Plano de recuperação: queda da economia pode chegar aos 12% - TVI

Plano de recuperação: queda da economia pode chegar aos 12%

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  • SS - atualizada às 15:00
  • 10 jul 2020, 11:58
Lisboa, Portugal

Segundo o plano de recuperação económica elaborado pelo consultor do Executivo, António Costa Silva, a economia portuguesa poderá cair 12% em 2020

A economia portuguesa poderá cair 12% em 2020, um recuo muito superior ao de 6,9% previsto pelo Governo, segundo a versão preliminar do plano de recuperação económica elaborado pelo consultor do Executivo, António Costa Silva.

Num documento de 120 páginas, intitulado “Visão Estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030”, António Costa Silva deixa o alerta no segundo parágrafo do documento: não vale a pena ter “ilusões”.

A crise sanitária causada pela doença Covid-19 traz consigo uma profunda recessão económica que tem características globais e que vai ferir profundamente a nossa economia”, alerta o autor.

António Costa Silva lembra que as previsões para a economia portuguesa e mundial têm vindo a ser revistas e adianta que Portugal “pode vir a enfrentar uma das piores crises da sua história” e que “a queda do PIB [Produto Interno Bruto] em 2020 pode chegar aos 12%.”

Um valor que é muito superior à recessão prevista pelo Governo no Orçamento Suplementar aprovado recentemente na Assembleia da República e que previa uma queda do PIB de 6,9%, mas que o Executivo também já admite rever.

“Dada a incerteza atual não vamos já atualizar as nossas projeções macroeconómicas, que oportunamente faremos atualizar em função da evolução económica”, afirmou na quinta-feira o ministro das Finanças, João Leão.

Para justificar a queda tão acentuada da economia, António Costa Silva prevê que o consumo possa registar uma queda de 11% em 2020, o investimento 26% e admite que a taxa de desemprego possa chegar aos 11,5%.

“A dimensão do desafio é gigantesca e a necessidade de respostas é urgente”, lê-se no documento.

António Costa Silva alerta ainda que “a partir de setembro de 2020, a situação de muitas empresas pode deteriorar-se significativamente e é fundamental existir no terreno um programa agressivo para evitar o colapso de empresas rentáveis.”

Outro fator salientado pelo consultor do Governo é o tempo que irá mediar entre “a significativa deterioração da economia no segundo semestre de 2020” e a chegada da ajuda europeia no próximo ano.

“Pode ser fatal para muitas empresas se não existirem respostas adequadas”, alerta.

Um fundo soberano para apoiar empresas

António Costa Silva sugere ainda uma série de instrumentos para ajudar na tesouraria das empresas, incluindo um “fundo soberano”, dirigido a companhias de base exportadora.

O consultor justifica que “as empresas portuguesas estão muito descapitalizadas e é essencial criar condições para o reforço dos capitais próprios através de políticas fiscais e financeiras adequadas”.

Assim, o plano prevê a criação “de um fundo, de base pública, de capital e quase capital, aberto a fundos privados, para operações preferencialmente em coinvestimento, dirigido a empresas com orientação exportadora e potencialidades de exploração de escala”.

No mesmo documento, Costa Silva refere a criação de um “fundo soberano” para cumprir este objetivo.

De acordo com o plano, é preciso, neste âmbito, “redefinir e simplificar os instrumentos de capital e acesso ao financiamento, em função das condições resultantes do ciclo de vida das empresas, suprindo a intervenção pública falhas de mercado, prioridades de desenvolvimento estrutural e estimulando ofertas de mercado em segmentos específicos”.

Para o consultor é também importante rever o sistema nacional de garantia mútua.

Costa Silva apela ainda para a “criação de um banco promocional [tipo Banco do Fomento], definindo uma matriz clara da operação em torno dos segmentos de empresas com maior capacidade de arrastamento e não numa lógica de assunção das operações de risco que o sistema financeiro convencional não está disponível para aceitar”.

Para o consultor, “esta instituição terá também o mandato de um banco verde para garantir uma maior capitalização de investimentos verdes, em linha com o Pacto Ecológico Europeu e os compromissos ambientais de Portugal, e simultaneamente, promover uma melhor coordenação e eficiência na distribuição dos diversos fundos ambientais disponíveis”.

