«Medo estúpido» do Brasil - TVI

«Medo estúpido» do Brasil

  • Portugal Diário
  • 3 out 2007, 15:34
Lula da Silva e José Sócrates - Foto Lusa

Linguista acusa Portugal de travar acordo ortográfico por receio do domínio do Brasil. Malaca Casteleiro fala num «cisma» que prejudica «difusão da língua portuguesa» e garante que «cada país» terá os seus «particularismos, mas na hora de escrever, escreverão de uma só maneira». Gerúndio foi proibido

Um dos mais conceituados linguistas portugueses, Malaca Casteleiro, acusou hoje Portugal de estar a entravar o acordo ortográfico com os países lusófonos por um «medo estúpido» do domínio do Brasil.

O linguista, que tem participado nas tentativas de acordo da unificação ortográfica nos países de língua oficial portuguesa, fala mesmo num «cisma» entre Portugal e Brasil que «se arrasta há mais de um século e que prejudica a difusão da língua portuguesa».

«É maior do que a guerra dos cem anos»

«É maior do que a guerra dos cem anos», ironizou, à margem do VI Congresso da Lusofonia, que começou hoje em Bragança, e que tem como tema central o acordo ortográfico e a variante brasileira da língua portuguesa.

Segundo o linguista português, o Brasil - o maior falante da língua portuguesa - «tem muita vontade de implementar o acordo e Portugal não diz nada».

«Medo estúpido do Brasil»

«Eu creio que há aqui um medo estúpido de que o Brasil, através da ortografia, reconquiste os países africanos de língua portuguesa e os leve para o seu lado, o que é completamente descabido e mau para a língua portuguesa», afirmou.

Malaca Casteleiro entende que Portugal está a desperdiçar um potencial de quase duzentos milhões de falantes para a difusão da língua portuguesa no mundo, através de um país que, além do elevado número de habitantes, «tem uma literatura potentíssima, é um potentado económico e tem uma capacidade de difusão cultural magnífica».

Em vez do «receio deste domínio», o linguista entende que Portugal devia aproveitar esta potencialidade e implementar, de uma vez por todas, um projecto de que há muito se fala no seio da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

O projecto, de acordo com Malaca Casteleiro, consiste no intercâmbio de alunos e professores, conferências e outras iniciativas culturais, um programa algo semelhante ao europeu Erasmus, mas que ainda não foi avante por «falta de recursos financeiros».

Entrada em vigor do acordo ortográfico

Malaca Casteleiro lembrou que Portugal ainda não ratificou a mais recente decisão sobre a escrita comum da língua, que permitiria a entrada em vigor do acordo ortográfico com apenas a ratificação de três países.

Apenas o Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe ratificaram essa norma.

O impasse mantém-se e arrastou-se por todo o século XX, conforme recordou o linguista, lembrando que desde a reforma ortográfica da implantação da República, em 1911 que Portugal e Brasil tentam um acordo.

Depois de várias tentativas em 1931, 1943, 1945, 1973 e 1986 para a convenção ortográfica Luso-Brasileira, em 1990 foi negociado e aprovado por todos os países de língua portuguesa, a nível político, um acordo que só foi ratificado pelos respectivos parlamentos de Portugal, Brasil e Cabo Verde.

Em 2004, foi proposta uma norma que permitia que a entrada em vigor, desde que ratificado por apenas três países, mas a referida norma ainda não foi aprovada por Portugal, tendo apenas o aval do Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

«Falta de vontade política» é também o que entende o linguista brasileiro Evanildo Bechara, outro dos convidados do Congresso da Lusofonia em Bragança.

Apesar de tudo, Bechara não acredita que «haja uma desvinculação da variante brasileira do português, que a futurologia prevê para o século XXI».

Esta possibilidade foi levantada no congresso e surpreendeu o especialista porque - diz «não é essa a visão do brasileiro».

Acredita e defende uma unificação ortográfica da língua, em que cada país falante mantenha as suas variantes. «Cada país continuará com os seus particularismos linguísticos, mas na hora de escrever, escreverão de uma só maneira, como acontece com o francês, o espanhol ou o árabe», frisou
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