Eutanásia: portugueses ainda lutam por uma morte assistida - TVI

Eutanásia: portugueses ainda lutam por uma morte assistida

Idosos

E há quem recorra ao estrangeiro para conseguir a ajuda que não encontra em Portugal. Até 2016, quatro portugueses tinham ido à Suíça para morrer na Dignitas. Mas Portugal não é exceção e há casos um pouco por todo o mundo de quem viajou para morrer dignamente

Formar uma opinião sobre a eutanásia não é simples e a prova disso é que a morte medicamente assistida ainda não é autorizada em muitos países. Portugal vê serem discutidos, esta terça-feira, na Assembleia da República, quatro projetos de lei sobre a eutanásia num debate cujo resultado é completamente imprevisível

O debate formal em Portugal teve início há dois anos e meio, mas há muito tempo que os portugueses se debatiam com a possibilidade de recorrer à morte medicamente assistida que viam ser aprovada além fronteiras.

A eutanásia foi descriminalizada em dois países europeus, Holanda e Bélgica, em 2002, mas há mais países do mundo onde é possível a morte assistida ou o suicídio assistido. (Ver Tabela no fim do texto)

Sem lei aprovada em Portugal, houve já quem recorresse à Dignitas, na Suíça, para morrer com dignidade e quem tenha recorrido ao suicídio depois de ter pedido ajuda aos médicos. Foi o caso do sargento-mor da Marinha, Joaquim Guedes Figueiredo, que em outubro de 2007 escreveu uma carta onde apelava que o eutanasiassem por não conseguir suportar as dores provocada pelo cancro de ossos de que padecia. 

“Declaro por minha honra, de cidadão e de militar, aos senhores médicos e familiares, que é da minha inteira vontade que me provoquem uma morte sem dor ou sofrimento, sendo este o meu desejo, a minha alegria e a alegria dos vossos corações seguido de uma salva de palmas.”

O apelo não foi cumprido e, a 12 de agosto de 2014, o militar suicidou-se com um tiro à porta de uma esquadra e diante das câmaras de videovigilância.

A filha, Ana Figueiredo, tornou-se uma ativista a favor da despenalização da morte assistida e fez parte da coordenação da iniciativa "Direito a morrer com dignidade" que levou a eutanásia ao Parlamento. 

Os casos que mexeram com o mundo

O ato de viajar para ir morrer a outro país não é exclusivo dos portugueses e são vários os casos que são prova disso. A falta de apoio por parte dos médicos e de resposta por parte do Governo fez com que várias pessoas viajassem para os países onde a morte assistida é permitida.

O mais recente caso foi o do cientista David Goodall que viajou da Austrália para morrer na Suíça. Aos 104 anos, o cientista australiano rumou do seu país até solo helvético, para morrer na clínica Exit International, uma clínica que ajuda pacientes a morrer, prática legal na Suíça.

Goodall não tinha nenhuma doença terminal, mas sentia-se demasiado velho e queria pôr um ponto final na vida. Na Austrália apenas num estado é possível fazer isso, mas apenas em caso de doença. Por isso, o cientista escolheu a Suíça como destino final.

Após uma tentativa falhada de suicídio no início do ano, Goodall pediu às autoridades australianas para beneficiar de um suicídio assistido. Perante a recusa, decidiu viajar para a Suíça, onde diversas fundações oferecem este serviço.

Antes dele, Peter Smedley, um milionário britânico com Alzheimer, escolheu morrer numa clínica na Suíça. O caso de Smedley relançou o debate sobre a eutanásia porque a sua decisão foi transmitida num documentário da BBC.

Aos 71 anos, o hoteleiro decidiu recorrer ao suicídio assistido depois de ter sido diagnosticado com uma doença neurológica motora, que provoca paralisia muscular. A sua esposa esteve sempre ao seu lado.

Este caso foi seguido de perto pelo escritor britânico Terry Pratchett, que produziu o documentário, e que também ele pondera a hipótese de vir a recorrer à eutanásia, depois de ter sido diagnosticado com a mesma doença.

Morrer com dignidade rodeado dos que nos amam

Se houve quem viajasse para encontrar um lugar onde morrer como desejava, outros conseguiram-no sem ter de deixar a própria casa.

Foi o caso de uma jovem holandesa de 20 anos vítima de abusos sexuais que, em 2016, morreu após obter autorização para se submeter à eutanásia através de uma injeção letal.

Também Lorenzo Schoonbaert decidiu quando quis morrer. O adepto do Burges cumpriu o último desejo de ver o seu clube ganhar antes de morrer. Tinha 41 anos. Estava em estado terminal. Decidiu que era a altura de morrer. Submeteu-se a eutanásia. A sua despedida da vida ficou com um dia agendado.

