"23 milhões de fortuna escondida e nem um cartão de crédito?" - TVI

"23 milhões de fortuna escondida e nem um cartão de crédito?"

Na segunda parte da entrevista exclusiva à TVI, José Sócrates explicou a relação de amizade com o empresário Carlos Santos Silva, e como conseguiu pagar o seu estilo de vida em Paris

“Passa pela cabeça de alguém que eu tivesse 23 milhões de fortuna escondida e não tivesse nenhum documento para ter acesso? Nem um cartão de crédito? Um papel?”

 
Dizer que Carlos Santos Silva é o seu “testa de ferro” é um absurdo, explicou José Sócrates na segunda parte da primeira entrevista televisiva desde que saiu da prisão de Évora. À TVI, o ex-primeiro-ministro voltou a acusar o Ministério Público de lhe imputar crimes sem fundamento, sem provas, sem um único “documento” que sustente uma acusação.

Também suspeito na Operação Marquês, o amigo de José Sócrates e empresário do grupo Lena, Carlos Santos Silva, é o nome ligado a milhões de euros que o Ministério Público julga pertencerem ao ex-primeiro-ministro. Dinheiro que terá sido acumulado por José Sócrates e que lhe foi sendo “emprestado” pelo empresário.

O ex-governante rejeitou novamente todas estas acusações, acrescentando que não há um único documento que prove as suspeitas do MP.

“Ao fim destes dois anos e meio de investigação, e este ano em que estivemos presos eu pergunto: em matéria de corrupção, há algum depoimento ou documento que me comprometa? Não, só há depoimentos que me ilibam, completamente, que mostram quão vazio é tudo isto. E só há documentos que dizem exatamente o mesmo. É difícil de acreditar, não é?”


José Sócrates reiterou que conhece Carlos Santos Silva há 40 anos, desde “a juventude”, e que nunca soube da existência de alegadas contas na Suíça, ainda que tenha admitido saber que era alguém com “meios de fortuna”.

“Eu conheço o engenheiro Carlos Santos Silva desde a minha juventude, somos amigos há quarenta anos, ele é o meu melhor amigo fora da política, e como já disse é uma pessoa honesta
, é uma pessoa decente, é uma pessoa bondosa e é um grande empresário. (…) É esta a relação que temos: fraterna e de amizade. (…) Nunca lhe contei o dinheiro, nem nunca lhe perguntei onde é que tinha o dinheiro, nem nunca soube se o tinha na Suíça, nem tinha que saber. (…) A única coisa que sabia é que ele era uma pessoa com meios de fortuna, mas há muitos anos. Toda a gente que o conhecia sabia que era empresário desde os 20 e poucos anos.”
 
O ex-primeiro-ministro garantiu que não há uma única transferência bancária, um único documento, um cartão de crédito, nada, que o ligue a esse dinheiro.

“Disseram que o dinheiro que o meu amigo tinha na Suíça era meu, (…) em nenhum documento dessas contas eu apareço, nem como projeto de transferência, nem como beneficiário, nem como titular, nem [em] nenhum documento que permita ter acesso a essas contas. Mais: em todas as buscas que fizeram, e foram mais do que uma centena, não encontraram nenhum documento que permita sequer sustentar a tese que tinham de que eu era o proprietário desse dinheiro.”

Eu expliquei ao juiz: devo ser a única pessoa no mundo que no ano de 2014, o ano em que fui detido, tinha 23 milhões como fortuna escondida, e só nesse ano já tinha pedido três empréstimos à Caixa Geral de Depósitos. Isso é, aliás, absurdo, como expliquei: como é que você pode acusar alguém de ser o ‘testa de ferro’ de outro? Só se tiver alguma indicação, que o sustente", acrescentou.


Questionado sobre a invulgaridade dos empréstimos que Carlos Santos Silva lhe foi concedendo ao longo dos anos, devido aos valores elevados, tendo em conta os seus rendimentos, José Sócrates voltou a insistir.

“Passa pela cabeça de alguém que eu tivesse 23 milhões de fortuna escondida e não tivesse nenhum documento para ter acesso? Nem um cartão de crédito? Um papel?”


Os 23 milhões de euros a que José Sócrates se refere entraram numa conta de Carlos Santos Silva e beneficiaram do Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT), uma lei que permitia regularizar capitais vindos do estrangeiro a uma taxa mais baixa (5% nos governos de Sócrates e 7,5% no de Passos Coelho, em vez dos quase 50% habituais). 

Sócrates disse que não sabia que Santos Silva tinha usado o RERT e que relacionar isso com a aprovação da lei durante o seu Governo é “uma insinuação” que não corresponde à verdade.

“Não fazia nenhuma ideia. (..) [O que o Ministério Público deduziu foi:] você tinha um amigo, ele tinha dinheiro na Suíça, ele trouxe-o para cá com o RERT, logo, vocês aprovou o RERT para satisfazer o amigo. Eu não sabia que o engenheiro Carlos Santos Silva tinha dinheiro na Suíça, o RERT foi feito pelo Ministério das Finanças, nunca liguei a detalhes nenhuns disso, como os ministros das Finanças sabem. Isso é apenas uma insinuação. Isso é mentira. Isso é completamente falso”.
 