Outra solução para recapitalizar as sociedades passa pelo “desenvolvimento de uma abordagem integrada entre financiamento à exportação, seguros de crédito, estímulo ao investimento internacional, que integrem a oferta de soluções, com maior presença dos estímulos públicos”.

Costa Silva destaca o papel importante dos seguros de crédito, referindo que devem ser desenhados “mecanismos que facilitem o acesso a seguros de crédito às empresas, o que passa por criar uma verdadeira Cosec portuguesa”.

Para o consultor, o tecido empresarial seria beneficiado se existisse um “programa de apoio à reestruturação de empresas, apoiando a recuperação e a realocação de capital em empresas mais produtivas, com reafetação de meios de produção e trabalhadores”.

O plano destaca ainda a “possibilidade de dedução de lucros nos últimos exercícios, mecanismos de incentivo e créditos fiscais para fomentar a revitalização das empresas, dedução de prejuízos acumulados, incentivos a fusões e aquisições para criar massa crítica na economia”.

Reguladores devem ser avaliados “periodicamente”

O consultor também considera que os reguladores nacionais devem ser avaliados “periodicamente” e as suas fragilidades identificadas.

No documento, o economista destaca que é preciso dar “atenção à necessidade de aumentar a eficácia dos reguladores, que são essenciais para o mercado funcionar de forma aberta e competitiva, tendo em conta o papel central da regulação, que deve ser simples, desburocratizada e ativa”.

Assim, Costa Silva sugere que se faça um balanço do trabalho das agências reguladoras em Portugal e que se identifiquem meios e mecanismos para melhorar toda a sua ação.

O plano sublinha que é preciso “avaliar periodicamente o trabalho e a 'performance' das agências reguladoras e introduzir um sistema de reconhecimento do mérito”.

Costa Silva pede ainda que se pondere “a organização periódica de concursos internacionais para o papel executivo destes órgãos, com o objetivo de quebrar o ciclo de endogamia que caracteriza a sociedade portuguesa”, sem precisar que tipo de funções poderiam ser alvo destes procedimentos.

Costa Silva acredita que o “trabalho das agências reguladoras para ser eficaz tem de apoiar-se em recursos humanos qualificados e dotados de conhecimento sólido para o exercício das suas funções”, sublinhando que “a qualidade das instituições de regulação é compulsória para evitar a governamentalização e partidarização das intervenções do Estado na economia e para se desenvolver um sistema transparente, baseado na prestação de contas”.

Propostas querem Portugal como "fábrica da Europa" na Saúde

O plano propõe transformar Portugal numa “fábrica da Europa” na área dos dispositivos médicos, como ventiladores, e consolidar a fileira dos equipamentos de proteção individual, revendo os sistemas de certificação.

O documento defende um programa de investimento para transformar Portugal numa “fábrica da Europa”, que leve o país a organizar a investigação de base, a transferência de tecnologia e as condições para desenvolver e consolidar empresas de alta tecnologia.

O plano lembra que os meios de proteção individual “vão continuar a ser procurados, mesmo depois dos efeitos da pandemia terminarem” e que é importante o país “rever o sistema de certificação deste tipo de equipamentos médicos para que as empresas e os centros tecnológicos que os criaram sejam capazes de os exportar e consolidar uma nova fileira exportadora do país”.

Portugal deve tornar-se um ‘player’ atlântico

Costa Silva defende ainda que Portugal deve reforçar a cooperação geopolítica e económica para se tornar um ‘player’ (ator) atlântico, e não só europeu.

O objetivo aqui é transformar Portugal numa potência média do ‘soft power’ [poder de persuasão], ligando a diplomacia, as missões de solidariedade internacional das Forças Armadas Portuguesas, a tecnologia e a necessidade de combater as ameaças globais, para abrir caminho à criação de plataformas colaborativas que podem resolver problemas e abrir novas vias para a cooperação geopolítica e económica”, lê-se no documento elaborado pelo gestor António Costa Silva.

O documento evoca as missões de solidariedade em diferentes países africanos em que as Forças Armadas têm participado, as quais “dão credibilidade a Portugal, promovem a solidariedade internacional e abrem portas no mundo”.

