Cinco temas que fizeram a "geringonça" tremer - TVI

Cinco temas que fizeram a "geringonça" tremer

  • Sofia Santana
  • 26 nov 2016, 11:25
António Costa

Um ano depois, a "geringonça" dá sinais de que está para durar. Mas, pelo caminho, houve casos e polémicas que criaram momentos de maior tensão. Está "estável", mas, por várias vezes, a "geringonça" já tremeu

É mais forte o que os une do aquilo que os separa. A expressão popular assenta que nem uma luva aos partidos que constituem a chamada "geringonça" - PS, BE, PCP e Verdes. Um ano depois, este casamento das esquerdas dá sinais de que está para durar. Pelo caminho, porém, viveu momentos de atrito e de maior tensão. Está "estável", mas, por várias vezes, a "geringonça" já tremeu. 

Foi o próprio primeiro-ministro que o reconheceu, em entrevista à TVInesta maioria “há várias esquerdas” e não há “jogos de sombras” entre elas. Mas António Costa não tem dúvidas que, apesar das diferenças, os objetivos que têm em comum permitem uma "governação estável".

A "geringonça" a que o antigo líder do CDS Paulo Portas se referiu, pela primeira vez, no Parlamento, começou a funcionar ainda Pedro Passos Coelho chefiava o Governo - o mais curto da história da Democracia -, acabando com a exclusão dos casais homossexuais nas candidaturas à adoção de crianças e revogando as alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez. 

Novas medidas e reversão de outras tantas. Muito mudou na vida dos portugueses com este Governo inédito, apoiado por partidos fora do chamado "arco da governação".

A "geringonça" prefere sublinhar as suas conquistas, dando ênfase à reposição de rendimentos. Mas, neste último ano, também houve casos e polémicas que marcaram as diferentes posições que cabem nesta união de forças.  

Banif

A primeira grande dor de cabeça para o Governo socialista surgiu apenas um mês depois de ter tomado posse: a necessidade de uma intervenção no Banif, de forma a impedir a liquidação dos seus ativos, que, segundo o Executivo e o Banco de Portugal, colocaria em causa a estabilidade do sistema financeiro.

A medida de resolução, negociada pelo Governo com o Banco de Portugal e a Comissão Europeia, previa a recapitalização do banco em 2.225 mil milhões de euros. Depois, o Banif seria vendido aos espanhóis do Santander por 150 milhões.

Ora, para avançar com a recapitalização, a equipa chefiada pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, recorreu a uma proposta de Orçamento Retificativo. Mas BE e PCP estavam contra. Contra a utilização do dinheiro dos contribuintes para “limpar” um banco que seria depois entregue a um privado espanhol.

O Bloco ainda impôs condições para a viabilização do documento-  uma nova lei para a intervenção no sistema financeiro, que retire poderes ao regulador, e a manutenção do Novo Banco na esfera do Estado. Mas sem efeito.

O Retificativo acabou por ser aprovado a 23 de dezembro no Parlamento graças à abstenção do PSD – PS votou favoravelmente, mas BE, PCP, PEV, CDS e PAN votaram contra.

Na votação do documento, no hemiciclo, bloquistas e comunistas responsabilizaram o anterior Governo PSD/CDS pela situação do Banif, mas não deixaram de tecer críticas à solução encontrada pelos socialistas.

 

Viagens pagas pela Galp

As viagens ao Euro 2016, em França, pagas pela Galp a membros do Governo socialista foram outra das polémicas que fez tremer a geringonça.

O caso foi divulgado no início de agosto. Três secretários de Estado viajaram a convite da Galp para assistir a jogos da Seleção Nacional: o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, o secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, e o secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira.

As ofertas alimentaram duras críticas da oposição, que chegou, inclusivamente a pedir a demissão dos governantes.

PSD e CDS lembraram que a Galp tinha pelo menos um litígio fiscal pendente de muitos milhões de euros com o Estado, em particular com um serviço que depende da tutela de Rocha Andrade, e questionaram as condições de isenção do governante para tomar decisões que possam afetar a empresa.

Mas aquilo que era uma oportunidade clara de ataque para a direita, não poderia passar ao lado da esquerda. E os partidos que apoiam o Executivo também reprovaram a conduta.

O PCP considerou a atitude de Rocha Andrade “criticável”, sublinhando que cabia ao primeiro-ministro e ao Governo tirar ilações. O BE falou numa conduta “eticamente reprovável”. Um comportamento que, defenderam também, deve ter “consequências políticas”.

Mas António Costa segurou os seus governantes.

Para enterrar a polémica, a pasta da Galp passou de Rocha Andrade para Mário Centeno, ficando o secretário de Estado impedido de tomar decisões sobre a empresa, e foi criado um código de conduta para governantes.

Este código de conduta, aprovado em Conselho de Ministros, vincula membros do executivo, dos gabinetes e, indiretamente, dirigentes superiores da Administração Pública. E estabelece que os governantes apenas poderão aceitar ofertas até ao valor máximo de 150 euros. 

 

Novo imposto sobre o património

A 15 de setembro, a notícia era avançada por vários órgãos de comunicação: o Governo ia criar um novo imposto sobre o património. A revelação obrigou, nesse mesmo dia, a uma apresentação da medida ao país. Só que não foi o Governo o primeiro a chegar-se à frente para a explicar, mas antes o parceiro Bloco de Esquerda, pela deputada Mariana Mortágua. Nascia uma nova polémica e a designação “imposto Mortágua” popularizava-se na imprensa.

O novo imposto, adicional ao IMI, vinha substituir o imposto de selo e seria aplicável a proprietários com um património imobiliário superior a um milhão de euros. Saber-se-ia, mais tarde, que ia servir para financiar a Segurança Social. Resultado de um acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda, a medida iria constar no novo Orçamento do Estado para 2017.

