Portugal vai apresentar queixa em Bruxelas contra Espanha depois de os Governos dos dois países não terem conseguido chegar esta quinta-feira a acordo sobre a construção de um aterro nuclear na central de Almaraz, que Lisboa contesta.
Portugal vai solicitar a intervenção de Bruxelas neste caso. Havendo um diferendo, ele tem de ser resolvido pelas instâncias europeias”, disse o ministro do Ambiente português, João Matos Fernandes, à saída de uma reunião com a sua homóloga espanhola, Isabel García Tejerina, e com o ministro da Energia, Álvaro Nadal.
O Governo português defende que no projeto de um aterro de resíduos junto à central nuclear de Almaraz "não foram avaliados os impactos transfronteiriços", o que está contra as regras europeias.
O que é exigido por Portugal é que se reconheça que não foi cumprida a diretiva europeia de impactos ambientais” e Lisboa tem “a fortíssima expetativa que a UE determine que se faça esta avaliação de impactos transfronteiriços”, insistiu João Matos Fernandes, acrescentando que, “em princípio, na próxima segunda-feira”, o caso será apresentado em Bruxelas.
Por outro lado, Espanha “deixou claro que não há nenhuma decisão tomada” ainda sobre a continuação de funcionamento da central de Almaraz para além de 2020.
Segundo o ministro português, Espanha também “foi clara no sentido de dizer que há ainda uma licença de exploração que tem de ser passada e essa licença só será passada mais ou menos daqui a um ano”.
“A obra [do aterro nuclear], segundo o Governo espanhol, está licenciada e tem condições para poder iniciar-se” disse João Matos Fernandes.
Fonte da central nuclear de Almaraz já tinha assegurado à agência Lusa que a obra de construção do aterro de resíduos ainda não começou.
De acordo com o Boletim Oficial do Estado (BOE), uma resolução de 14 de dezembro de 2016, da Direção-Geral de Política Energética e Minas, o Governo espanhol "autoriza a execução e montagem da modificação do desenho correspondente ao Armazém Temporário Individualizado da Central Nuclear Almaraz, Unidades I e II".
No texto do BOE, publicado após os pareceres favoráveis por parte do Conselho de Segurança Nuclear (CSN) e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, o executivo espanhol autorizou a construção do armazém temporário individualizado (ATI) da central de Almaraz de acordo com as condições impostas pelo CSN espanhol.
O processo para a construção do ATI teve início em 18 de novembro de 2015, quando o diretor-geral das Centrais Nucleares de Almaz-Trillo (CNAT) solicitou a autorização para a construção do armazém de resíduos nucleares, com o objetivo de resolver as necessidades de armazenamento do combustível gasto nos reatores.
A funcionar desde o início da década de 1980, a central está situada junto ao Tejo e faz fronteira com os distritos portugueses de Castelo Branco e Portalegre, sendo Vila Velha de Ródão a primeira povoação portuguesa banhada pelo Tejo depois de o rio entrar em Portugal.
A central nuclear de Almaraz tem dois reatores nucleares, cada um com uma “piscina” para guardar o lixo nuclear, prevendo-se que a do “reator 1” alcance o limite da sua capacidade em 2018.
Segundo Almaraz, o ATI a construir vai ser necessário para armazenar qualquer material radioativo, mesmo aquele que resultar da desativação da central em 2020, como está previsto.
Os ambientalistas portugueses desconfiam que a decisão de construção do ATI seja o primeiro passo para prolongar a vida da central para além de 2020.
Reunião começou com manifestação de ativistas antinuclear
Uma vintena de ativistas do Movimento Ibérico Antinuclear (MIA) manifestou-se esta quinta-feira em Madrid contra a construção de um aterro nuclear na central de Almaraz, frente ao edifício em que os ministros do Ambiente português e espanhola estão reunidos.
Estamos contra a construção do aterro nuclear e contra o prolongamento do funcionamento de Almaraz", disse o coordenador do MIA, acrescentando que “as centrais nucleares são um perigo para a população”.
Os ativistas do movimento antinuclear tinham cartazes onde se lia “Fechar Almaraz, descansa em paz”, “Por um Tejo vivo” e “Nuclear, não obrigado”.
PCP defende “envolvimento e intervenção” de Portugal sobre Almaraz
O líder comunista português, Jerónimo de Sousa, defendeu esta quinta-feira o "envolvimento" e a "intervenção" do Estado, através do Governo socialista, quanto à eventual construção de um armazém de resíduos na central nuclear espanhola de Almaraz.
Aquilo que o PCP quer afirmar é a necessidade de, independentemente das normas internacionais, do envolvimento, auscultação, opinião e intervenção do Estado português", disse o secretário-geral comunista, na sede nacional, em Lisboa. "Deve haver uma avaliação, um acompanhamento, a troca de informações, não descurando o papel decisivo que o Governo tem de ter e que o [seu homólogo espanhol] tem de ter em conta. Como se admite que, a 100 quilómetros da nossa fronteira, seja construído um armazém desta perigosidade e fiquemos à margem do problema?", questionou Jerónimo de Sousa.
O líder do PCP declarou que "nem o povo português nem o Governo podem ficar à margem de um processo de grande sensibilidade com consequências ao nível transfronteiriço" até porque "a construção de um armazém de resíduos nucleares pode perspetivar o prolongamento de vida para além dos 40 anos da central nuclear de Almaraz".
O responsável governamental do Ambiente anunciou, na semana passada, que Portugal iria apresentar uma queixa junto da Comissão Europeia contra Espanha para contestar a decisão, que Lisboa considera desrespeitar diretivas comunitárias por não avaliar o impacto transfronteiriço da nova estrutura na central nuclear.
O parlamento português aprovou na sexta-feira, por unanimidade, um voto comum de condenação da opção de construir uma central de armazenamento em Almaraz, Espanha.