Diogo Jota: o menino que nunca pediu chuteiras de marca - TVI

Diogo Jota: o menino que nunca pediu chuteiras de marca

Diogo Jota (Arquivo familiar)

Filho de trabalhadores fabris, o avançado do Liverpool cresceu numa atmosfera de honestidade simples, longe de luxos e com a cabeça no lugar. «Nunca quis sair à noite, nunca foi de jantaradas», contam os pais ao Maisfutebol. Uma visita emocionante à vida do avançado português

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Contam os alpinistas que o primeiro pensamento no topo de uma montanha de 6000 metros é como sair dali. Nem poesia, nem meditação, nem reflexão sobre a vida passada e o túnel dos comportamentos. A mente procura apenas uma alternativa: ‘e agora, para sair daqui’?

Não se enganem. Esta imagem não representa medo ou vontade de desistir. Pelo contrário. É a ignição para o que há de vir. ‘Como fazer tudo de novo? Como repetir o ato de heroísmo e extrema resistência só mais uma vez’?

O futebol e a vida de Diogo Jota encaixam neste paradigma. Acelerações, travagens, pulsação máxima até ao golo. Uma e outra vez, sempre na perspetiva de nos convencer que a primeira vez é sempre a próxima a surgir. Diogo parece apostado em superar-se a cada novo jogo. Gondomar, Paços Ferreira, FC Porto, Wolverhampton, Liverpool. Uma e outra vez.

O enquadramento familiar ajuda a dissecar e a perceber esta férrea determinação em vencer. A casa dos pais em São Cosme, Gondomar, «o quintal de três metros por 15» na casa da avó, os treinos no pelado do Gondomar, as idas e voltas no carro do pai para a Mata Real, uma vida cheia de pressa. Como o futebol de Diogo.

Venha daí conhecer melhor o menino bonito de Anfield Road.

Um aluno de 14’s e 15’s que nunca pegou nos livros em casa

A 4 de dezembro de 1996 nasce na Maternidade Júlio Dinis, no Porto, o menino Diogo José Teixeira da Silva, filho dos senhores Joaquim Silva e Isabel Silva. Três anos depois a família recebe o único irmão de Diogo, André.

A infância é vivida com a bola debaixo do braço. «O Diogo só via isso à frente dele. No quintal da avó partiu muitos vasos e plantas. Era um espaço com três metros por 15. Ele passava grande parte do tempo livre lá», conta Joaquim Silva, o progenitor, ao Maisfutebol. Uma rara visita à intimidade dos Silva, gente honesta e de bem, mas ciosa da sua privacidade.

Diogo herda do pai e do avô paterno a paixão pelo futebol. «Eu joguei no Sousense, o meu pai e os meus tios também. Há essa influência familiar. Eu sou de Foz de Sousa, tal como o avô e os tios-avô do Diogo. O meu tio chegou a ir à seleção nacional de juniores prestar provas», diz Joaquim Silva.

«A única coisa que queríamos era que ele praticasse desporto, para ter saúde física e mental. Ao mesmo tempo, assim sabíamos sempre onde ele estava e sentíamos que era bem acompanhado.»

O futebol federado surge na vida de Diogo aos sete anos. No Gondomar, o clube da terra. «Começou como médio esquerdo. Foi obrigado a isso para melhorar o pé esquerdo. E resultou. Depois passou para médio ofensivo, número dez. E depois foi avançado e extremo esquerdo. O Diogo não gostava muito de ser extremo, porque não era um jogador para cruzar. Mas cresceu muito a jogar nesse lugar.»

Ao mesmo tempo que dá nas vistas no Gondomar, Diogo é convidado a prestar provas nos maiores clubes nacionais. Mas volta sempre a casa. Por ser pequeno, por ser franzino, enfim, pelas mais variadas razões, os grandes de Portugal entendem não ficar com o filho do senhor Joaquim e da dona Isabel.

O futebol, é verdade, toma conta do coração do rapaz. Mas na cabeça há espaço também para a escola. Diogo é, até ao 12º ano, um excelente aluno, mesmo sem ser particularmente aplicado.

«Nunca o vi a estudar em casa», confessa o pai, Joaquim. «Para o Diogo era suficiente estar atento nas aulas. Era um aluno de quatros e cincos no secundário, mesmo sem pegar nos livros em casa. Só pegava se tivesse de fazer algum trabalho. As professoras ficavam admiradas quando sabiam que ele não estudava fora das aulas, até diziam que era uma pena ele não continuar, porque tinha grandes capacidades. Nós só lhe pedimos que completasse o 12º ano.»

Diogo frequenta a primária em Aguiar de São Cosme e o secundário em Gondomar, até deixar aos 16 anos a casa dos pais. Por culpa do futebol, claro.

«Ele recebeu o convite do Paços de Ferreira e aos 16 anos saiu de nossa casa. Faltava-lhe o 12º ano e completou-o lá, com notas de 14 e 15. E nessa fase também teve de tirar a carta de condução.»

