Mourinho melhor do que Fonseca? As respostas que Roma nos dá - TVI

Mourinho melhor do que Fonseca? As respostas que Roma nos dá

Paulo Fonseca e José Mourinho

Maisfutebol disseca e compara os resultados dos treinadores portugueses; da Cidade Eterna chega a análise sobre a ligação aos «tifosi», a relação com os media e a qualidade de jogo. Veredicto? Os resultados (ainda) não o dizem, mas a capital italiana prefere o «Special One»

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Poucos como Federico Fellini souberam definir a complexidade de Roma. O «ventre materno» do decano realizador vive 24 horas num deslumbre a oscilar entre o caos e a beleza, entre a agitação e a magia. É um labirinto de «pedras históricas» e «homens de sangue quente», urbe de contradições incorrigíveis.

- ‘Quero ir viver para uma cidade nova, onde ninguém me pode encontrar’.

- ‘Eu adoro Roma. É uma selva, tépida e tranquila, onde nos podemos esconder bem’.

Em La Dolce Vita [Fellini, 1960], a carta de amor a Roma era interpretada por Marcello Mastroianni e Anita Ekberg. Falava-se de uma nova casa e do desejo de intimidade, falava-se de um cenário de vida nova na Cidade Eterna.

Se Fellini filmasse Paulo Fonseca e José Mourinho, a selva seria o balneário e o plano de intimidade talvez se verificasse ser o arquétipo da impossibilidade.

Que papel atribuiria o antigo génio da Sétima Arte italiana aos portugueses que têm procurado devolver a AS Roma à grandiosidade perdida?

O Maisfutebol analisou números e auscultou sensações, certo de que o trabalho de Mourinho é uma obra em andamento, ao contrário do trabalho fechado e entregue por Fonseca, após dois anos de resultados inconstantes. 

José Mourinho está a fazer melhor do que Paulo Fonseca? Os dados relativos a estes primeiros três meses de competição dizem que não. Na verdade, dizem muito pouco, a não ser que os resultados obtidos são muito semelhantes. 

JOSÉ MOURINHO: 2021/22

SERIE A 10 jogos: 6 V - 1 E - 3 D: 19 pontos - 4º lugar  18 golos marcados e 10 sofridos
UEFA 5 jogos: 4 V - 0 E - 1 D  14 golos marcados e 8 sofridos

PAULO FONSECA NA SERIE A À 10ª JORNADA

2019/2020 10 jogos: 5 V - 4 E - 1 D: 19 pontos - 4º lugar  18 golos marcados e 11 sofridos
2020/2021 10 jogos: 5 V - 3 E - 2 D: 18 pontos - 6º lugar  19 golos marcados e 15 sofridos

O rendimento da AS Roma de José Mourinho está em linha com o que fizera o clube com Paulo Fonseca. A classificação na Serie A é melhor, por esta altura, do que na época anterior, mas a distância para o primeiro classificado até aumentou um ponto. 

A Roma está a nove pontos do líder AC Milan e nos anos de Fonseca estava a sete da Juventus (19/20) e a oito do AC Milan (20/21). 

A impensável goleada sofrida na Noruega, às mãos do modesto Bodo Glimt, fez acionar todos os botões de alarme e levantou um coro de críticas sobre a equipa. Aparentemente, José Mourinho saiu incólume e mantém o estado de graça. 

Basta ler o que nos dizem alguns dos jornalistas italianos que acompanham mais de perto a AS Roma. Privaram com Paulo Fonseca e seguem diariamente os trabalhos liderados por Mourinho. 

Mais do que os números e as estatísticas, falam as emoções. É como se entrássemos numa cena dirigida por Fellini, uma paleta de cores e gestos tipicamente transalpinos. A alto e bom som. 

«Antes de chegar, o Mourinho já era a grande notícia da Serie A 2021/22»

TAKE 1, IDEIA DE JOGO: «Mourinho oferece mais personalidade à equipa»

Para Flavio Tassotti, jornalista da Teleradiostereo e da Teleroma56 - ambos muito próximos à estrutura da AS Roma - a ideia de que José Mourinho passou a ser um treinador defensivo é «mentirosa». 

«O jogo da Roma está forte no processo ofensivo, tanto em ataque organizado como em transições rápidas. Fazem muitos golos e criam ocasiões, mas parece ainda algo desequilibrado. As derrotas contra o Verona, a Juventus e na Noruega foram feridas fortes, mas a sensação é que a equipa e os jogadores estão mais fortes, semana após semana», refere o repórter da capital italiana ao nosso jornal.

Para Tassotti, os objetivos a curto prazo passam «por voltar ao top-4 da Serie A e à fase de grupos da Liga dos Campeões». 

«O Mourinho e a Roma iniciaram uma trajetória importante, mas difícil. Nos últimos anos o clube tem falhado sempre a qualificação para a Champions. Foi assim com o Ranieri, o Di Francesco e o Paulo Fonseca. A última presença foi na época 2018/19 [eliminada pelo FC Porto nos oitavos-de-final].»

Giacomo Iacobellis, do TuttoMercatoWeb e da Radio1Sport, garante não ver grandes diferenças entre a Roma de Fonseca e a de Mourinho. 

«A qualidade da equipa é basicamente a mesma, assim como a forma de jogar: 4-2-3-1. A principal diferença é que Mourinho pode contar com um dos jogadores mais fortes da Roma, Nicolò Zaniolo, que esteve muito tempo lesionado no período do Paulo Fonseca», assinala o jornalista, que considera Rui Patrício a grande contratação da época. 

