"Se tiver um coração tão lindo como tem a cara..." - TVI

"Se tiver um coração tão lindo como tem a cara..."

Piropos, beijos, sorrisos na arruada na Parede. Nem todo o carinho se transforma em votos, mas Edgar não desiste e sabe que a diferença é estar frente-a-frente com os eleitores

É o candidato que pede licença. Pede licença para entregar um panfleto, para se aproximar com um cumprimento, para deixar um apelo ao voto. Pede licença, deseja boa sorte, insiste que ninguém pode faltar no próximo domingo.

Por alto, o candidato apoiado pelo PCP já saiu à rua uma dezena de vezes para “contactar a população”. É o nome certo para o que os jornalistas chamam de “arruadas”. E no caso de Edgar são mesmo “arruadas”: ele vai rua acima, rua abaixo, sem deixar escapar um único café, uma loja de malhas, a farmácia, o pronto-a-vestir, a mercearia.

Devagarinho, com cuidado, aborda todos na rua. Mesmo que atrás de si o estardalhaço da máquina partidária corte a estrada, encha as ruas, faça-se ouvir bem longe e perturbe a pacatez de uma das principais artérias de comércio da Parede, em Cascais, numa terça de manhã.

Edgar já tinha recebido muitos beijinhos, e são as senhoras que não resistem ao cumprimento mais próximo. Gabriela, do alto dos seus 80 e muitos, fez-lhe uma festa carinhosa na face, enquanto com a outra que apontava ao peito: "Que simpatia...Se tiver um coração tão lindo como tem a cara..."

O candidato sorriu com o piropo, retribuiu a amabilidade e seguiu caminho para parar logo a seguir. “E então e eu? Não tenho direito?” Nunca se nega o beijo, mesmo que aqui não tenha o voto – como lhe tinha prometido Gabriela. “Socialismo sempre”, disse. “Ah, pronto”, respondeu resignado.

Dali a 10 metros, há-de conhecer um antigo jogador de hóquei. “Jogou na seleção?”, reage, enquanto o responsável pelo PCP Cascais lhe vai contando as façanhas do “veterano”. “Sim, sim, joguei...”, diz, envergonhado, perante tamanha confusão. “O meu filho também joga hóquei lá na Madeira, mas só tem 10 anos, ainda está a começar”.

E mais um pedaço de estrada, até chegar a mais um comerciante, um cliente, um potencial voto.

As arruadas são isto mesmo: epifenómenos de barulho e confusão – nestas e noutras campanhas – que passam rápido; mas apesar dos gritos, dos slogans, do altifalante portátil, este candidato faz arruadas meigas e quase intimistas, como se fosse possível esse registo com tantos jornalistas pendurados a cada palavra.

Acredite, caro leitor, que, para os concorrentes na berlinda, estes percursos não são fáceis: os candidatos estão expostos no meio da rua e tudo pode acontecer. Por isso, a estrutura local do PCP apoia o candidato, dá o conforto de conhecer bem o local; e conduz Edgar porque conhece os lojistas pelo nome, sabe onde deve entrar, se vai valer a pena o esforço para o “boneco” das televisões ou se dali não sairá nada de bom.

Num café da Parede, por detrás do balcão aceitam o panfleto, mas avisam logo: “Não vou votar em si!”. “Ah, mas ainda vai a tempo”. “Já pensei muito”, respondeu, “e já escolhi o meu candidato”. “Pronto”, diz Edgar, “mas obrigada”.

Volta à rua e volta a fugir ao figurino imposto pela estrutura local. "Ali não vale a pena", ouve-se na caravana. Mas o candidato não quer saber e avança. 

Na semana passada, em Silves, o candidato deixou claro que não gosta de espartilhos e tem outra forma de fazer política de proximidade: até a presidente da câmara que estava de cicerone comentou que o candidato estava “a fugir muito”. E deu-lhe o braço para o prender por perto. Mas não vale a pena: Edgar quer mesmo falar com todos. Sabe que pode marcar a diferença por estar frente a frente com quem só o conhece dos cartazes ou das televisões.

"É tão simpático", dizia uma senhora, em Vila Real de Santo António, no fim-de-semana passado. "E fez aquele trabalho todo na Madeira, com as crianças..." Mas costuma votar PCP, pergunto. "Não. Mas este era padre... e já viu como ele nos fala?" É que a Edgar é simpático, afável, delicado. Como se tivesse pudor em incomodar os transeuntes, confrontados com câmaras, microfones e apoiantes aos gritos.

“Dá licença?” E a esta pergunta, mesmo os mais avessos à ideologia comunista recebem o panfleto, trocam duas palavras; não há como recusar aqueles segundos de encontro. Começa sempre por perguntar o nome da pessoa que acabou de abordar. E se a pessoa não fala – em Queluz, o candidato encontrou uma senhora surda-muda –, não desiste: “Há por aí uma caneta?”
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