João Almeida, a história do português que pinta de rosa o Giro e as Caldas - TVI

João Almeida, a história do português que pinta de rosa o Giro e as Caldas

João Almeida (Arquivo de família)

O Maisfutebol visitou a família e o primeiro treinador do ciclista que já foi nadador, futebolista e dançou no rancho folclórico. A freguesia de A-do-Francos veste-se há uma semana com a cor da camisola mais desejada nas estradas transalpinas

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A aflição de mãe é insuportável. Mais um quilómetro, mais uma subida, mais uma chegada kamikaze e o coração de Ana Patrícia Almeida acelera. Uma mão na face, outra no peito, e tanta vontade em abraçar o Joãozinho.

O Joãozinho é João Almeida, o ciclista português que por estes dias faz história no Giro. Tem 22 anos, mas será sempre o menino de Ana, funcionária de uma IPSS, e de Dário Almeida, mecânico. Na casa da família, em A-dos-Francos (Caldas da Rainha), ainda há lugar para uma admiradora muito especial. «A mais orgulhosa», jura Ana. Tem oito anos, chama-se Matilde e é a irmã que João tanto protege.

Por baixo da maglia rosa e daquele sorriso que já se tornou familiar, João Almeida carrega uma história bonita, principalmente pela sua simplicidade. Antes de começar a pedalar a sério aos 14 anos, na Ecosprint-BTT das Caldas, João andou na natação, jogou futebol nas camadas jovens do Grupo Desportivo A-dos-Francos e dançou no rancho folclórico local.

João, o «Homem-Aranha», nunca largou os pedais

O problema, se é que alguém pode considerar isto um problema, é que a cada braçada na piscina, a cada remate no campo pelado e a cada passo de dança no rancho, João só pensava na bicicleta que o esperava em casa.

«A única pessoa que foi ciclista na família foi o meu sogro, avô do João. Mas isto foi já há muitos anos, ainda antes de eu conhecer o meu marido. O João sempre adorou andar de bicicleta, como qualquer criança e chegou a fazer downhill ainda muito pequeno, aqui na freguesia», recorda Ana Patrícia, mãe compreensivelmente babada.

«Em 2011/2012, por aí, quando o João tinha quase 14 anos, recebemos o convite de um senhor que tem uma escola de BTT nas Caldas da Rainha, o José Pedro Fernandes, e que já o tinha visto de bicicleta. O João disse logo que sim e começou a ir regularmente aos treinos dessa escola.»
 

João adorava o rancho, mas o ciclismo esteve sempre à frente

 

José Pedro Fernandes foi o primeiro treinador de João Almeida e recorda-se do momento em que o conheceu. «Ele foi com os tios à nossa escola, a Ecosprint. Queria fazer downhill, mas com a idade dele não podia», diz o fundador da Ecosprint-BTT ao Maisfutebol

«O João só procurava coisas radicais. Tive de lhe dar a volta. Mostrei-lhe um vídeo do mundial de crosse, de BTT, e ele lá foi aceitando. Na nossa escola temos isso e também ciclismo de estrada. O João, um bocadinho contrariado, lá foi experimentando a estrada também.»

Apesar do «talento anormal», as primeiras provas foram duras. «Ele foi com uma bicicleta muito pesada na primeira prova e ficou quase em último. Mas fiquei impressionado com o ritmo certinho e a cadência dele. No dia a seguir telefonei ao pai do João e disse-lhe que essa tinha sido a primeira e última prova com uma bicicleta assim.»

Os resultados foram quase imediatos. «Passou dos últimos lugares para a frente do pelotão. Montei-lhe uma bicicleta na loja onde trabalho, a Bike Zone, e o João soltou-se. É muito inteligente a ler a corrida, muito calmo, muito educado e aplica tudo isso em prova. Adivinha os momentos certos para atacar.»

José Pedro Fernandes diz que João é «um ciclista completo», «fortíssimo no contra-relógio e que passa bem a média/alta montanha». «Não é um ciclista de choque, de esticões. Mete o passo dele e impressiona pela regularidade, um pouco ao jeito do Vicenzo Nibali.»

