Ramalho Eanes diz que Otelo "tem direito a um lugar de proeminência histórica" - TVI

Ramalho Eanes diz que Otelo "tem direito a um lugar de proeminência histórica"

Antigo chefe de Estado lembra ainda "desvios políticos perversos"

O antigo Presidente da República António Ramalho Eanes, primeiro chefe de Estado eleito democraticamente na Terceira República, reagiu esta segunda-feira à morte de Otelo Saraiva de Carvalho, estratega da revolução do 25 de Abril.

Para o ex-chefe de Estado, que chegou a ser próximo do militar agora falecido, "Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica". Ainda assim, Ramalho Eanes lembra os "desvios políticos perversos".

Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida", defendeu o general Ramalho Eanes, num texto enviado à TVI24.

Ramalho Eanes lembra "um amigo que parte", recordando que esteve recentemente com Otelo no funeral da mulher deste último.

O Otelo era um homem bom, generoso, embora, por vezes, pouco prudente, pouco realista – contraditório, mesmo. Adorava representar, até na vida real, esquecendo que a representação exige um espaço delimitado, em que tudo o que aí é normal não o é na vida real", recorda o antigo Presidente da República.

Ramalho Eanes e Otelo Saraiva de Carvalho foram concorrentes à Presidência da República em 1976 e 1980, anos que terminaram comas vitórias do primeiro.

Otelo Saraiva de Carvalho, militar e estratego do 25 de Abril de 1974, morreu no domingo de madrugada aos 84 anos, no Hospital Militar, em Lisboa.

Leia na íntegra a carta enviada por António Ramalho Eanes:

A notícia da morte do Otelo Saraiva de Carvalho magoou-me e surpreendeu-me. Magoou-me, por se tratar de mais um amigo que parte. Surpreendeu-me, porque estive, recentemente, com o Otelo, no funeral da sua mulher, e achei-o, naturalmente, abatido, mas, aparentemente, com vigor e saúde.

Conheci o Otelo na Guiné, onde o substituí na Direcção da Secção de Radiodifusão e Imprensa do Comando-Chefe. Tornámo-nos amigos. Foi, aliás, essa amizade que me levou a testemunhar em seu favor no julgamento a que foi submetido, apesar de muitos reparos e apelos para que o não fizesse.

O Otelo era um homem bom, generoso, embora, por vezes, pouco prudente, pouco realista – contraditório, mesmo. Adorava representar, até na vida real, esquecendo que a representação exige um espaço delimitado, em que tudo o que aí é normal não o é na vida real.

Para mim, e apesar de todas as contradições, o Otelo tem direito a um lugar de proeminência histórica. E tem esse direito, apesar da autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências, porque foi ele quem liderou a preparação operacional do 25 de Abril, a mobilização dos jovens capitães, o comando da operação militar bem-sucedida.

E penso assim porque entendo que um Homem é uma unidade e continuidade, uma totalidade complexa, e que só é bem julgado quando considerando, historicamente, esse quadro e o seu contexto. Mas há homens que, num momento histórico especial, se ultrapassam, ganhando dimensão nacional, indiscutível, porque souberam perceber e explorar uma oportunidade histórica única, e sentir os anseios mais profundos do seu povo.

Otelo é uma dessas personalidades. A ele a pátria deve a liberdade e a democracia. E esta é dívida que nada, nem ninguém, tem o direito de recusar.

 

                                                                            António Ramalho Eanes

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