Cavaco "foi capaz de arquitetar uma tramoia" para levar Direita ao poder - TVI

Cavaco "foi capaz de arquitetar uma tramoia" para levar Direita ao poder

  • Atualizada às 23:50
  • 27 fev 2017, 23:04

Antigo primeiro-ministro José Sócrates acusa Cavaco Silva de ter escrito um "livro traiçoeiro, vil e mesquinho", além de ser "o principal fautor da crise política". Para levar a Direita ao poder

Sem meias palavras, José Sócrates acusa Cavaco Silva de ter escrito "um livro inusitado", ao publicar "Quinta-feira e outros dias", no qual o antigo Presidente da República relata a sua versão das conversas em Belém entre ambos. Algo que, como salientou em entrevista no Jornal das 8 da TVI, considera impróprio.

Nunca um ex-primeiro-ministro ou um ex-Presidente da República sentiu necessidade para explicar fosse o que fosse aos portugueses de escrever um livro relatando as conversas de quinta-feira", frisou Sócrates.

Pior, para o primeiro-ministro português entre 2005 e 2011, é que, considerando o livro de Cavaco Silva como um exercício de "bisbilhotice política", o antigo Presidente rescreve a história de forma deturpada.

O problema não é apenas revelar essas conversas, é deturpá-las e faltar à verdade. O problema é transformar essas conversas num ataque político. Num ataque político, aliás, traiçoeiro contra um adversário. E é isto que se passa neste livro", considera Sócrates, para quem as relações institucionais azedaram de vez, devido ao chamado "episódio das escutas", ocorrido em 2009.

"A prova de que o sr. Presidente mente no livro"

Relembrando o "episódio das escutas", Sócrates resumiu um e-mail cujo teor veio a público nas páginas do Diário de Notícias, em que era dada conta que fora Fernando Lima, um assessor de Cavaco Silva a contar a um jornalista do jornal Público que o Presidente receava estar a ser vigiado, a mando do Governo socialista.

As suspeitas, que foram capa do jornal Público, minaram então o relacionamento entre Cavaco e Sócrates.

O caso voltou agora à baila no livro do antigo Presidente. Esta segunda-feira, em entrevista à TVI, além do e-mail que refere a "encomenda" feita por um assessor de Cavaco Silva, Sócrates acrescentou "uma segunda prova".

O assessor Fernando Lima escreveu também umas memórias. Na página 146, a propósito de uma conversa com um jornalista do Público, diz: recebi indicação superior para o fazer. Não fiz nada à revelia da minha hierarquia", cita Sócrates.

Para o antigo dirigente socialista, "temos aqui a prova de que o sr. Presidente mente no livro. Falta à verdade". E assegura que falou do problema, na altura, com Cavaco Silva. Algo que este confirma no seu livro, com uma versão necessariamente diferente.

Lamento mas não posso aceitar que o sr. Presidente não desminta uma notícia tão absurda, que me está a causar um dano pessoal e um dano político. Nós estamos em campanha. O sr. Presidente devia desmentir essa notícia. E o sr. Presidente respondeu-me: mas acha que eu agora, venho do Algarve, interrompo as minhas férias para vir aqui defender os meuis assessores políticos das acusações dos eu partido que eles estão a participar no programa político do PSD?", contou Sócrates na entrevista.

Para o antigo primeiro-ministro, "houve uma conspiração" de Cavaco Silva para que o PS perdesse as eleições em 2009.

Temos um Presidente da República que, no momento de uma campanha eleitoral, foi capaz de arquitetar uma tramoia para combater um adversário politico, para permitir que o seu partido ganhasse as eleições".

"O principal fautor da crise política"

O PS ganharia as eleições em 2009 e, com a crise financeira surgiria a crise política em 2011. Sócrates defendeu mais uma vez que o 4.º Programa de Estabilidade e Crescimento negociado com Bruxelas evitaria o pedido de ajuda externa. E que Cavaco foi um dos principais entraves para impedir essa solução.

O sr. Presidente da República foi completamente indiferente aos interesses do País. Nessa altura, tínhamos um acordo em Bruxelas. Tínhamos um compromisso em Bruxelas. Esse acordo salvava-nos da ajuda externa", reafirmou Sócrates, para quem, Cavaco Silva "comportou-se sempre como o principal fautor da crise política. Sempre manobrou na sombra com o intuito de deitar abaixo o Governo".

Na leitura de Sócrates, o que então "provocou todas as subidas dos ratings foi ser chumbado o PEC IV", uma situação para a qual o homem que lhe sucedeu como primeiro-ministro também teve a sua quota de responsabilidade.

Informei o dr. Passos Coelho. Tive uma reunião com dr. Passos Coelho e expliquei-lhe o que íamos fazer. Expliquei-lhe a importância que isso tinha para o País, que tínhamos  acabado de fechar o acordo com o Banco Central Europeu. E ele durante 15 dias permitiu que o seu partido fizesse uma campanha contra mim, dizendo que não sabia de nada", relatou Sócrates.

Para o antigo primeiro-ministro, há uma matriz da Direita, que "quando não consegue vencer os outros no terreno da política, o que fazem é ir ao caráter". E considera que havia também a intenção de impedir uma sua hipotética candidatura a Presidente da República. 

Essa intenção não era real, mas eles, a Direita política, pensavam que era".

Autoestrada e voltas da Operação Marquês

O antigo primeiro-ministro acusou, por mais do que uma vez, Cavaco Silva de ter mentido no seu livro e, a propósito de um capítulo sobre a autoestrada transmontana - para a qual, garante, "nunca houve uma garantia bancária para qualquer empresa" - denuncia algumas similitudes: "Comecei a reparar numa certa consonância entre as insinuações do senhor Presidente da República e as suspeitas do Ministério Público".

Sobre a "Operação Marquês", processo no qual é arguido, José Sócrates insistiu em dizer que o prazo da investigação acabou a 19 de outubro de 2015.

Espero que a Justiça tenha a decência e reconheça que quando o Estado age contra um cidadão tem um prazo para o fazer. E espero que o Ministério Público tenha consciência de que não pode alterar a lei", salientou Sócrates, lembrando que "o inquerito dura há 43 meses e o máximo previsto na lei é de 18 meses".

Estou preparado para que o MInistério Público reconheça que não tem nada contra mim e faça o que tem a fazer, que é arquivar o processo", sentenciou Sócrates.

 

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