Tal como a morte de Emiel Pawels, de 94 anos, que também teve um dia na agenda. O campeão para maiores de 90 anos dos Europeus de veteranos decidiu morrer depois de lhe ter sido diagnosticado com cancro. Fez uma festa, juntou a família, despediu-se dos que mais amava com um sorriso na cara. E morreu, com a dignidade que tinha pedido graças à lei belga que autoriza que os médicos podem pôr fim à vida de um doente, em circunstâncias determinadas, nomeadamente em nome do alívio do sofrimento numa doença incurável.

Países que já aprovaram a eutanásia

Holanda

Foi o primeiro país europeu a permitir a eutanásia e o suicídio assistido, que é possível fazer desde 2002. Legalmente, é necessário que a pessoa tenha doença incurável, esteja num sofrimento insuportável e não tenha qualquer perspetiva de melhorar. É condição a pessoa que quer morrer estar na plenitude das suas capacidades mentais. O recurso à eutanásia é permitido a partir dos 12 anos, com consentimento dos pais.

Na Holanda, existe uma Comissão de Controlo da Eutanásia.

Bélgica

Desde 2002 que a lei descriminalizou a eutanásia em todas as suas modalidades, não se fazendo distinção entre abreviar a vida por uma terceira pessoa, suicídio assistido ou deixar morrer. O médico tem um papel importante e tem de informar o doente do seu estado de saúde, discutir o pedido de eutanásia, bem como as possibilidades de cuidados paliativos. O doente tem que ser maior ou pelo menos emancipado, estar consciente no momento do pedido, que tem que ser voluntário, sem qualquer pressão externa. Uma das condições é o doente estar numa situação médica sem saída e em sofrimento físico e/ou psíquico constante e insuportável e sofrer de uma doença incurável.

Na Bélgica, existe uma Comissão Federal de Controlo e Avaliação.

Suíça

Apesar de a eutanásia ser ilegal, as autoridades suíças admitem que poderá existir suicídio assistido se for praticado por um doente terminal em sofrimento intolerável e irreversível. Foi na Suíça que nasceram e existem organizações como a Exit e a Dignitas, que ajudam no suicídio assistido.

A Dignitas afirmou que tinha, em 2017, 25 associados portugueses, o que, sublinhou, não quer dizer que todos queiram recorrer à morte assistida, dado que alguns são considerados apoiantes da causa. Desde 2009, a associação da Suíça, país onde a morte assistida está regulada, tem registadas cinco pessoas com nacionalidade portuguesa que tiveram a sua ajuda para morrer.

Luxemburgo

Foi o terceiro país europeu a despenalizar a eutanásia e tem uma lei muito parecida com a da Bélgica. Prevê, no entanto, uma norma para que o doente manifeste, por escrito, em que condições e circunstâncias pode submeter-se à eutanásia se o médico concluir que tem uma doença grave e incurável e que a sua situação é “irreversível à luz do estado da ciência”.

Estados Unidos Nos Estados Unidos, ao nível federal, o ato médico de abreviar a vida por terceiros é proibido e comparado ao crime de homicídio. O suicídio assistido, porém, está regulamentado em cinco estados: Oregon, desde 1997, Vermont (2013), Califórnia (2015), Washington (2008) e Montana (2009).
Canadá

Em 2005, o Supremo Tribunal decidiu a descriminalização da eutanásia se praticada por um médico a pedido de alguém mentalmente competente em situação de doença terminal. No ano seguinte, em 2006, é aprovada uma lei que se aplica a adultos mentalmente competentes com uma doença grave ou incurável em estado avançado de declínio irreversível. Dois médicos ou enfermeiros avaliam o pedido, que tem de ser corroborado por duas testemunhas.

Uruguai e Colômbia Estes dois países adotaram normas legais da possibilidade de despenalização judicial do “homicídio piedoso”. Na prática, aplica-se um “perdão judicial” a situações de “homicídio piedoso”, isentando-o de responsabilidade criminal se tiver sido praticado como resposta a um pedido reiterado da vítima em estado terminal e com intenção provada para por fim ao seu sofrimento intenso e irreversível.

Fonte: Divisão de Informação Legislativa Parlamentar da Assembleia da República)

A Assembleia da República produziu, para o debate de terça-feira sobre a morte medicamente assistida, um ‘dossier’ sobre os quatro projetos, incluindo os pareceres emitidos até ao momento, e um vídeo explicativo da ARTV.

O ‘dossier’ pode ser consultado no site do parlamento, tem um mapa comparativo dos quatro projetos (PAN, BE, PS e PEV) e uma explicação, em formato perguntas e respostas, sobre o que cada partido propõe.

Quatros projetos de lei para despenalizar e regular a morte medicamente assistida em Portugal apresentados por PS, BE, PEV e PAN vão a debate e deverão ir a votação, na generalidade, na terça-feira, na Assembleia da República.

Continue a ler esta notícia