Acusações a ciganos põem em risco aventura PSD/CDS em Loures - TVI

Acusações a ciganos põem em risco aventura PSD/CDS em Loures

  • Atualizada às 20:23
  • 17 jul 2017, 19:15

Declarações do social-democrata candidato autárquico incomodaram até os parceiros centristas da coligação e a vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho. André Ventura já se explicou em comunicado

As repetidas acusações a elementos da minoria cigana por parte do candidato da coligação PSD/CDS a Loures, o sexto com mais eleitores no país, já levaram a distrital de Lisboa dos centristas a exigir explicações a André Ventura, membro do Conselho Nacional do PSD, professor universitário de Direito e comentador do Benfica num canal televisivo distribuído por cabo.

O CDS é leal às coligações em que está envolvido e, nesta fase, será no interior da coligação que o CDS vai pronunciar-se sobre este assunto. Aguardamos ainda que estas declarações possam ser cabalmente esclarecidas pelo candidato André Ventura", refere, em comunicado, o líder da Distrital de Lisboa do CDS-PP, João Gonçalves Pereira.

O mal-estar entre o parceiro do PSD na coligação "Loures Primeiro" já antes tinha sido espelhado pelo dirigente Francisco Mendes da Silva. Que exigiu que o seu partido se demarque e não fique "nem mais um dia” "associado a tão lamentável personagem“, tal como considerou o que o candidato diz como “profundamente errado, ligeiro, fruto da ignorância e de um populismo que tanto pode ser gratuito, telegénico ou eleitoralista.”

"Donald Trump de Loures"

Na base da contestação, estão as declarações de André Ventura numa entrevista publicada esta segunda-feira pelo jornal I, na qual acentua críticas já antes feitas, na passada quinta-feira, ao falar para o portal Notícias ao Minuto. Ou seja, antes de na sexta-feira ter sido apresentado formalmente como candidato a Loures, com o líder do PSD a seu lado.

Não compreendo que haja pessoas à espera de reabilitação nas suas habitações, quando algumas famílias, por serem de etnia cigana, têm sempre a casa arranjada. Já para não falar que ocupam espaços ilegalmente e ninguém faz nada. Quem tem de trabalhar todos os dias para pagar as contas no final do mês olha para isto com enorme perplexidade", foram palavras do candidato na passada quinta-feira.

Daí, seguiu de imediato uma queixa do candidato a Loures do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, para a Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial.

Já esta segunda-feira, o BE avançou com nova queixa "à Procuradoria-Geral da República e à Ordem dos Advogados", como foi anunciado na página na internet da concelhia de Loures.

Mas desde a primeira hora, os bloquistas não perderam a oportunidade de censurar publicamente o candidato do PSD, que alcunharam até de "Donald Trump de Loures".

"Prisão perpétua dos delinquentes"

Esta segunda-feira, a nova entrevista do candidato acabou por acrescentar combustível para a fogueira, quando André Ventura voltou a considerar haver ciganos que "vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado" e acham "que estão acima das regras do Estado de direito".

Na conversa com o jornal I, André Ventura assume que o seu clubismo exacerbado pelo Benfica poderá afastar eleitores, tal como confessa ter divergências com o seu partido, o PSD, por exemplo, nas penas criminais, considerando que "temos cada vez mais uma sociedade com certos tipos de crimes que devia permitir a prisão perpétua dos delinquentes".

Ainda assim, foram as suas declarações sobre a comunidade cigana de Loures que tiveram o condão de incomodar meio mundo:

  • em Portugal temos uma cultura com dois tipos de coisas preocupantes: uma é haver grupos que, em termos de composição de rendimento, vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado, outra é acharem que estão acima das regras do Estado de direito";
  • tenho imensos relatos em Loures de situações em que são ocupados imóveis ilegalmente e a câmara nada faz para os tirar de lá. Porquê? Porque seria racismo e xenofobia. Mas não é racismo, é fazer cumprir a lei";
  • Você vai à Quinta da Fonte a qualquer hora do dia e vê pessoas a ocupar o espaço público no meio da rua. Nos transportes públicos é a mesma coisa: vários munícipes queixam-se de pessoas de etnia cigana que entram nos transportes, usam os transportes e nunca pagam, e ainda geram desacatos. Quem está a pagar isso somos todos nós";
  • As pessoas ditas “normais” ou da “maioria”, se não pagarem a sua casa ou a sua renda, não são despejadas? A ideia de maioria e minoria inverteu-se a partir do momento em que as minorias se tornaram minorias de privilégio. Isto tem de acabar. A etnia cigana, quer em Loures quer no resto do país, tem de interiorizar o manual do Estado de direito";
  • São zonas onde são eles que mandam e não entra polícia… Na Quinta da Fonte, o comandante da polícia diz-me que são chamados lá só para serem agredidos. Não podemos continuar a olhar para isto como se fosse normal".