A vida “abastada” e o apartamento de Paris

 
O Ministério Público entende que o estilo de vida e os gastos do ex-primeiro-ministro, especialmente quando deixou o cargo e se mudou para Paris, não correspondem aos seus rendimentos. José Sócrates justificou o dinheiro com empréstimos de Carlos Santos Silva e doações da sua mãe, que vendeu um apartamento em Lisboa por 600 mil euros, justamente ao amigo do ex-primeiro-ministro.

“Eu disse a Carlos Santos Silva: 'a minha mãe vai vender a casa, queres comprar?' E ele decidiu comprar, por um preço acordado entre ele e a minha mãe: 600 mil euros. Agora dizer que esse negócio foi forjado? Dizem que é forjado porque o preço é alto? Pois eu tenho uma novidade: é que eu vendi agora a minha casa que é no 3º andar, a casa da minha mãe era no 4º andar e era mais valiosa, e vendi por 675 mil euros. A minha mãe vendeu por 600 mil, onde é que está aqui a base para suspeitar seja do que for?”


Sócrates contou que foi viver para Paris para tirar o mestrado em filosofia e para que os filhos pudessem completar o secundário numa escola internacional. Viveu, durante o primeiro ano num apartamento alugado, no segundo esteve nove meses num apartamento de Carlos Santos Silva, de onde saiu para outro que alugou, devido a obras no apartamento do amigo “que estavam a demorar muito”.

“Como é que a investigação me acusa de ser proprietário de um apartamento em Paris quando eu, durante o ano de 2014, aluguei outro. Fui interrogado em novembro de 2014. Nesse momento eu tinha um outro apartamento alugado. É ridículo. O procurador disse: ‘você fez isso para disfarçar’. Ora aqui está o efeito túnel, isto é, todos os factos que não convêm à tese do senhor procurador foram para disfarçar. Mas disfarçar porquê? Mas eu sabia que estava a ser investigado? Eu fazia a mínima ideia, em janeiro, quando decidi [alugar].”

Mas nem só de empréstimos de Carlos Santos Silva viveu o ex-primeiro-ministro. Questionado sobre os anos passados em Paris, José Sócrates contou que pediu, desde logo, um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos, e que da venda da casa da mãe recebeu cerca de 400 mil euros.

 “A primeira decisão que tomei foi pedir à Caixa Geral de Depósitos 120 mil euros, durante esse ano daria para viver em Paris com o meu filho. Em 2012 a minha mãe vendeu o apartamento e deu-me a parte que devia dar e isso chegou-me para viver até ao final de 2012. Entre o momento em que saí do Governo até ao final de 2012, de que é que eu vivi? Fontes de rendimento foram basicamente a doação da minha mãe da venda da casa. Foram cerca de 400 mil euros.”

José Sócrates disse que os empréstimos de Carlos Santos Silva são vistos como um “pecado”, e que “alguns” se esquecem que aceitou ser “ajudado” por um amigo “de há quarenta anos”.

“A partir de 2013 comecei a trabalhar e a ganhar dinheiro e ganhava razoavelmente, mas a verdade é que em 2013 o meu filho mais novo estava em Paris e eu estava em Lisboa, e as minhas despesas cresceram muito. E, por isso, em 2013, apesar de eu já estar a trabalhar, recorri a empréstimos do meu amigo Carlos Santos Silva que, lembro-me bem de conversar sobre isto com ele: eu planeava hipotecar de novo a minha casa e ele disse-me que isso não era necessário, porque [ele tinha meios para me emprestar] e eu pagasse quando pudesse. E eu aceitei. Aceitei ser ajudado.”

“Há para aí muita gente a dizer agora que como não há crime, há pecado. Vejo para aí uns tantos armados agora em brigada de bons costumes. ‘Ah, ele aceitou ser ajudado por um empresário’. Não, eu aceitei ser ajudado por um amigo de há quarenta anos, com quem tenho uma relação fraternal.”


Explicou que já ganhava 25 mil euros por mês e que, por isso, tinha expectativas de conseguir pagar o empréstimo rapidamente. Entretanto foi detido.

“Isso não aconteceu. Tenho uma ideia bem precisa do que ele me emprestou e o que fiz foi, quando fui preso, estava em Évora, pus a minha casa à venda e paguei, para já, 250 mil euros ao meu amigo e vou-lhe pagar o restante. As contas ainda não estão completamente saldadas. Preciso de conversar com ele para saber exatamente o que é que ainda lhe devo. Estou proibido pelo tribunal.”

Sócrates nunca questionou o eventual limite da generosidade de Carlos Santos Silva, pois tratavam-se de empréstimos que disse ter intenções de pagar. Quanto às expressões usadas em conversas telefónicas que sugerem “código” para falar de dinheiro, o ex-primeiro-ministro volta a rejeitar que se tratam de “mentiras”.


“Não era generosidade. Estamos a falar de empréstimos. Planeei e planeio pagar. (…) Algumas dessas expressões são verdadeiras mentiras, nunca me referiria a dinheiro como ‘traz-me daquilo que eu gosto’, isso é mentira. Se essa expressão existe nas escutas, interpretá-la dessa forma só pode ser de uma mente doente.”

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