Testes à covid, 1500 kms e o inferno de Chalana só para ver o Estrela - TVI

Testes à covid, 1500 kms e o inferno de Chalana só para ver o Estrela

A aventura de cinco magníficos adeptos no dia em que reentraram num estádio de futebol. «Tivemos de fazer o despiste ao vírus e receber o resultado a tempo de viajar para os Açores»

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A Literatura e a Ciência oferecem explicações credíveis para um bom punhado de fenómenos. A negação do terraplanismo, a primordial função das vacinas, as flutuações negras dos mercados financeiros, as dores camonianas nas súplicas às tágides do Tejo, o pensamento de Hitchcock na recriação da próxima facada atrás da cortina da banheira.

Vale a pena ler e aprender. A ignorância é um poço sem fundo e o escuro das mentes tacanhas está condenado a bater nas paredes. Há respostas claras para quase todas as angústias e dúvidas, mas ninguém ainda foi capaz de sentenciar a origem de toda e cada paixão por um clube de futebol.

Porquê a adoração a este emblema? Porquê o amor por esta camisola? Para quê acompanhar aqueles jogadores para todo o lado? Mais do que saber as respostas, o povo da bola segue os instintos e o coração. Seja no estádio ao lado de casa, seja a meio do Atlântico.

É aqui que entra a história dos Cinco Magníficos do Estrela da Amadora. Nem a pandemia, nem as limitações impostas pela DGS no acesso aos estádios, nem os compromissos profissionais de cada um, nem a acrobata ginástica financeira: nada os impediu de estar na Praia da Vitória, Ilha Terceira, Açores, a apoiar o Estrela no histórico jogo do regresso às ligas nacionais.

Uma lição de amor.

Testes de despiste à Covid-19 foram pagos pelo Governo Regional dos Açores

210 adeptos tiveram direito a estar na bancada para ver o Fontinhas-Estrela da Amadora, do Campeonato de Portugal. Lotação limitadíssima, máscaras obrigatórias, duas cadeiras vazias a intercalar com um lugar ocupado, preocupações de higiene sanitária a cada pormenor.

No meio dos espetadores açorianos – em bom rigor, num setor extremo da única bancada -, lá estavam eles. A 1500 quilómetros de casa, trajados a rigor com o belíssimo tricolor, bandeiras e entusiasmo.

Como é que eles chegaram ali? Que passos tiveram de dar para escrever um capítulo de honra no traumatizado mundo do futebol-2020? O Maisfutebol quis saber tudo e esquecer, por minutos, que a maldita pandemia ainda anda à solta.

Miguel Rebola, 23 anos, programador, foi um dos elementos da claque Magia Tricolor a meter-se no avião e a acabar na bancada do Municipal da Praia da Vitória, a casa emprestada do Fontinhas.

«Como arranjámos bilhetes? A logística foi coordenada pelo Marco Ferreira, um dos diretores da SAD. Apenas foi necessário dar o nome e número de telefone e foram-nos dado os bilhetes à porta do estádio nos Açores», conta Miguel, poucas horas após regressar à Amadora.

Aos cinco estrelistas que sobrevoaram o Atlântico, juntou-se ainda um outro apaixonado pelo emblema da Reboleira. Vive na Terceira há um ano e aproveitou a coincidência para respirar a festa.

«Os bilhetes foram oferecidos pela SAD do Estrela. Todos nós somos sócios do clube e sócios da Magia Tricolor. Fomos informados da possibilidade de haver adeptos no início da semana, mas depois foi-nos transmitido que estavam a haver reuniões entre a DGS e as autoridades açorianas para ver se o cenário avançava ou não», continua Miguel Rebola.

Quarta-feira, finalmente, chegou a luz verde. «Avançámos com a compra das viagens, a expensas próprias. Após isso foi a corrida contra o tempo, pois tínhamos de fazer o teste de despiste à Covid-19 e receber o resultado a tempo de viajar e estar no jogo.»

Assim foi. Os testes aos cinco adeptos do continente foram realizados na quarta-feira à tarde -patrocinados pelo Governo Regional dos Açores -, e os resultados chegaram entre a noite desse mesmo dia e a manhã de sexta-feira.

Senhoras e senhores, apertem o cinto. O avião dos adeptos do Estrela vai levantar voo.

«Ficámos surpreendidos pelas medidas adotadas pelas pessoas da Terceira»

Sexta-feira à tarde, chegada à Aerogare das Lajes. A 48 horas do pontapé de saída do Fontinhas-Estrela, os magníficos da Reboleira cumprem religiosamente o protoloco de segurança.

