não, não compensa.

Enquanto não chegar o “day after” desta disrupção na Casa Branca, Donald Trump é o Presidente que os Estados Unidos nunca poderiam ter se a Europa precisasse de se salvar de uma ameaça como o nazismo.

Que nunca mais precise. É que, desta vez, não haveria América que nos valesse.

Que tristeza.

 

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