«O João já sofreu uma queda violenta, parecia uma múmia no hospital»

Dizem que no ciclismo a adição não é a vitória, mas sim o sofrimento. Talvez isso explique o regresso de Lance Armstrong à cena do crime quando já era um condenado da opinião pública. Ou a persistência de João Almeida em continuar nas bicicletas, mesmo nas noites em que as feridas se colavam aos lençóis da cama.

«A pior queda que sofreu foi em 2017, no circuito de Alcobaça», conta Ana Patrícia, a mãe. «Ele já estava na equipa italiana [Unieuro] e pediu para vir cá correr essa prova, para rever os ex-colegas. Numa das últimas voltas eu vi o pelotão a passar e o João não passou. Eu e o meu marido pensámos que podia ser um furo, mas depois a organização confirmou que tinha havido uma queda de vários ciclistas.»

«Começámos a ouvir ambulâncias e fomos a correr para o hospital. Lá estava o João.» Ana respira fundo, como se o filho estivesse novamente deitado numa maca, ferido. «Ele não partiu nada, mas ficou todo esfoladinho. Um dos lados estava em muito mau estado. Saiu de lá todo ligado, parecia uma múmia. E isso dói, vê-lo assim dói muito.»

Esse foi um dia mau, mas João poucas vezes deu o que fazer aos pais. Aluno de «notas razoáveis e muito tranquilo», João completou o 12º ano de escolaridade e entrou na Faculdade de Nutrição e Dietética, em Lisboa.

«Nunca tivemos uma queixa de um professor. Chegou normalmente à universidade, fez ainda o primeiro semestre, mas depois recebeu o convite da equipa Unieuro Trevigiani-Hemus, de Itália, e o ciclismo passou a ser a prioridade. O João tinha 18 anos.»

Na adolescência, João Almeida soube conciliar as obrigações familiares, escolares e as que lhe foram sendo impostas pelo ciclismo. Da equipa de BTT das Caldas, o português que pinta de rosa o Giro e as Caldas – já lá iremos – passou para o Cartaxo, para o Bombarralense e para o Bairrada. Sempre com resultados de excelência nas provas nacionais.

«Apoiamos o João ao máximo, mesmo à distância. Estamos sempre com ele, porque ele sempre mereceu a nossa confiança. É um menino sociável, tem muitos amigos, mas muito reservado. Transmite calma e serenidade a quem fala com ele.»

João jogou futebol alguns anos na formação do GD A-dos-Francos

O fã de Froome «vestiu» toda a freguesia de rosa

Ana Patrícia percebe pouco de ciclismo. Sabe aquilo que foi aprendendo com o filho. Sabe, por exemplo, que Chris Froome é o grande ídolo de João Almeida. João foi, de resto, beber ao tetra vencedor do Tour a inteligência a correr.

«Não sei se é por eu ser mãe, mas quando o vejo correr, sinto-o sempre muito sereno no meio dos outros ciclistas. No Giro está à frente já há cinco dias, entusiasmado e feliz, mas não extravasa nada. Gere bem a parte emocional, tem uma grande equipa e diz-nos que se perder a camisola rosa pode recuperá-la no dia a seguir.»

João Almeida tornou-se, com o passar dos quilómetros no pelotão internacional, a ser um expert da dor, do esgotamento, do limite. É sobretudo por isso que a família chora ao vê-lo de rosa nas estradas transalpinas. E é por isso que enche o peito de amor ao saber que o filho, a 3000 quilómetros de distância, veste toda a freguesia de A-dos-Francos de cor-de-rosa.

João com a maior fã ao colo, a irmã Matilde

Ana Patrícia explica. «A ideia nasceu de um senhor que eu não conheço, mas que é amigo de familiares nossos. Ele começou a andar vestido de rosa, pediu a toda a gente que o fizesse e achámos muita graça. Já há gente nas Caldas da Rainha a fazer o mesmo.»

«A minha filha também já vai para a escola de rosa, as amiguinhas andam de rosa e até eu e o pai vestimos uma peça rosa todos os dias. É uma forma de apoiar o João e de estar ainda mais perto dele.»

João Almeida anda à frente no Giro; A-dos-Francos veste-se todos os dias a pensar em João. Esta história está pintada de rosa do princípio ao fim. 

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