O cinturão negro de Karaté que chegou a melhor do mundo no andebol - TVI

O cinturão negro de Karaté que chegou a melhor do mundo no andebol

Luís Frade, atualmente no Barcelona, foi eleito o melhor andebolista jovem em 2020 e participou nos recentes feitos históricos na modalidade

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«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Luís chegava sempre atrasado a um dos treinos da semana. Mas não havia problema.

Os treinadores conheciam a razão e até o apoiavam na decisão de continuar no Karaté, apesar de ele ser um dos principais jogadores da formação do Águas Santas, histórico clube de andebol.

O miúdo já praticava aquela arte marcial desde os cinco anos e sempre a conciliou com outras modalidades que foi experimentando: basquetebol, futebol e até natação. E mais importante: adorava-a.

O karaté deu-lhe disciplina, serenidade e foi «um importante ponto de aprendizagem e desenvolvimento como desportista e pessoa», garante, ele que chegou a cinturão negro.

Aliado a essa disciplina e à capacidade física que sempre demonstrou, o facto de ter crescido no seio de uma família com fortes ligações ao desporto – o pai praticou rugby no Benfica e a mãe basquetebol no Académico do Porto – apontava-o ao sucesso no desporto.

Por isso, o percurso que trilhou não surpreende os mais atentos. E agora nem surpreende ninguém que, com 22 anos, Luís Frade vá ganhando espaço no Barcelona, uma das melhores equipas do mundo de andebol.

Como não admira o sucesso instantâneo que teve no Sporting logo aos 20 anos. Ou não estivéssemos a falar de um jogador que tinha sido eleito o melhor pivô no Mundial de sub-19 (2017), no europeu de sub-20 (2018) e que repetiria o feito no mundial sub-21 (2019).

Para tudo isso contribuiu um ensinamento que trouxe dos tempos do Águas Santas: «Ganha sempre quem se adapta mais rapidamente».

Recuemos então ao início do percurso de Luís Frade no andebol. E de como umas férias desportivas mudaram a vida daquele que foi considerado o melhor andebolista sub-21 do mundo há menos de um ano.

De uma brincadeira ao topo do mundo… em nove anos

Quando, aos 12 anos, Luís Frade participou em mais uma edição das férias desportivas da Maia, não imaginava que aquilo lhe podia mudar a vida.

A facilidade que mostrou no primeiro contacto com o andebol até fazia crer que ele já praticava a modalidade.

«O instrutor dessas férias desportivas reparou em mim e perguntou se eu jogava andebol. Eu disse-lhe que não e ele aconselhou-me a experimentar porque tinha jeito», recorda.

Determinado em aceitar o desafio, Luís falou com os pais e numa pesquisa rápida chegaram ao Águas Santas.

«Eu sou de Rio Tinto e mesmo sem jogar andebol, o nome Águas Santas era-me familiar. E não ficava muito longe de minha casa, por isso fui lá experimentar».

Quem o aconselhou, não se enganou. Rapidamente Luís Frade apanhou o jeito e entre a brincadeira durante as férias de Verão e a chegada à primeira divisão passaram apenas quatro anos.

«Ganha sempre quem se adapta mais rapidamente».

Sim, é fácil fazer as contas e perceber que o pivô chegou demasiado depressa a esse patamar. Mas a qualidade não enganava e aos 16 anos o jovem começou mesmo a jogar entre os maiores do país. E aí, teve de deixar o karaté de parte.

No andebol, desde logo o nome de Luís Frade começou a ser apontado a outros patamares, contribuindo para isso também aquilo que ia fazendo nas seleções jovens.

Foi, portanto, com naturalidade que Frade chegou a um dos maiores clubes nacionais rapidamente. O Sporting agarrou-o em 2018 e Frade não esperou para começar a brilhar, numa equipa onde o titular era Tiago Rocha, o capitão da seleção nacional, que anos antes Frade revelara ser uma das referências.

«Posso dizer que tive a sorte de encontrar o Tiago no Sporting. Ele é uma pessoa que adora treinar e competir e que me ajudou muito em tudo. Tanto dentro do campo como fora, ele foi um grande apoio para mim», elogia Frade.