Definindo o ‘soft power’ de Portugal como a “capacidade de agregar vontades e fazer funcionar redes a uma escala pluricontinental”, o documento aponta como “vital” ampliá-lo para pôr em diálogo “as nações do Atlântico, desde os seus aliados tradicionais, como o Reino Unido e os EUA, as nações do Atlântico Sul, do Brasil a Angola, passando pelos outros países de expressão portuguesa”.

Dá como exemplos projetos de cooperação com os países do Norte de África “para minimizar o avanço da desertificação, combater a ameaça climática e a escassez de água”, e com as nações do Atlântico Sul “para preservar as rotas internacionais de comércio e prevenir os ataques piratas”.

Propõe ainda “promover com as nações do Atlântico uma grande plataforma de cooperação para estudar o oceano, compreender o seu funcionamento e lutar contra as alterações climáticas” e “erigir uma grande plataforma do Atlântico capaz de proteger o oceano, a segurança das redes de comércio e energia, reduzir as ameaças e construir políticas para minimizar a poluição e combater as alterações climáticas”.

No início de junho, o Governo confirmou que António Costa e Silva tinha sido convidado para coordenar a preparação do programa de recuperação económica e que este tinha aceitado esse convite "como contributo cívico e 'pro bono'".

Segundo o Governo, o objetivo era que o trabalho preparatório estivesse concluído quando o Governo aprovasse o Orçamento Suplementar, altura em que o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, assumiria a "direção da elaboração do programa de recuperação".

Aposta na qualificação dos portugueses

Portugal deve continuar a apostar no reforço das qualificações e competências dos portugueses, desde os jovens à formação contínua dos adultos menos qualificados, recomenda António Costa Silva.

“Importa continuar a apostar no reforço das qualificações e das competências dos recursos humanos nacionais, contribuindo para a sua empregabilidade”, defende.

Entre as propostas apresentadas para a área da qualificação, consta a criação de condições para aumentar o número de jovens que frequentam, com sucesso, o ensino superior e a promoção da formação avançada em todas as áreas do conhecimento.

Recordando as conclusões do Relatório 2020 do Semestre Europeu, que aponta para a permanência de problemas como o elevado nível de reprovações e taxas significativas de abandono escolar, o consultor do executivo defende que este deve ser também um dos principais eixos de intervenção e propõe que a qualificação dos jovens seja alinhada com as novas especializações económicas, em particular no que respeita às competências digitais, e à sua inserção profissional.

O consultor alerta também para a necessidade de assegurar a requalificação da população em idade ativa.

“Um dos défices mais estruturais do país, que o mantém afastado dos padrões europeus e que compromete os níveis de produtividade e crescimento económico reside precisamente nas baixas qualificações”, justifica.

É neste sentido que Costa e Silva sugere a promoção da formação contínua e da aprendizagem ao longo da vida, “incluindo a reconversão de competências dos ativos menos qualificados, facilitando a sua inserção no mercado de trabalho”.

Para aqueles já inseridos no mercado de trabalho, em particular, dos setores e territórios que possam ser mais afetados pela transformação da economia e pela transição energética, o documento recomenda a requalificação desses trabalhadores, no âmbito do Plano para a Transição Justa.

Retoma da alta velocidade e novo aeroporto

O consultor António Costa Silva pede a retoma do projeto de ligação entre o Porto e Lisboa por alta velocidade ferroviária e do novo aeroporto de Lisboa, defendendo a necessidade de “construir um eixo ferroviário de alta velocidade Porto-Lisboa para passageiros, começando com o troço Porto-Soure (onde existem mais constrangimentos de circulação)”.

Para Costa Silva, esta ligação “potenciará a afirmação das duas áreas metropolitanas do país e o seu funcionamento em rede”, além de trazer “grandes ganhos ambientais por dispensar as ligações aéreas”.

“Uma posterior ligação a Espanha pode favorecer todo o litoral português e facilitar o equilíbrio financeiro da exploração. A ligação Porto-Vigo, bem como outras ‘amarrações ibéricas’, devem ser equacionadas no médio prazo”, indicou o consultor.

António Costa Silva defende, ainda no âmbito do plano ferroviário, que é preciso concretizar este instrumento, “concluindo os projetos em curso e modernizar a rede, porque uma rede ferroviária elétrica nacional é mais competitiva, mais limpa e está em sintonia com os esforços de descarbonização da economia”, lê-se no plano.

