Fórmula de cálculo do défice estrutural é «idiota» - TVI

Fórmula de cálculo do défice estrutural é «idiota»

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Alerta de um economista: «Da forma como é usado, podemos estar todos a morrer à fome» que indica que «está tudo bem»

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A fórmula de cálculo do défice estrutural, um indicador para o qual a União Europeia determinou uma meta orçamental, «é idiota» quando a economia está em contração por vários anos, como atualmente. É o que defende o economista Sousa Andrade.

Para este especialista, o problema do cáculo do défice estrutural através do filtro de Hodrick-Prescott (HP) está na utilização que os economistas fazem dele: «Da forma como é usado, podemos estar todos a morrer à fome», mas o filtro indica que «está tudo bem».

O défice estrutural resulta da diferença entre as receitas e as despesas públicas, excluindo os efeitos temporários e conjunturais (como a transferência do fundo de pensões da banca para o Estado, por exemplo) e assumindo que o Produto Interno Bruto (PIB) se encontra na sua trajetória tendencial (uso pleno dos seus recursos).

A 30 de janeiro, 25 líderes europeus (todos exceto Reino Unido e República Checa) aprovaram um «pacto orçamental» em que determinam que cada Estado-membro subscritor do pacto não pode ultrapassar um défice estrutural de 0,5% do PIB.

A primeira questão que se coloca - diz Sousa Andrade - é que, «para fazer a correção cíclica [da atividade económica], é preciso saber medir o ciclo da economia», ou seja, detetar os desvios positivos (quando a economia está acima do normal) e os desvios negativos (quando a economia está abaixo do normal).

Sousa Andrade sublinha que recentemente, com o aumento do desemprego e com o aumento do fosso entre o PIB potencial (resultado da economia se todos os seus recursos disponíveis forem usados) e o PIB efetivo, vários países, incluindo os europeus, passaram a dar mais atenção ao cálculo das tendências do produto (através do filtro HP), relegando para segundo plano o cálculo do produto potencial.

«Isto significa que o filtro HP é uma tendência, não é o produto potencial e essa é logo a primeira dificuldade: vamos medir o ciclo relativamente a uma tendência? Em situações normais - até 2020, no caso de Portugal - isso justificava-se mas, em situações de crise, não se justifica porque a tendência do HP faz com que as diferenças para o produto efetivo no médio prazo sejam nulas, ou seja, os ciclos anulam-se ao longo do tempo. Ora, essa ideia um bocado cretina, porque é que os ciclos hão-de ser simétricos?».

E salvaguarda: «O filtro não é idiota, o que é idiota é a utilização que os economistas fazem dele porque, num período em que a economia começa a decrescer, o PIB começa a decrescer, o valor tendencial acompanha o decréscimo e um economista mais distraído diz que o PIB está no seu nível de tendência e, se está na tendência, não há razão para fazer políticas de estímulo [económico]. Esse é o problema do HP».

João Sousa Andrade explica que, «com um parâmetro muito baixo, a tendência [do produto] quase acompanha o seu valor efetivo, ou seja, os desvios são praticamente nulos e, com base nisso, os políticos podiam dizer que, afinal, a economia está na sua evolução natural, ainda que o desemprego aumentasse e os salários diminuíssem».

Para o professor, a escolha deste valor «não é um ato de bruxaria, é um ato técnico muito delicado que tem de ser discutido e compreendido pelos políticos».

Outros economistas contactados pela Lusa dizem que a meta orçamental que os países da UE vão ter de atingir nesta matéria é «apenas um instrumento de gestão financeira» que, se for calculado seriamente, não apresenta problemas.
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