"Estive dois anos e nove meses a cumprir pena por crimes que não cometi" - TVI

"Estive dois anos e nove meses a cumprir pena por crimes que não cometi"

Armando Vara foi libertado nesta segunda-feira, depois de cumprir mais de metade da pena a que foi condenado no processo Face Culta

Armando Vara já saiu em liberdade, tendo deixado esta tarde o Estabelecimento Prisional de Évora, onde estava detido desde janeiro de 2019, depois de ter sido condenado a cinco anos de prisão no processo Face Oculta.

Estive dois anos e nove meses a cumprir pena por crimes que não cometi", disse aos jornalistas, à saída da cadeia.

O antigo ministro, que assumiu estar "aliviado" com a decisão, lembrou que a sua liberdade condicional foi sempre recusada, considerando "um exagero" o quase cumprimento de dois terços da pena para os crimes em causa, concretamente três crimes de tráfico de influências.

Em fevereiro faria dois terços do cumprimeiro de pena, o que é também um exagero para o tipo de criminalidade de que fui culpado, mas isso ocorreu porque sempre me foi recusada a liberdade condicional, a antecipação da liberdade condicional, as precárias especiais. Segundo o tribunal, ninguém compreenderia que, tendo sido eu condenado por crimes no exercício de funções públicas, viesse a não cumprir uma pena agravada. Ora isso era mentira, como ficou provado no despacho de libertação", argumentou.

Armando Vara referia-se ao ponto 5 da nota de libertação do Tribunal de Execução das Penas, na qual o juiz Juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Évora sublinhou que o antigo ministro "não era titular de cargo público" à data dos factos pelos quais foi condenado.

"O Tribunal de Execução de Penas entendeu, designadamente, que os crimes de tráfico de influência pelos quais Armando Vara foi condenado não se incluem no contemplado na alínea m) do n.º 6 do artigo 2.º da Lei de Perdão de Penas, dado que entre 2006 e 2009, quando os crimes foram cometidos, Armando Vara não era titular de cargo político, nem resulta do acórdão condenatório que os crimes por si cometidos o tenham sido no exercício de funções de alto cargo público ou por causa delas, antes resultando que a concreta influência movida assentou em ligações pessoais e partidárias", consta na nota à imprensa hoje divulgada.

Sempre achei profundamente injusto e absurdo a minha prisão (...), foi uma decisão que correspondeu a um brutal erro judiciário. Desde o princípio que o tribunal decidiu que eu tinha praticado crimes no exercício de funções públicas e isso foi sempre mentira. Nunca cometi um crime no exercício de funções públicas, como nunca cometi qualquer crime desde que fui acusado no processo Face Oculta", sublinhou Armando Vara.

A decisão do Tribunal de Execução das Penas de Évora diz apenas respeito à condenação no processo Face Oculta, não envolvendo outras sentenças, como os dois anos de prisão efetiva a que foi condenado no Processo Marquês. No entanto, Armando Vara diz que também esta condenação assenta nos "mesmos pressupostos" da anterior.

O Processo Marquês tem os mesmo pressupostos que o Processo Face Oculta e eu espero que se comece, finalmente, a cumprir a lei e que não se ande com subterfúgios, temas que o código penal não prevê e que têm muito a ver com as convicções dos juízes, mas não têm a ver com a lei", argumentou, lembrando que já entregou recurso, acreditando vai "ser ilibado na Relação".

Armando Vara lamentou, igualmente, o "espectáculo mediático" à volta da sua detenção, que levou, inclusive, a que a sentença de cinco anos de prisão não tivesse tido pena suspensa.

Não tenho dúvidas que a motivação foi política, mas também motivada pelo espectáculo mediático que foi promovido pelas instituições que estiveram na base da acusação. Era preciso convencer a opinião pública que não só tinha cometido crimes, como eram crimes muito graves, porque só crimes muito graves é que levariam a que uma pena abaixo de cinco anos tivesse prisão efetiva e não pena suspensa. Mesmo após a condenação, o normal seria a pena ser suspensa", apontou. 

Desde 16 de janeiro de 2019 que estava detido no Estabelecimento Prisional de Évora, sendo o termo da pena de prisão à ordem deste processo a 9 de outubro de 2023, após uma redução de pena de três meses e sete dias, período cumprido em prisão domiciliária.

Três crimes de tráfico de influências

Armando Vara foi condenado em setembro de 2014 pelo Tribunal de Aveiro a cinco anos de prisão efetiva, por três crimes de tráfico de influências.

O coletivo de juízes deu como provado que o antigo ministro e ex-vice-presidente do BCP recebeu 25 mil euros do sucateiro Manuel Godinho, o principal arguido no caso, como compensação pelas diligências empreendidas em favor das suas empresas.

Inconformado com a decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso, mantendo integralmente o acórdão da primeira instância.

Armando Vara interpôs novo recurso, desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido, recorrendo então para o Tribunal Constitucional, que, em julho de 2018, decidiu “não conhecer do objeto” do recurso interposto. A defesa reclamou então desta decisão, sem sucesso.

A condenação transitou em julgado em dezembro de 2018, após esgotadas todas as possibilidades de interposição de recurso. Nessa altura, o ex-ministro informou o Tribunal de Aveiro que aceitava o trânsito imediato da decisão condenatória, declarando que pretendia apresentar-se voluntariamente para iniciar o cumprimento da pena nos termos que lhe forem determinados.

O processo Face Oculta, que começou a ser julgado em 2011, está relacionado com uma alegada rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho nos negócios com empresas do setor do Estado e privadas.

Além de Armando Vara e Manuel Godinho, foram arguidos no processo o ex-presidente da REN (Redes Energéticas Nacionais) José Penedos e o seu filho Paulo Penedos, entre outros.

Arguido no Processo Marquês

Armando Vara é também um dos 28 arguidos no processo Marquês, em que o principal arguido é o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

Neste processo, o antigo ministro foi condenado a dois anos de prisão efetiva, por um crime de branqueamento de capitais.

 

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