Para o consultor, é importante “a construção do eixo Sines-Madrid e a renovação da Linha da Beira Alta”, dois “eixos fundamentais” para o tráfego de mercadorias para Espanha, de acordo com o documento.

Costa Silva apelou também a um investimento “nos portos de Sines e de Leixões para aumentar ainda mais a sua competitividade em termos de instalações e equipamentos para receber grandes navios; para isso, é necessária maior extensão de cais, mais áreas de manuseamento de cargas e estruturação das plataformas logísticas, por forma a aumentar o valor das cadeias logísticas que passam pelos portos”.

Recuperação deve centrar-se nas pessoas

O plano de recuperação económica deve centrar-se nas pessoas, defende o consultor António Costa Silva, que sublinha a necessidade de identificar e corrigir as vulnerabilidades do setor social, designadamente no combate à pobreza, ao desemprego, à exclusão social.

As pessoas são a base do sistema democrático e a ação para preservar a sua dignidade é elemento indissociável do contrato social que rege os estados democráticos avançados”, diz Costa e Silva.

Segundo o consultor, o reforço do setor social torna-se ainda mais premente no contexto atual, em que a pandemia da covid-19 “evidenciou a importância de uma rede social eficaz, articulada e com os recursos necessários para enfrentar crises de origem diversa”.

Nesse sentido, no documento são propostos um conjunto de programas de investimento que permitem responder a problemas desde a habitação social à proteção dos mais idosos.

No âmbito da habitação social, o consultor sugere a criação de um programa de recuperação do edificado devoluto e de um outro programa de construção de habitação social, alertando que estas se devem inserir em meios residenciais existentes.

A vulnerabilidade diferencial ao contágio na presente pandemia veio demonstrar, uma vez mais, a necessidade de suprir com urgência as debilidades no acesso à habitação, hoje um importante fator de desigualdade social e segregação territorial”, defende Costa Silva.

No documento, intitulado "Visão Estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030", o consultor recomenda, por outro lado, a criação de um programa de ampliação e requalificação da rede de cuidados a idosos, que preveja também a identificação, requalificação e legalização condicionada dos estabelecimentos da rede existente.

A par deste apoio à população mais velha, Costa Silva alerta que a modernização da economia, que se pretende com o plano de recuperação, poderá colocar numa posição mais vulnerável os trabalhadores menos qualificados, em particular os mais velhos.

Recuperar a economia modernizando-a profundamente, mobilizando os mais recentes avanços tecnológicos e qualificando os postos de trabalho, contribuirá para aumentar o desemprego estrutural entre uma população com idade e formação de base dificilmente passíveis de requalificação”, ressalva.

É neste sentido que Costa Silva aponta a necessidade de apoiar a manutenção de alguns postos de trabalho menos qualificados em atividades com procura social e a criação de emprego social em determinadas áreas, de forma a permitir a inclusão profissional e social de trabalhadores menos qualificados, de todas as idades.

Estes postos de trabalho devem ser criados pelo Estado, central e local, mas deve haver também um sistema de incentivos às empresas que se disponibilizarem para participar no programa”, acrescenta.

O capítulo dedicado ao setor social refere ainda uma outra área que, segundo Costa Silva, merece atenção no plano de recuperação económica, por constituir igualmente um domínio da desigualdade social: a desigualdade escolar.

Para a área da educação, é proposto um programa de apoio social a estudantes em todos os graus de ensino, desde o básico ao superior, de forma a “estimular e assegurar o acesso ao ensino das crianças e jovens de famílias mais carenciadas, e contrariar a tendência para o abandono e diminuição de estudantes que se revela em cada crise económica e social”.

O documento sugere também a criação de um programa de rejuvenescimento do corpo docente, que passa, em parte, por um programa de reformas antecipadas negociadas com os professores mais idosos, e, por outro lado, propõe o reforço da formação de professores, desde a formação de base à formação contínua.

Ainda em matéria de desigualdade escolar, o consultor do executivo recomenda um programa de requalificação e modernização da rede de escolas, que preveja a correção de localizações segregadas, a melhoria das condições de trabalho e de estudo e a modernização de infraestruturas tecnológicas.

 

 

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