«A Roma melhorou muito na função de guarda-redes», sublinha, mostrando-se menos entusiasmado com o restante plantel. «No ataque saiu o Edin Dzeko e entrou o Tammy Abraham, de resto o plantel não mudou muito. O Fonseca e o Mourinho propuseram um estilo ofensivo à equipa, mas esta Roma do Mou tem mais personalidade.»

A grande qualidade de Paulo Fonseca, para Giacomo Iacobellis, foi «a aposta forte em jovens de qualidade». «O Paulo foi fundamental no crescimento de Gonzalo Villar, Riccardo Calafiori, Bryan Reynolds, Ebrima Darboe e Borja Mayoral.»

O ponto fraco com Mourinho, finaliza, continua «a ser o mesmo»: «Contra os grandes nomes do futebol italiano, em confrontos diretos, a Roma não consegue vencer.»

Apesar disso, Flavio Tassotti identifica «crescimento» na maior parte dos jogadores. 

«O Pellegrini está a converter-se num médio excecional. O Zaniolo está a voltar ao nível que tinha antes das lesões. A Roma tem uma equipa boa e qualidade suficiente para acabar nos quatro primeiros, apesar da concorrência grande. Juventus, Atalanta, Nápoles, Milan, Inter, há equipas muito fortes.»

«O Fonseca é bom treinador, o Mourinho é o melhor do mundo»

TAKE 2, LIGAÇÃO AOS TIFFOSI: Fonseca «mais frio», Mourinho «emocional e latino»

«Paulo Fonseca nunca entrou no coração dos adeptos da AS Roma», lamenta Giacomo Iacobellis. Essa é, de resto, «a diferença mais evidente» da passagem pelos dois treinadores portugueses pelo Olímpico italiano. 

«O Paulo trazia excelentes resultados, excelentes ideias e promessa de excelente futebol. Não funcionou totalmente. Ao invés disso, Mourinho conseguiu conquistar Roma antes mesmo de chegar à cidade», refere o italiano, no que é acompanhado por Flavio Tassotti. 

«O Fonseca é bom treinador. Mas apenas isso. O José Mourinho é o melhor treinador do mundo, não há ninguém acima dele. Klopp e Guardiola estão ao mesmo nível, os outros não se aproximam. Mourinho é um ganhador nato.»

Devido a convicção, as gentes da Roma têm «confiança total no José Mourinho» e sentem que as vitórias estão «a chegar». «Quando? Essa é a pergunta para um milhão de dólares. Todos sentem que o José é o homem certo no lugar certo.»

Flavio é um admirador dos processos e das intenções do Special One. O percurso do português - vale a pena lembrar a passagem triunfal pelo Inter - explica este «enorme respeito». 

«A ligação dele com os tiffosi é fantástica, fantástica. A Roma foi o primeiro clube a abrir a campanha de lugares anuais e em dez dias 20 mil adeptos já tinham comprado os seus bilhetes. A lotação esgotou contra o Nápoles e estará esgotada contra o Milan. Em Itália os estádios podem ter até 75 por cento da lotação total nesta fase e José trouxe o entusiasmo de volta à Roma, sem dúvida.»

Se os resultados são tão parecidos, como explicar a indiferença provocada por Fonseca, em contraponto com esta onda de entusiasmo à volta de Mourinho?

«O Fonseca é mais frio, tem a ver com isso também. O José mais emocional e latino. Numa cidade quente como Roma isso faz uma grande diferença», explica Giacomo Iacobellis, antes de uma derradeira advertência.

«Espero que as palavras tão discutidas do Mou após a derrota com o Bodo Glimt na Conference League não sejam um tiro pela culatra. Ele exagerou com aquela explosão que teve e os romanos só o perdoam se os resultados vierem depressa. Se a Roma não vencer as próximas partidas, começarão os problemas para Mourinho.»   

TAKE 3, RELAÇÃO COM OS MEDIA: «Mourinho é mais esperto»

Em Itália, a comunicação social é especialmente «entusiasmada e inquisidora». Características que encaixam bem no «perfil mais pop» de José Mourinho e que muita confusão fazia no seu antecessor. 

«O Mourinho é muito mais direto e experiente do que o Fonseca, até mesmo na relação com os media. O Mourinho, antes mesmo de chegar a Roma neste verão, já era a notícia mais importante da Serie A 2021-22», atira Giacomo Iacobellis, acrescentando que vê em Roma um treinador «mais equilibrado» do que aquele que treinou o Inter de Milão de 2008 a 2010. 

«É sempre frontal e franco no contacto que tem connosco. E está muito atento ao que diz e às possíveis manchetes. O Fonseca dificilmente dava material forte aos jornalistas.»

Neste aspeto, Flavio e Giacomo também estão de acordo. 

«O Mourinho é um comunicador extraordinário. Estranhamente, os media italianos historicamente não têm uma boa relação com a AS Roma. Os jornais mais importantes olham sempre de forma negativa sobre o clube. O clube está a tentar melhorar isso e a crescer», aponta Tassotti.

«Não é um caminho simples, mas acredito que a Roma voltará a ganhar títulos, algo que não sucede desde 2018 – Taça da Itália com o Spalletti.»

Conclusão: os resultados ainda não o dizem, mas em Roma a convicção é de que José Mourinho é capaz de deixar uma marca muito mais contundente no clube.

Os adeptos e os media estão rendidos ao perfil do português, mas já se sabe que a avaliação a um treinador está sempre dependente dos dados mais objetivos. Se Mourinho ganhar, o Coliseu, a Fontana di Trevi e a Piazza Navona serão seus.

Até Fellini aplaudirá de pé. 

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