Um menino maduro e equilibrado, filho de trabalhadores fabris

23 anos, titular no melhor Liverpool de sempre, sete golos em 11 jogos. Diogo Jota chega ao patamar mais alto do futebol e pergunta como sair dali. Apenas para repetir a subida no dia a seguir. É esta a humildade que caracteriza o menino de Gondomar. Uma humildade explicada pelos pais ao nosso jornal.

«Ele viu de perto as dificuldades que os pais tinham. Éramos trabalhadores fabris, não ganhávamos muito acima do salário mínimo e nunca escondemos aos nossos filhos as limitações que tínhamos», sublinha Joaquim Silva, «orgulhoso e emocionado» por tudo o que Diogo, o seu menino de sempre e para sempre, tem alcançado.

Não era fácil ter dois filhos no futebol e pagar o que pagávamos. O Diogo nunca nos pediu nada. Nunca nos pediu ou disse que gostava de ter umas chuteiras de marca. Ele sabia que não era possível, já tinha essa sensibilidade. É por isso que sabe dar valor às coisas, valor à vida.»

A mãe de Diogo, Isabel, trabalhava numa fábrica de componentes eletrónicos de automóveis. Joaquim, o pai, era funcionário numa empresa de gruas em Gondomar. Viviam, e vivem, em função das necessidades dos filhos, Diogo e André.

Diogo Jota, a fazer peito, é o primeiro em baixo à esquerda 

Com a mudança do mais velho para o Lar do Paços de Ferreira, a 40 quilómetros da casa dos pais, a família passa a ter um novo desafio.

«Ao sábado à tarde íamos ver ao jogo e no final trazíamos o Diogo para casa. No domingo à noite levávamos outra vez o Diogo para Paços de Ferreira, porque na segunda-feira de manhã já tinha aulas», recorda Joaquim Silva. Uma vida de sacrifícios, em nome de todos os sonhos de Diogo. Aos 16 anos passa a ser a grande figura dos sub19 do Paços.

«Ele teve algumas dificuldades nessa casa, coisas normais. Os colegas eram quase todos estrangeiros e o Diogo teve de desenrascar-se. No segundo ano em Paços de Ferreira já trabalhava com os seniores e mesmo assim preferiu continuar no lar do clube, não quis mudar-se para um apartamento.» A tal simplicidade, a adoração das coisas simples, a marca registada de Diogo Jota.

O feedback dos responsáveis do Paços de Ferreira era ótimo. Diziam-nos que o Diogo era muito responsável e maduro. Isso para nós era suficiente. Saber que o nosso filho tinha um comportamento bom era melhor do que vê-lo a ser um craque. Sentíamos que o nosso trabalho tinha sido bem feito.»

Uma adolescência sem saídas à noite, mas com carne e massas

O retrato do Diogo adolescente ajuda a descodificar melhor o avançado do Liverpool. Aos 16/17 anos, os amigos saem à noite, vão a jantaradas, divertem-se fora de horas. Diogo nunca os acompanha. «Só queria o futebol e a playstation», confidencia o pai.

Ele nunca saiu à noite na adolescência, a não ser quando fazia anos. Nunca foi de jantaradas, saídas à noite, nada. Ficava em casa. Eu até lhe dizia às vezes para ele ir. Para o Diogo, se houvesse futebol à tarde e playstation à noite, estava ótimo. Demos-lhe, com grandes dificuldades, a primeira playstation e não foi ele que nos pediu. Nunca nos pediu nada.»

A vida corre, a vida avança e os senhores Joaquim e Isabel estão prestes a ser avós pela primeira vez. Em fevereiro nasce Dinis, filho de Diogo e Rute Cardoso.

«O Diogo sabia aquilo que queria, sempre soube. Acho que vai chegar mais longe porque só vê futebol à frente e está completamente focado naquilo. Vai ser pai, tem a namorada em Liverpool com ele e isso é bom, para estar equilibrado. É uma ajuda enorme», refere a mãe, Isabel Silva.

Nos bastidores, em apoio permanente, lá está o amor de pai e mãe. E a comida caseira, já agora. «Comia bem, fazíamos uma alimentação mais orientada para ele. Massas e carnes. Agora há nutricionistas para orientar, mas nesses dias isso não existia. Nos juvenis jogava ao sábado e ao domingo. Perguntavam-me como é que ele tinha tanta força para fazer dois jogos ao fim-de-semana, se eu lhe dava algumas vitaminas. Nada, era só comida. Comida boa.»

O envolvimento familiar, os bons exemplos, a honestidade genuína. É assim que Diogo Jota é criado, sempre com espaço para refletir e estar no seu canto. Sim, o avançado precisa de silêncio para refletir e reviver. Desde pequenino.

«O jogo acabava, vínhamos no carro e o Diogo não abria a boca até casa», confirma Joaquim. «Só passadas algumas horas é que podíamos falar com ele. Sempre respeitámos essa forma dele reagir às coisas. Nas vitórias e nas derrotas. Ele precisava desse silêncio e ainda precisa.»