«Ganha sempre quem se adapta mais rapidamente».

O velho ensinamento a ser fundamental uma vez mais, agora para se assumir na equipa campeã nacional. Mesmo com uma mudança radical pelo meio.

«Naquela altura, senti que era um salto fundamental que tinha de dar para crescer no andebol, mas também em termos pessoais. Precisava de ganhar mais responsabilidade e saber lidar com as coisas sozinho», sublinha quem deixou a casa dos pais, nas imediações do Porto em busca de triunfar na capital.

«O mais difícil para mim foi mudar de cidade, sair da beira dos meus pais e amigos, mas queria tornar-me profissional de andebol e tinha de dar aquele passo», justifica.

Nos leões, o crescimento foi notável. Logo na primeira época, Frade tornou-se figura de uma equipa que chegou aos oitavos de final da Liga dos Campeões e que discutiu com o FC Porto, taco a taco, o título nacional.

Uma época e meia no Sporting – com um Europeu histórico com seleção pelo meio – bastaram para o mundo colocar definitivamente os olhos no possante pivô de 1,95m e 115 kg.

E num ano absolutamente atípico devido ao surgimento da pandemia, que obrigou à interrupção da época desportiva em março de 2020, uma distinção que surpreendeu o andebolista: melhor andebolista jovem do mundo!

«Quando me disseram, eu não estava nada à espera. A minha reação até foi questionar: ‘o que é que eu fiz para isto?’. Foi estranho, estava em casa, sem competir há meses… Claro que fiquei super-contente com o reconhecimento, mas foi quase como ganhar um título sem jogar», descreve.

Ora, então, o que é que fez Luís Frade para receber a distinção da Handball Planet?

Fomos verificar.

No ano em questão, o pivô ajudou a seleção de sub-21 a chegar ao quarto lugar do Mundial da categoria; foi eleito para o sete ideal da competição; ao serviço do Sporting, marcou 107 golos em 37 jogos, sendo que 31 desses golos foram marcados na Liga dos Campeões; e em janeiro, ajudou a seleção principal a conseguir o histórico sexto lugar no Europeu.

Não foi mau, Luís. Não foi mau.

Barcelona: ‘mais do que um clube’… um sonho

Luís Frade pode não saber o que fez para receber a distinção. Mas o Barcelona, uma das equipas mais fortes do mundo, soube bem porque o quis recrutar.

E fê-lo cumprir um sonho aos 21 anos.

«Foi uma sensação incrível chegar a Barcelona. Cheguei em tempo de covid e toda a gente diz que a energia da cidade é completamente diferente cheia de gente. Mas nem conseguia parar de sorrir. Acho que deve ser essa a sensação de todos os que chegam a um clube como o Barcelona», descreve.

«Ganha sempre quem se adapta mais rapidamente».

Luís Frade revela ter sentido um choque maior ao trocar o Sporting pelo Barcelona do que quando deixou o Águas Santas para assinar pelos leões. Mas isso não o derrubou. Longe disso.

«Foi um impacto enorme. A intensidade dos treinos é incrível, a atenção a cada detalhe. Tudo é trabalhado até à perfeição. Acho que em Portugal ainda nem se sonha trabalhar desta forma. E nas primeiras semanas acabava os treinos morto, mas ao mesmo tempo, estava radiante», confessa o jogador.

No Barcelona, onde garante sempre ter sonhado jogar, Luís Frade disputa o lugar com o titular da seleção francesa, Ludovic Fabregas, e com Cédric Sorhaindo, também francês, capitão de equipa e que tem no currículo quatro títulos mundiais, dois europeus, um olímpico, duas Ligas dos Campeões e dez campeonatos espanhóis. Só para citar os principais títulos e não maçarmos o leitor.

Nada que assuste o português. Pelo contrário.

«É uma honra jogar com eles. Tenho todo o respeito pelos dois e temos uma excelente relação, mas o objetivo de cada um de nós é jogar e é para isso que cada um trabalha», ressalva.

