Abel depois de Jesus: as diferenças entre dois treinadores campeões - TVI

Abel depois de Jesus: as diferenças entre dois treinadores campeões

  • Tiago Leme
  • no Rio de Janeiro, Brasil
  • 31 jan 2021, 14:38

O que une e o que separa as conquistas de Flamengo e Palmeiras pela mão dos técnicos portugueses.

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O choro de Abel Ferreira no Maracanã após o apito final simbolizou a emoção pelo tamanho do feito que o jovem treinador português acabara de alcançar. Mas representou também a sua humildade. Uma conquista histórica, a glória eterna, repetindo o feito de um compatriota logo na temporada seguinte.

Breno Lopes, Gabigol. Golo aos 98 minutos, golo aos 91 minutos. No Rio de Janeiro, em Lima. No Maracanã, no Monumental. Abel Ferreira, Jorge Jesus. A história repetiu-se. Portugal, mais uma vez, desbravou a América. O roteiro do Palmeiras campeão da Copa Libertadores tem o tempero lusitano e festa verde, após a vitória por 1 a 0 na final sobre o Santos, neste sábado, na final de jogo único.

À primeira vista, Abel e Jorge não têm nada em comum. Nada! A serenidade e humildade do jovem treinador do Palmeiras em nada lembra a confiança escancarada em gritaria do experiente Jorge Jesus. Mas quem disse que há uma fórmula perfeita no futebol? Os dois, cada um ao seu jeito, cruzaram o oceano para dar orgulho a Portugal.

«Sei que vocês gostam muito de comparar. Nós, treinadores portugueses, partilhamos conhecimento. O Jorge Jesus tem uma forma de ser e estar diferente da minha. Ele conseguiu ter sucesso, assim como eu», afirmou Abel Ferreira, logo após o título no Maracanã.

Abel conquistou o grupo alviverde não só pela qualidade do seu trabalho, pautado por muitos estudos, mas também pelo jeito humilde, sereno e solidário. O bom ambiente, o carinho e o respeito ficaram evidentes na conferência de imprensa depois da final, quando os atletas entraram na sala de entrevistas e deram um banho de água, gelo e champanhe ao treinador. Falando de forma direta e sempre emocionada, ele também foi às lágrimas ao falar das saudades que sente da família, que continuou a morar em Portugal.

No dia da sua apresentação ao Palmeiras, uma atitude marcante mostrou bem como seria o tratamento de Abel não só com os jogadores, mas também com todos no clube. O português reuniu os funcionários do centro de treinos, desde cozinheiras até seguranças, e fez um discurso destacando a importância de cada um. Na última quarta-feira, esses mesmos funcionários reuniram-se para aplaudir e incentivar a delegação que saía de autocarro do CT em São Paulo para ir ao aeroporto e viajar ao Rio de Janeiro, numa cena emocionante.

«Ninguém ganha sozinho no futebol. Os jogadores falam comigo, falam com psicólogos, falam com o pessoal da cozinha. Era a minha família, vivi lá. Sou muito melhor treinador, mas sou pior tio, pior irmão, pois deixei a minha família lá. Vocês não sabem o quanto chorei sozinho de saudade. Chorei muito e saí do campo para ninguém ver o quanto estava chorando. Adoro as minhas filhas e esposa e atravessei o Atlântico antes de uma coisa acontecer», afirmou.

Em apenas três meses de trabalho, Abel Ferreira elevou o nível do futebol do Palmeiras. O jovem treinador de 42 anos chegou ao Brasil para substituir o demitido Vanderlei Luxemburgo, que começou a campanha da Libertadores e a quem o português fez questão de agradecer neste sábado. Em pouco tempo no clube paulista, já conquistou a Libertadores, que foi o primeiro título da sua carreira como treinador. Além disso, está na final da Copa do Brasil, vai disputar o Mundial de Clubes da FIFA, a Recopa Sul-Americana e ainda tem possibilidades matemáticas de ser campeão brasileiro.

Jorge Jesus ganhou seis títulos no Flamengo em pouco mais de um ano, incluindo a Libertadores e o Brasileirão, mas acabou por voltar ao Benfica por vontade pessoal. Com o seu sucesso no Brasil, o experiente comandante de 66 anos, que já tinha sido campeão no Benfica e no Al Hilal, abriu o caminho para mais técnicos europeus trabalharem no país. Antes de o Palmeiras eliminar o River Plate, da Argentina, nas semifinais, os dois portugueses inclusive conversaram por telefone, e Jesus deu apoio a Abel na luta pela taça.

Entre semelhanças e diferenças, os dois conseguiram conquistar o maior objetivo dos clubes sul-americanos. Cada um do seu modo, ambos foram campeões em 2019 e 2020.

«Eu vejo algumas semelhanças entre os dois, mas também diferenças. O Jesus era um técnico mais pronto, mais cascudo, como a gente costuma dizer no Brasil. Ele chega e rapidamente impõe o seu estilo, e os jogadores o respeitam muito. Eu lembro-me de entrevistas dos jogadores do Flamengo maravilhados falando de treinos que eles nunca tinham feito na vida, que as formações táticas eram muito diferentes do que era visto no Brasil. E o efeito está aí, ele ganhou a Libertadores e outros títulos com todo o mérito», analisa o jornalista Francisco de Laurentiis, da ESPN Brasil.

O Abel Ferreira teve de conquistar esse respeito primeiro, por se tratar de um treinador desconhecido, mas eu creio que rapidamente ele ganhou esse respeito. Os jogadores adoram-no, consideram-no um treinador extremamente inteligente, um bom motivador e um bom treinador no aspecto tático, que gosta muito de treinar, apresenta planos de jogo bem detalhados dos adversários. Eu vejo certas semelhanças, mas creio que o Jesus já chegou num patamar alto, e o Abel teve de conquistar esse respeito e conseguiu-o rapidamente.»

Abel Ferreira superou obstáculos no Palmeiras em ano de pandemia, sem público nos estádios, com calendário apertados e muitas lesões. Mesmo assim, nunca perdeu a calma e sempre trabalhou com o que tinha em mãos sem reclamar, aproveitando-se de um elenco numeroso. A conquista da Libertadores pode ter sido apenas o início de uma carreira vitoriosa do técnico, que antes comandou o Sporting, o Braga e o PAOK, da Grécia.

De agora em diante, se ficar no Brasil mais tempo do que Jorge Jesus, o jovem técnico nascido na cidade de Penafiel terá a possibilidade de aumentar o seu currículo, alcançar voos mais altos num futuro na Europa e, quem sabe, chegar ao patamar de nomes históricos no futebol de Portugal.

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