O caráter fortíssimo, marcado por uma auto-exigência rara, traduz uma necessidade constante de competir e vencer. Mesmo contra gigantes de 1,60 metros e 50 quilos, pesos pesados na barricada contrária nas camadas jovens.

No Gondomar diziam que ele era franzino, mas quando o viam jogar… estava em todo o lado. Apanhava aqueles trincos enormes pela frente, dava-lhes abaixo dos ombros, e conseguia passar por eles e sacar-lhes a bola. Era assim, muito competitivo e muito positivo.»

Num ápice, o rapaz magrinho, leve como uma pena, pega na bola e torna-se dono do jogo. O Gondomar é uma escola que Diogo transporta até Liverpool.

«Dava gosto ver os treinos e os jogos das equipas dele em Gondomar», considera Joaquim Silva. «Os pais não criticavam os filhos dos outros, os miúdos eram muito amigos. O Diogo teve a sorte de crescer nesse bom ambiente de balneário e ainda hoje convive com colegas desses tempos.»

O susto num eletrocardiograma e a emoção do hino nacional

O percurso de Diogo é feito sempre a subir. De Gondomar a Liverpool, do Estádio São Miguel ao imponente Anfield Road. Contratempos? Alguns, naturalmente, mas peças inofensivas numa história de raro sucesso.

E sustos? Um, em Paços de Ferreira, durante um eletrocardiograma. «Não foi nada de especial», assegura Joaquim Silva. «A fazer uma prova de esforço teve um pico. Tivemos de interromper a prova e ver o que se passava. E não se passava nada, era uma característica própria do coração do Diogo. Assustou-nos, claro, porque era a saúde e a carreira profissional dele que podiam estar em risco, mas os testes complementares provaram que o Diogo não tinha nenhum problema. Foi um dos momentos mais difíceis nesta caminhada. Mas estava e está ótimo.»

O crescimento é tão grande que Diogo já é um dos indiscutíveis nas escolhas de Fernando Santos. Sub19, sub20, sub21 e, agora, a Seleção Nacional A. O avançado do Liverpool já soma sete internacionalizações e três golos. Os pais não são capazes de conter a emoção.

Lembro-me da primeira vez que o fui levar a Rio Maior aos treinos dos sub19. O primeiro treino, o primeiro jogo. Eu e a mãe nem fomos trabalhar nesses dias. Das coisas que mais nos deixam orgulhosos é vê-lo na Seleção Nacional. Sempre valorizámos mais a seleção dos que os clubes. Ao vê-lo representar Portugal… não há palavras, é uma sensação anormal, arrepiante e lindo. É muito emocionante ver um filho a jogar pela seleção. Quando o hino toca com a imagem dele… mexe muito connosco.»

 

Diogo é o quarto a contar da esquerda, em baixo, nas escolinhas do Gondomar

 

Um médio capaz de fazer 39 golos numa temporada

A temporada de 2012/13 é particularmente importante na caminhada de Diogo Jota. Entre sub17 e sub19, o agora jogador do Liverpool faz quase 40 golos ao serviço do Gondomar. A jogar no meio-campo.

«O Jota era um dos médios interiores, jogava a 8 ou a 10, e fez 39 golos nessa época. Já era muito forte no ataque à profundidade e a equipa adaptou-se muito bem aos movimentos de rotura que fazia. Adorava também recuar para tabelar ou apenas para se virar e fugir. Explodiu nesse ano», diz ao Maisfutebol o treinador de Jota nessa época, José Carlos Magalhães.

«Nos sub17 conseguimos 15 vitórias em 15 jogos na primeira volta. Na segunda volta começou a ir com regularidade aos sub19. Ele até foi treinar ao Sp. Braga em janeiro, mas eles decidiram não ficar com o Diogo. Depois veio alguém do Benfica observá-lo, mas o Diogo acabou por ir para o Paços de Ferreira. Fomos campeões distritais em Paços, na última jornada, e os dois presidentes viram o jogo juntos.»

José Carlos conhece Diogo desde os 11 anos e até o referencia bem cedo junto do Benfica. «Eu na altura era scout do clube e referenciei-o lá, sim. Conheci um miúdo recatado, não era claramente dos mais extrovertidos. Era já muito focado no futebol, já sabia bem o que queria. Tinha uma azia enorme quando perdia. Queria sempre mais treino, mais jogo, mais golos. Era já um campeão.»

«Fizemos 30 jogos e ele marcou a todos os 15 adversários. Isto é algo extraordinário para um médio», repete José Carlos Magalhães, um admirador confesso do ex-pupilo. «Até aos sub15 era baixinho e franzino, mas já adorava ir ao choque. Sempre foi um guerreiro. Deu um salto físico a partir dos 16/17 anos e com isso passou a ser impressionante no arranque, na aceleração e no choque.»

Arranques, aceleração, choque. Como se a próxima fosse sempre a primeira vez. ‘E agora, para sair daqui’?

FOTOS gentilmente cedidas pelos pais de Diogo Jota

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