Marcelo Rebelo de Sousa enviou, nesta quinta-feira, para o Tribunal Constitucional o artigo seis da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos da Era Digital, polémica alínea cuja revogação foi recentemente chumbada no Parlamento.
O Presidente da República decidiu submeter a fiscalização sucessiva de constitucionalidade, o disposto no artigo 6º da Lei nº 27/2021, de 17 de maio, que aprovou a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital. Com efeito, jurisprudência recente do Tribunal Constitucional traduz uma preocupação cada vez mais marcada e estrita relativamente à necessidade de maior densificação e determinabilidade de conceitos com reflexos em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, como, de novo, se verificou, há poucos dias, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 474/2021, publicado no Diário da República n.º 142/2021, Série I, de 23 de julho de 2021, relativo ao direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa", justifica o chefe de Estado, em nota divulgada pela Presidência.
No requerimento enviado ao Tribunal Constitucional, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou, ainda, a controvérsia gerada pelo conteúdo do artigo.
Por outro lado, desenvolveu-se um importante debate público sobre o conteúdo e modalidades de aplicação das aludidas disposições da Lei nº 27/2021, de 17 de maio, debate com reflexo na própria Assembleia da República, que aprovara esta Lei, por larguíssima maioria e sem votos contra, e também não tivesse sido até agora revogado – como chegou a estar proposto – ou alterado, o conteúdo do artigo 6º, que tinha gerado boa parte da controvérsia havida naquele debate. Nestes termos, o Presidente da República entregou hoje no Tribunal Constitucional o requerimento, em anexo, suscitando a fiscalização sucessiva de constitucionalidade, do disposto no artigo 6º daquela Lei", argumentou.
Marcelo Rebelo de Sousa já tinha antecipado esta decisão no programa "Circulatura do Quadrado" de quarta-feira, transmitido em direto na TVI24 a partir do Palácio de Belém, em Lisboa, em que participou como convidado especial.
Eu devo dizer que reapreciei a matéria e estou inclinado a pedir ao Tribunal Constitucional em fiscalização sucessiva que aprecie a constitucionalidade do artigo 6.º", afirmou, então, o chefe de Estado, que foi questionado sobre este assunto por José Pacheco Pereira, um dos três comentadores permanentes deste programa.
A propósito das alegações de censura relativamente a esta lei, o Presidente da República lembrou que a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital foi inicialmente aprovada sem votos contra no Parlamento e com abstenções de quatro partidos – PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal – na votação final global realizada em 8 de abril.
Referindo-se ao contestado artigo 6.º desta lei, que promulgou em 8 de maio e que entrou em vigor a meio deste mês, Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que considerava "aquela norma muito original, muito, muito original, porque não adiantava nada quanto à competência da ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social] e no resto eram intenções um pouco absurdas".
Não me pareceu que fosse claramente inconstitucional. Não obstante, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se apertado em matéria de densificação de regras nas leis que possam tocar direitos fundamentais – ainda agora apareceu mais uma decisão de inconstitucionalidade no domínio da identidade de género, em que foi muito longe na exigência", assinalou o Presidente da República.
O artigo 6.º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, lei publicada em 17 de maio no Diário da República, estabelece que "o Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação", que seja "apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público".
De acordo este artigo, "todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social queixas contra as entidades que pratiquem os atos previstos no presente artigo" e, por outro lado, "o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública".
Na semana passada, a Assembleia da República debateu projetos de lei da Iniciativa Liberal e do CDS-PP para revogar este artigo 6.º, que tiveram também votos a favor de PSD, PCP, PEV e Chega, além de quatro deputados socialistas, mas acabaram rejeitados por PS, BE, PAN e pela deputada não inscrita Cristina Rodrigues.