Mas o primeiro a falar sobre este imposto foi o BE e,só depois de Mariana Mortágua, o PS, partido do Governo, veio, por Eurico Brilhante Dias, apresentar a nova contribuição.

Previsivelmente, depressa a direita entrou ao ataque: criticou a criação de mais um imposto, por um lado, e estranhou o rosto da medida, por outro. Menos esperadas foram as tensões criadas dentro da própria geringonça, que geraram um clima de mal-estar entre PCP e BE.

Logo depois de Mortágua e Brilhante Dias terem apresentado a medida, os comunistas lembraram, por Paulo Sá, que o PCP defende um imposto sobre o património há anos. E que querem ir mais longe: aplicar um imposto não só sobre ao património imobiliário, mas também ao mobiliário, isto é, aos capitais.

Mais tarde, no órgão oficial do PCP, Avante!, João Oliveira escreveu um texto de opinião onde deixou várias farpas ao partido de Catarina Martins por se ter antecipado a anunciar  "a criação de um imposto cujos principais elementos estavam ainda em discussão - incluindo entre o PCP e o governo “.

Imposto anunciado, polémica criada, mas o episódio não ficava por aqui. E mais uma vez, Mariana Mortágua estava no centro do enredo.

Foi logo no fim de semana que se seguiu ao anúncio do imposto, na rentrée política do PS. O discurso da convidada Mariana Mortágua correu as redes sociais e as colunas de opinião dos jornais. Sobretudo por causa de uma frase que proferiu: "A primeira coisa que acho que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro".

A deputada do BE ainda se defendeu das críticas, no Twitter, dando exemplos ilustrativos que procuravam fazer uma distinção entre riqueza acumulada e acumulação de poupanças. Mas à direita, surgiu um coro de críticas ao discurso e à receptividade do mesmo dentro do PS.

O CDS desafiou os socialistas a esclarecerem se vão "perder a vergonha" como a deputada do Bloco pediu e o PSD foi mais longe, afirmando que a deputada já é mesmo ministra das Finanças.

 

Negociações do Orçamento

Negociar as medidas do Orçamento do Estado implica um exercício de diálogo, articulação e alguma ginástica. É que, afinal, o processo envolve três partes e estas três partes não perdem a oportunidade de medir forças na discussão dos temas que mais interessam aos portugueses. Não é de estranhar, por isso, que as negociações tenham causado momentos de alguma turbulência na "geringonça".

Vejamos o caso das pensões mínimas, neste último Orçamento do Estado, para 2017. O Governo deixou estas pensões – inferiores a 275 euros - de fora do aumento de 10 euros garantido na proposta aprovada no Parlamento.

A decisão não só gerou duras críticas da direita, como desagradou a bloquistas e comunistas. BE e PCP defenderam um aumento de 10 euros para estas pensões. E na especialidade, não desistiram da medida. 

Ora, foi esta pressão dos partidos que apoiam a maioria de esquerda, que levou o PS, partido do Governo, a fazer uma nova proposta, chegando-se a um acordo entre os parceiros: um aumento de seis euros nestas pensões a partir de agosto. 

Outro exemplo é a sobretaxa do IRS, uma questão que também deu muito que falar neste Orçamento.

O tema começou a ser notícia logo depois de António Costa ter admitido que a sobretaxa poderia não acabar no início do ano quando o seu fim estava previsto, sob a forma de lei, para o primeiro dia de janeiro.

Tanto o BE como o PCP defendiam que este imposto extraordinário deveria terminar logo em janeiro para todos os contribuintes. Os partidos não queriam a manutenção da sobretaxa como moeda de troca para o aumento das pensões.

Porém, a falta de margem orçamental obrigou o Governo a deixar cair uma das suas promessas eleitorais (a eliminação integral da sobretaxa) e a negociar com os parceiros uma extinção gradual, mediante os escalões.

Inicialmente, o Governo queria que os contribuintes do segundo escalão deixassem de pagar sobretaxa a partir de março. Mas um acordo entre o Executivo e o BE acabou por estabelecer que, para estes contribuintes, o alívio chega já em janeiro

 

Rendimentos dos administradores da CGD

O tema fez correr muita tinta nas últimas semanas. O Governo abriu uma exceção para os novos administradores da Caixa Geral de Depósitos para que estes deixassem de estar sujeitos ao Estatuto de Gestor Público e, assim, não tivessem de apresentar declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional.

Quando a decisão foi tornada pública, há cerca de um mês, o Executivo socialista ficou debaixo de fogo. E uma enxurrada de críticas formou-se em todas as direções.

Aqui, direita, PSD e CDS, e partidos mais à esquerda, BE e PCP afinaram pelo mesmo diapasão, deixando o Governo isolado. A lei – neste caso a lei nº4/83 - diz que a declaração de rendimentos é obrigatória para titulares de cargos públicos, incluindo “gestores públicos” e “gestores de empresas participadas pelo Estado, quando por este designados”.

À luz deste enquadramento, para bloquistas e comunistas este filme só tinha um final possível: os administradores da CGD tinham de apresentar rendimentos e “rapidamente”.

A polémica e a pressão dos partidos que suportam a maioria parlamentar trocou as voltas ao Governo: a lei era, afinal, para cumprir. Mas a nova equipa de gestão do banco público, liderada por António Domingues, tinha um entendimento diferente e continuava a considerar que não estava obrigada a apresentar rendimentos.

E a adensar ainda mais a controvérsia estiveram as notícias da alegada existência de um acordo escrito entre o Executivo e a administração do banco. 

 

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