"Nada me move contra a comunidade cigana"

Já na tarde desta segunda-feira, André Ventura sentiu necessidade de, em comunicado, tentar esclarecer o que dissera, advogando que "a verdadeira discriminação é permitir que alguns não cumpram a lei, em detrimento daqueles que vivem com as regras do Estado de Direito".

Nada me move contra a comunidade cigana, como aliás afirmo na entrevista. De resto, ao longo da minha vida sempre convivi bem com pessoas de várias raças e etnias e diferentes credos. Quando digo que somos tolerantes com algumas minorias, refiro-me a certos casos em que manifestamente a lei não é cumprida", refere André Ventura.

Compreendo todas as especificidades, costumes e padrões civilizacionais de todas as raças, mas eles não podem esbarrar com os princípios do Estado de Direito constitucionalmente consagrados", acrescentou o candidato da coligação PSD/CDS.

Por último, André Ventura fez questão de se demarcar de "políticos ou civis de caráter racista ou xenófobo, pois nunca foi minha intenção estimular ou aprofundar este tipo de sentimentos no debate político".

Trata-se de uma explicação, que parece dirigida ao único apoio expresso que as suas declarações receberam, ao que consta pelas redes sociais, da parte do líder do PNR, José Pinto Coelho.

"Repudiamos as declarações proferidas"

Com a polémica em curso, Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD e candidata à Câmara de Lisboa, veio também a terreiro condenar as declarações proferidas por André Ventura.

Repudiamos as declarações proferidas pelo candidato à Câmara de Loures respeitantes à comunidade cigana”, refere o comunicado da candidata, subscrito igualmente por Marta Mucznik, mandatária da sua lista para o diálogo intercultural.

As signatárias criticam André Ventura "por considerarmos que afirmações que generalizam comportamentos só perpetuam os preconceitos e estigmatizam comunidades que fazem parte integrante do tecido demográfico das nossas cidades; por outro lado, porque não nos revemos nem em pensamento, nem em discurso de natureza discriminatória”.

Defendemos uma sociedade inclusiva, solidária e justa no âmbito da qual a diversidade e a multiculturalidade devem ser plenamente respeitadas e celebradas”, conclui o comunicado.

"Silêncio envergonhado do PSD é um erro e um perigo"

O PS, por seu lado, "exortou" "formalmente" o líder do PSD a retirar a confiança política e a demarcar-se das declarações "xenófobas" e "racistas" proferidas contra a comunidade cigana pelo candidato social-democrata à presidência da Câmara de Loures, André Ventura.

A secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, esteve com a candidata socialista à Câmara de Loures, Sónia Paixão, e aproveitou para exigir que "o doutor Pedro Passos Coelho (...) retire a confiança política ao candidato da coligação PSD/CDS à presidência da Câmara Municipal de Loures, honrando assim a tradição do PPD/PSD".

O silêncio envergonhado do PSD é um erro e um perigo. Este é o momento de Pedro Passos Coelho demarcar-se daquelas declarações ou tornar-se-á cúmplice de semear o discurso da intolerância, do racismo e da xenofobia", afirmou Ana Catarina Mendes.

De acordo com a secretária-geral adjunta do PS, Pedro Passos Coelho "tem a obrigação de quebrar o seu inadmissível silêncio e de cortar o mal pela raiz, não deixando que o discurso xenófobo se instale e possa germinar" ao nível do debate político.

Isto não está à altura da tradição intercultural do país e, importa reconhecê-lo, da tradição do PPD/PSD", disse, dando depois como exemplo o apoio dado pelo PNR (Partido Nacional Renovador) ao discurso do candidato social-democrata em Loures.

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