Cerimónia emotiva e percurso simbólico marcam tarde de adeus a Soares - TVI

Cerimónia emotiva e percurso simbólico marcam tarde de adeus a Soares

O filme de uma longa tarde de homenagens, que culminou com o sepultamento de Mário Soares, no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa

Depois de duas horas e meia de câmara ardente e de um momento apenas para a família, a tarde de despedida a Mário Soares começou com uma cerimónia solene evocativa, nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos. Uma cerimónia que durou pouco mais de uma hora e que foi pontuada por vários momentos marcantes.

A urna com os restos mortais de Mário Soares foi transportada da Sala dos Azulejos para os claustros do mosteiro, em ombros, por militares dos três ramos das Forças Armadas. Eram 12:55.

Depois, ouviu-se o Hino Nacional, cantado e tocado pelo coro e pela orquestra do Teatro Nacional de São Carlos.

Mal se calaram as vozes dos coristas, entoou nos claustros dos Jerónimos, a voz do homenageado. Foi reproduzido um trecho do discurso de Mário Soares, aquando da assinatura do tratado de adesão à CEE, ali mesmo, em 1985.

João Soares subiu então ao púlpito para evocar o passado de perseguição política de Mário Soares. Num discurso carregado de pormenores e de emoção, João Soares descreveu com precisão as visitas à cadeia, quando, em 1967 (tinha João 18 anos), Mário se viu forçado a passar a época natalícia apartado da família. Preso pela PIDE, na cadeia de Caxias, recebeu a visita dos filhos e da mulher, que só puderam falar com o pai “no parlatório, separados por grades”.

João Soares não esqueceu também a deportação do pai para São Tomé e o momento em que se despediu dele: Na tarde da partida noturna para áfrica, num voo que saiu da Portela de Sacavém, depois de uma cena de violência de PIDES. (…) Nessa tarde, deixaram-nos à família mais chegada, minha mãe, meu avô (então com 80 e muitos anos), minha irmã e eu, ter um último encontro com o meu pai. Com o nosso pai. (…) Essa visita, que deve ter durado pouco mais de um quarto de hora, na presença de esbirros, claro, marca mais uma vez (…) a tempera, a coragem e a força de ânimo do meu pai. (…) A minha irmã e eu tínhamos aprendido, há muito, que não se chorava à frente dos PIDES. Dessa vez, apesar do esforço, não fomos capazes de aguentar. (…) Foi ele que nos deu ânimo a todos. Firme. Digno. Corajoso, como sempre.”

Entre o discurso de João Soares e o da irmã, Isabel Soares, ouviu-se a voz de Maria Barroso, mulher de Mário Soares, companheira de 66 anos, que morreu em 2015. Reconhecida declamadora de poesia, a lembrança de Maria Barroso esteve presente com a reprodução de uma gravação a recitar “Os Dois Sonetos de Amor da Hora Triste”, de Álvaro Feijó:

Quando eu morrer - e hei-de morrer primeiro

do que tu - não deixes fechar-me os olhos

meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos

e ver-te-ás de corpo inteiro

 

como quando sorrias no meu colo.

E, ao veres que tenho toda a tua imagem

dentro de mim, se, então, tiveres coragem,

fecha-me os olhos com um beijo.

 

Sempre emocionada, sobretudo depois de ouvir a voz da mãe, e de voz embargada, Isabel Soares subiu ao púlpito. Também ela evocou o sofrimento do pai às mãos da ditadura e da polícia política.

Nos dias cinzentos e de chumbo da ditadura, quando o íamos visitar ao parlatório do Aljube ou a Caxias, cheios de raiva contida e de lágrimas, porque a nossa mãe e o nosso avô nos diziam que não podíamos chorar na presença dos PIDES, era ainda e sempre que nos dava alento, nos consolava e nos dava ânimo.”

Mas Isabel recordou também o pai herói, os momentos em família e os últimos segundos de vida: "O pai partiu como viveu: a lutar até ao fim e rodeado pelos seus dois filhos. Com a sua mão na minha.”

Após o discurso de Isabel Soares, houve lugar a um momento musical, com uma peça do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, que antecedeu a mensagem vídeo do primeiro-ministro, António Costa. O primeiro-ministro esteve ausente fisicamente da cerimónia, por estar numa visita de Estado à Índia, mas enviou uma mensagem que foi reproduzida nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos.

