A candidata presidencial Ana Gomes divulgou, esta terça-feira, na rede social Twitter, que tomou uma vacina contra a gripe que uma amiga lhe trouxe de França, por estar “farta de esperar” para receber a vacina na farmácia onde estava inscrita em lista de espera. A intenção de Ana Gomes era questionar as autoridades de saúde acerca de uma confidência que lhe terá sido feita pela farmacêutica que lhe administrou a vacina: “Há vacinas, mas reservadas para certas pessoas de certas empresas, que as compraram.”
Farta d esperar disponibilidade em farmácia onde me inscrevi em Setembro, acabei de tomar vacina c/ gripe, trazida por amiga de França. Pior de tudo foi ouvir de farmacêutica q há vacinas, mas reservadas p/certas pessoas de certas empresas, q as compraram. Como é q é, @DGSaude?
— Ana Gomes (@AnaMartinsGomes) December 1, 2020
Mas, com a publicação, Ana Gomes acabou por desencadear um rol de críticas à sua pessoa e gerar polémica. É que Ana Gomes pode ter incorrido numa ilegalidade, já que, de acordo com o Infarmed, não é permitida a “importação de medicamentos para uso pessoal”.
De acordo com um documento divulgado no site do Infarmed, a importação de medicamentos tem de ser autorizada pelo próprio regulador e obedecer a determinadas regras. O medicamento em causa tem de se destinar “a um doente específico, de acordo com prescrição médica” e só pode ser importado se “não existirem em Portugal medicamentos que apresentem idêntica composição de substâncias ativas e forma farmacêutica aprovados”. Além disso, é ainda necessário que o medicamento se destine a uma indicação “para a qual não exista alternativa terapêutica em Portugal”.
A receita médica para efeitos desta autorização deve cumprir todas as exigências legais e regulamentares em vigor. A receita deve, ainda, especificar a quantidade de embalagens a adquirir, que deverá ser compatível com o regime terapêutico e com a duração do tratamento prevista, mas nunca superior à quantidade necessária para seis meses. A prescrição médica deve ser acompanhada de uma justificação clínica do prescritor que mencione, nomeadamente, a imprescindibilidade do tratamento e que o medicamento prescrito se destina a uma indicação sem similar disponível nem alternativa terapêutica em Portugal”, pode ler-se ainda no documento.
Ora, a vacina que foi administrada a Ana Gomes não se enquadra em nenhuma das regras atrás referidas. Em resposta a um seguidor que a confrontou com um eventual “esquema” e ainda “se gabar disso”, Ana Gomes explicou que aceitou a “oferta de uma amiga que tinha trazido a vacina para um familiar de alto risco, que, entretanto, a tinha conseguido tomar”. E terminou: “Que tal ir desanuviar, por exemplo, contemplando o Bugio?”.
Não arranjei nenhum esquema. Aceitei oferta de amiga q tinha trazido vacina para familiar em alto risco, q entretanto a tinha conseguido tomar. Que tal ir desanuviar, por exemplo contemplando o Bugio?
— Ana Gomes (@AnaMartinsGomes) December 1, 2020
A candidata presidencial foi contactada pelo jornal Observador e garantiu que não sabia que estava a cometer uma ilegalidade. Desse ainda que a vacina foi administrada numa farmácia, onde lhe disseram que “normalmente” só administravam vacinas “de lá”, mas como não tinham vacinas e Ana Gomes tinha aquela, “registaram tudo” e “deram a vacina”.
Ainda que desconhecesse que estava a cometer uma ilegalidade, Ana Gomes pode ter colocado em perigo a própria saúde. Conforme alerta o Infarmed, a importação de medicamentos “acarreta riscos para a saúde dos consumidores”, já que “podem não estar garantidas as condições de segurança, qualidade e eficácia exigíveis para um medicamento, quer durante o processo de aquisição, quer durante o próprio transporte”.
Essa é precisamente a justificação avançada pelo regulador para “não autorizar a importação de medicamentos para uso pessoal”.