Filipe Ribeiro, 21 anos, estudante, é outro dos integrantes da entourage e elogia o cuidado das autoridades no dia do seu batismo aéreo. Filipe nunca andara de avião. O Estrela proporcionou-lhe essa experiência. Marcante, pois então.

«Sentimo-nos seguros e, inclusive, fizemos a despistagem à covid-19 antes de partirmos», diz o adepto, no que é acompanhado pelo amigo Miguel Rebola.

VÍDEO: a Magia Tricolor na bancada açoriana

«Nos aeroportos sentimos sempre enorme rigor e no avião também. Na chegada a ilha ficámos surpreendidos pelas medidas tomadas pelos habitantes da Terceira. Apesar de terem um registo bastante limpo no que toca à Covid, as medidas estavam iguais às de Lisboa. Máscaras em todo o lado, desinfetante em todo o lado, mesmo no estádio. Tivemos de estar sempre com máscara na bancada, mas a Polícia deu-nos liberdade para montar a nossa coreografia, sem qualquer stress.»

Miguel, Filipe e os três companheiros de viagem, além do camarada que vive nos Açores, chegaram ao estádio e sentiram estar a ser protagonistas de algo importante. Por dois motivos: a exceção ao bloqueio imposto pela DGS e a reentrada do Estrela nos campeonatos nacionais.

«O sentimento só podia ser um: alegria. Alegria por voltar a ver o meu clube passados tantos meses ali à minha frente e alegria pela vitória. Senti-me muito satisfeito por voltar a ter público num estádio português», atira o estudante.

Miguel aproveita para deixar um reparo e umas farpas a quem toma decisões no país. «Não faz sentido nenhum existir sequer o conceito de futebol sem adeptos nos estádios, coisa que cada vez mais parece estar a passar para segundo plano e as transmissões televisivas para primeiro - não só agora com a Covid-19. Ficámos muito orgulhosos por poder estar presentes no retorno do Estrela às competições nacionais passado tanto tempo, mas a grande festa vai ser quando essas competições regressarem ao Estádio José Gomes. Dedicámos muito do nosso tempo, nós e a SAD, a restaurá-lo para estar em boas condições para receber o campeonato.»

«Um adepto chamado Chalana só gritava ‘bem-vindos ao inferno’»

Dia de jogo, já muitas horas e aventuras para contar. Almoçaradas, jantaradas, passeios pela beleza da Terceira, sempre e sempre com a camisola e o emblema do Estrela bem visíveis. No Fontinhas-Estrela, um dos protagonistas acabou por ser um homem… do Praiense.

«É verdade (risos). Ele estava no estádio a gritar bem-vindos ao inferno e nem era o clube dele a jogar. A malta que estava a ver a transmissão em direto, na Amadora, dizia que apenas ouvia o homem», recorda Miguel Rebola.

«O nome dele é Chalana [curiosamente, o homónimo futebolista até jogou no Estrela na época 1991/1992]. Ele ficou do lado de fora a gritar que nem um louco. Depois veio falar connosco no fim, tudo numa boa, a explicar a história de vida dele. É disto que também se faz o futebol.»

7. O objetivo claramente é colocar o estrela na principal liga no menor espaço de tempo possivel, foi montado um plantel que já vem a ser estudado antes até da fusão ter sido aprovada, com uma mistura de figuras experientes do CP com jovens de qualidade e parece ser uma equipa para atacar uma das subidas este ano, só o tempo dirá se para a 2ª ou 3ª liga

Filipe Ribeiro andou de avião, viu o seu Estrela a ganhar por 2-1 e voltou a casa realizado. A temporada, acredita, representará o primeiro passo de reencontro com o enorme Estrela.

«O clube ficou insolvente por volta dos meus 11 anos. Se tiver de escolher a melhor memória, será certamente a primeira vez a que assisti a um jogo no nosso Estádio José Gomes. Foi frente à Académica de Coimbra e vencemos por 2-0.»

O objetivo, dizem Miguel e Filipe, passa agora por ganhar «muitos jogos» e voltar a ter gente nas bancadas brancas, verde e vermelhas da Reboleira. A I Liga, acreditam está aí ao virar da esquina.

«O objetivo é esse, subir brevemente. Apoio não faltará e será o culminar de vários anos de trabalho na esperança de devolver o Estrela ao seu lugar.»

210 adeptos na bancada, cinco diretamente da Amadora. Ninguém é capaz de explicar direitinho como nasce e cresce uma paixão assim.

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