“Mário Soares construiu a história e, por isso, a história guardará o seu nome, a sua obra, o seu exemplo. É um exemplo de combate constante por aquilo em que acreditava. É um exemplo de coragem de dizer o que pensava e de fazer o que devia, ainda que fosse o único a dizê-lo e a fazê-lo, mesmo que ficando por uns tempos, mas apenas por uns tempos, sozinho. É um exemplo de génio político, que alcançava o que parecia impossível de alcançar", disse António Costa.

Depois da exibição da mensagem-vídeo do primeiro-ministro, seguiu-se a intervenção do presidente da Assembleia da República, na qual manifestou a "dor, admiração e gratidão" para com Mário Soares.

“Mais do que militante número 1 do PS, foi o militante número 1 da nossa democracia", afirmou Eduardo Ferro Rodrigues.

O número dois do Estado português descreveu o antigo Presidente da República e fundador do Partido Socialista como alguém que "tinha a visão dos grandes estadistas e a intuição dos grandes políticos".

E os discursos da tarde finalizaram com a intervenção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou Mário Soares como um "humanista e construtor da Portugalidade", que fez História mesmo quando muitos não o reconheciam. Na sessão solene de homenagem ao antigo Presidente da República, que decorreu esta terça-feira, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, o chefe de Estado agradeceu a Mário Soares em nome "de todo o Portugal".

"Em nome de Portugal, de todo o Portugal, obrigado Mário Soares", sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa.

Ouviu-se de novo o Hino e terminou a cerimónia.

A urna saiu então do Mosteiro dos Jerónimos em direção ao Cemitério dos Prazeres. O armão da GNR com os restos mortais de Mário Soares deixou os Jerónimos pouco depois das 14:15. No momento, ouviram-se palmas dos milhares de pessoas nas ruas para o último adeus ao antigo Presidente.

Num cortejo fúnebre carregado de simbolismo, o armão fez uma breve paragem junto ao Palácio de Belém, seguiu pela Avenida Índia e pela Avenida 24 de Julho. Sempre com a estrada ladeada de populares, que iam ora batendo palmas, ora gritando “Soares é fixe!”.

Os filhos de Mário Soares seguiam de carro, atrás do armão da GNR.

O cortejo subiu a Avenida D. Carlos I, em direção à Assembleia da República, onde houve nova paragem simbólica. Funcionários do Parlamento e deputados encheram a escadaria do edifício para prestar homenagem a Mário Soares.

A poucos metros, novo ponto simbólico: a Fundação Mário Soares. Nas varandas, os funcionários da Fundação, alguns choram e todos têm um cravo vermelho na mão.

O cortejo seguiu então pela Rua de São Bento, rumo à sede do Partido Socialista, no Largo do Rato. Nas ruas, de ambos os lados, muita gente, empunhando cravos vermelhos e rosas amarelas.

Já no largo do Rato, de novo o slogan “Soares é fixe!” e os gritos de “PS, PS, PS, PS, PS”. Nesse momento, o filho de Mário Soares, João Soares, abre o vidro do carro e também ergue o punho ritmado pelos gritos de “PS, PS, PS, PS”. O armão da GNR deteve-se ali por alguns minutos. Até porque a quantidade de pessoas na rua não permitia a fluidez do percurso.

O cortejo fúnebre seguiu então para o Cemitério dos Prazeres, onde Soares ficará sepultado. Os últimos 700 metros foram feitos num corredor militar.

À porta do cemitério, a urna foi retirada do armão e transportada em ombros por militares das Forças Armadas. A Banda das Forças Armadas tocou a marcha fúnebre no percurso de entrada. O momento é também marcado por salvas de tiros. O percurso até à Igreja do cemitério é feito com a família atrás do caixão, seguidos dos dirigentes socialistas.

Enquanto a urna era depositada em frente da Igreja do cemitério dos Prazeres, ouviu-se novamente uma gravação com a voz de Mário Soares: "Estive sempre com os que foram ou são oprimidos, com os que sentem que são excluídos do país, em Lisboa, em São Tomé, no exílio, na fonte luminosa. Lutei sempre (...) para que todos se sentissem parte integrante de Portugal".

Após este momento, os jornalistas saíram. Seguiu-se uma cerimónia privada, longe das câmaras de televisão e das objetivas dos fotógrafos.

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