Há ‘calcio’ nas ruínas de Pompeia: «Chamam-nos mortos-vivos» - TVI

Há ‘calcio’ nas ruínas de Pompeia: «Chamam-nos mortos-vivos»

Pompeia

Na cidade-mártir, uma equipa de crianças combate o insucesso crónico do ASD Pompeiana 1929. Uma história onde a tragédia e o turismo dão as mãos e onde o futebol tem tido um lugar apenas de figurante

Ano 79 depois de Cristo. O Vesúvio entra em erupção, após uma hibernação de oito séculos. A explosão vulcânica é indomável, a lava arrasta-se por dezenas de quilómetros, a destruição é total. A cidade de Pompeia, ali ao lado, desaparece nas cinzas, petrificada.

A história é famosa, mereceu já a atenção de escritores, compositores e realizadores de Hollywood. Quem nunca ouviu falar das ruínas de Pompeia?

O Maisfutebol aproveitou uma passagem pela região de Campania, no passado mês de setembro, para visitar o local e comprovar a dureza dos horrores. Milhares de corpos permanecem ali, pétreos, uma grotesca amostra da selvajaria da Natureza.

A galeria de cadáveres apanhados em fuga impressiona. Casais abraçados na hora da morte, velhos ou criança, animais até. A lava envolveu-os numa terrível peça de teatro vivo, permanente e cruel.

Tudo a dois passos das objetivas dos turistas. A exposição de uma galeria de morte.

Quando entra o futebol no meio disto tudo? Bem, entra há dois anos, com o renascimento da ASD Pompeiana 1929, a societá representante de Pompeia na Prima Categoria da Campânia, uma das divisões regionais da associação que tem o Nápoles como cabeça de cartaz.

No Centro Sportivo Real Sporting, o presidente Andrea Vaiano explica-nos o estado do calcio em Pompeia. E o retrato não é bonito. «Estamos moribundos e vou afastar-me nos próximos dias e dar o lugar a alguém mais jovem. Descemos de divisão [à Seconda Categoria] e a equipa sénior vai acabar. Vamos seguir só com as crianças.»

Corpos petrificados nas ruínas de Pompeia

«O Vesúvio não está extinto, apenas adormecido»

Pormenor importante. Pompeia, a cidade moderna, está bem viva. A escassos metros das ruínas mais famosas do sul de Itália, 30 mil pessoas fazem da nova Pompeia um lugar ordenado e bastante tranquilo para os padrões do país.

Ruas amplas, edifícios imaculados, cafés e ristorantes amparados por jardins celestiais. Uma Pompeia surpreendente para o visitante impreparado.

O senhor Vaiano explica-nos, de resto, que o futebol aparece em Pompeia por volta de 1920 e que a ASD Pompeiana, numa versão inicial e profundamente amadora, começa a competir poucos anos depois «entre 1925 e 1930».

O futebol, porém, parece estar amaldiçoado nesta urbe. «Os projetos arrancam e acabam alguns anos depois», lamenta o velho dirigente, mais interessado em caminhar e apontar os edifícios mais icónicos desta Pompeia do século XXI.

«Não tem piada, mas nos campos da região as equipas de Pompeia ouvem sempre as mesmas bocas. Chamam-nos mortos-vivos, gritam pelo Vesúvio… esquecem-se que o Vesúvio não está extinto, apenas adormecido, e que não é impossível uma nova tragédia, uma tragédia que afetaria toda esta região do Golfo de Nápoles.»

«O Sorrento, onde treinou o Sarri, também está em dificuldades»

Princípios e fins. Os tiffosi de Pompeia habituaram-se a ciclos curtos e evitam, assim, criar vínculos emocionais. «Aqui somos todos do Nápoles, ou quase todos. Ir ao San Paolo é uma profissão de fé», continua Andrea Vaiano, que fala de outros emblemas da zona com admiração.

«Aqui é muito habitual haver fusões entre emblemas. O FC Sorrento, onde treinou o Maurizio Sarri há uns anos [2011], também está em dificuldades. Não somos os únicos mortos-vivos», prossegue, num italiano quase incompreensível.

E o futuro? Por onde passará a ambição futebolística dos meninos de Pompeia?

«Este ano vamos ter aqui uma escola, gerida pela ASD Pompeiana 1929 e uma empresa da região, já habituada a trabalhar com o desporto. Para mim chega, mas acredito que dentro de um ou dois anos voltaremos a ter equipa sénior.»

Pompeia, a velha Pompeia, desapareceu em 79 engolida pela lava do Vesúvio. Resistem as ruínas, partes das edificações romanas, e o terror de corpos moldados pela tragédia. O futebol? Pertence às crianças e às futuras gerações. No presente é só um amontoado de histórias. Um futebol de zombies.

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