Certo é que em pouco mais de meia época, desde que o português chegou à Catalunha, a super-equipa do Barcelona já conquistou três títulos: Supertaça e Taça de Espanha, além da Supertaça da Catalunha.

Mas um dos grandes objetivos… bateu no poste.

Devido à pandemia, só em dezembro se disputou a final-four da Liga dos Campeões, relativa à época passada. O Barcelona chegou a Colónia como principal favorito à conquista de um troféu que já conquistara nove vezes… mas perdeu na final.

Ainda assim, que tal a experiência? Meh…

«Teria sido muito mais engraçado se a tivéssemos conquistado. Na verdade, foi triste. Estar num pavilhão daqueles a disputar a prova mais importante de clubes sem público não é nada natural. Mas pronto, correu mal e agora vamos tentar conquistá-la esta época», resume.

Apesar dessa dura derrota, desportivamente a época estar a correr bastante bem aos culés. além dos títulos, o Barcelona lidera o campeonato com mais nove pontos do que o segundo classificado, e apurou-se só com vitórias para os oitavos de final da Liga dos Campeões.

Contudo, há um momento que marca a época do andebol mundial e ainda mais dos portugueses. Falamos da morte de Alfredo Quintana, claro. Uma notícia que teve eco em todo o mundo e que a presença de Luís Frade fez viver-se de forma particular em Barcelona.

Instantes antes de começar o primeiro jogo após a morte de Quintana, no balneário Sorhaindo teve um gesto que surpreendeu e emocionou o andebolista português: entregou-lhe a braçadeira de capitão.

«Foi um gesto que mostrou o porquê de o Barcelona ser ‘mais do que um clube’. Senti-me muito apoiado por todos os meus colegas e pelas pessoas do clube de todos e se não fosse pela razão que foi, ser capitão do Barcelona ter-me-ia deixado radiante», assegura.

«Jogos Olímpicos? Temos muito para sonhar e mais ainda para trabalhar»

«O Frade é um daqueles jogadores que olha para os adversários e não tem medo de ninguém. Seja quem for, é para ir para cima deles!»

As palavras são do selecionador nacional, Paulo Jorge Pereira, na entrevista que concedeu ao Maisfutebol após o apuramento português para os Jogos Olímpicos.

E o pivô não foge quando confrontado com essa declaração.

«É verdade. O jogo é uma guerra. Uma pura guerra durante 60 minutos, em que tudo o que importa é ganhar. Seja contra quem for», defende.

E quando essa ‘guerra’ é contra companheiros de equipa? Como aconteceu no torneio pré-olímpico, onde Frade ajudou Portugal a vencer os franceses Fabregas, Dika Mem e N’Guessan e com isso, eliminou o croata Luka Cindric…

«É igual. Todos estamos dentro de campo para ganhar. Damo-nos muito bem, mas quando soa o apito, começa a tal guerra que dura 60 minutos. No final até podemos ir beber uma cerveja juntos, mas durante o jogo nada mais importa», reforça.

E como terá sido a viagem de regresso de Montpellier, onde se disputou a qualificação olímpica, para Barcelona. Com os franceses e Luís Frade contentes pelo apuramento e Cindric naturalmente desiludido?

«Foi normal. Já tinha passado a seleção. Deu-me um abraço e os parabéns pelo apuramento e não houve mais nada», garante Frade, que fez a viagem com os companheiros no Barcelona até à Catalunha.

Nesta conversa com o Maisfutebol, Luís Frade falou também sobre o apuramento para os Jogos Olímpicos e satisfação pela presença em Tóquio. Mas de forma objetiva. Nada de sonhos com a cerimónia de abertura, ou o que quer que seja.

«Há muito para sonhar, mas há ainda mais para trabalhar. Não vamos a Tóquio de férias. Podemos sonhar, mas temos de trabalhar para conseguir o melhor resultado possível», resume.

Mas será que nem dá para uma visita a um mestre de karaté no berço da disciplina de que tanto gosta? Apostamos que não…

 

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