Onde estava o futebol português no 25 de abril? - TVI

Onde estava o futebol português no 25 de abril?

25 de abril

16 antigos jogadores dos clubes da I Divisão a reavivar memórias de outros tempos

Relacionados
 

* Reportagem publicada originalmente a 25 de abril de 2014

No dia em que é assinalado o 49.º aniversário da Revolução dos Cravos, o Maisfutebol viaja na máquina do tempo para reavivar memórias e, espera, acrescentar episódios a uma história repetida até à exaustão ao longo dos anos.

Afinal, onde estava o futebol português no 25 de abril? Foi esse o desafio lançado na redação e a resposta cabe a 16 antigos jogadores dos clubes que disputavam nessa altura a I Divisão.

O regresso a 1974 é emotivo. Nas horas de conversa com as antigas figuras do nosso futebol são partilhadas emoções, alegrias e até angústias. A Revolução foi saudada por todos mas sobra espaço para a crítica: cometeram-se alguns erros no processo.

A reportagem não se limita ao futebol, ao Sporting preso na fronteira ou a cravos nas bancadas. Os relatos pessoais levam-nos mais longe, a homens que jogavam e cumpriam serviço militar, acabando por ter uma ligação direta ou indireta a uma guerra sem tiros.

José Rachão (Montijo) esteve no Cristo-Rei ao lado de canhões apontados para o Tejo e para Lisboa,  Lemos (FC Porto) estava no Ultramar, a viver um pesadelo, e  Manuel Fernandes (Farense) chegaria pouco depois.

São pedaços de um quadro que, incapaz de demonstrar tudo o que aconteceu naquela fase e no pós-25 de abril, apresenta uma realidade alargada e democrática. Cada testemunho é um pedaço de história, uma voz a simbolizar um clube e uma região.

O mapa futebolístico sofreu alterações profundas desse essa altura.

Sporting, Benfica, V. Setúbal, FC Porto, Belenenses, V. Guimarães, Farense, Boavista, CUF, Académica, Olhanense, Leixões, Barreirense, Beira-Mar, Oriental e Montijo.

Entre os 16 clubes que disputaram a I Divisão em 1973/74, quatro representavam a capital e outros tantos a região entre o Tejo e o Sado. Estes últimos, com natural destaque para a CUF, sofreram rombos tremendos após a Revolução dos Cravos.

«O 25 de Abril foi muito apreciado por todos, sem dúvida, mas também é verdade que houve exageros. Quem tinha algum dinheiro ou não era de esquerda tinha de ser abatido? À mesa de jantar, vamos servir democracia, e amanhã liberdade?»

António Simões (Benfica) é um dos antigos jogadores a apontar falhas no processo. Uma análise contundente, para ler ao longo desta reportagem.

Em Coimbra, onde estudava Vítor Urbano (Beira Mar), a Associação Académica – um símbolo da luta contra o regime fascista - ter-se-à deixado levar pelo desejo ardente de igualdade. Logo após a Revolução, a equipa de futebol profissional foi extinta. José Freixo recorda a criação apressada do Clube Académico.

São etapas de um processo de transformação na sociedade portuguesa. Mas nunca deixou de haver futebol.

Dias após o 25 de abril, o arranque dos oitavos-de-final da Taça de Portugal. O Boavista goleou o Famalicão (5-1) num jogo que esteve garantido desde a primeira hora por Valentim Loureiro. Conta Acácio Casimiro.

«Havia receio de falta de policiamento, pela situação que se vivia, mas Valentim Loureiro garantiu desde logo que resolveria o assunto. Falou com Otelo Saraiva de Carvalho, com quem tinha estudado nos Pupilos do Exército, e no dia do jogo lá chegaram soldados para que o jogo se realizasse.»

O Belenenses de João Cardoso visitou o Estádio de Alvalade. O lateral esquerdo cumpria serviço militar mas foi dispensado após uma noite no quartel para disputar a Taça. O Sporting vinha de uma conturbada viagem a Magdeburgo.

Os leões jogaram a 24 de abril na Alemanha sem imaginar o que estava prestes a acontecer no seu país. Fernando Tomé falhou o golo «que mais gostava de ter marcado na carreira», o Sporting perdeu e foi afastado da final da Taça das Taças (2-1). Uma noite penosa e um despertar violento.

«Quando acordámos no dia 25, soubemos das notícias. No aeroporto, falaram-nos em milhares de mortos. Depois ficámos retidos na fronteira entre Espanha e Portugal, tivemos de passar lá a noite. Foi uma experiência inesquecível.»

(Imagem: camisola do Magdeburgo, enviada por Fernando Tomé)


A equipa onde pontificava Yazalde - falhou essa eliminatória - regressou finalmente a Portugal e bateu o Belenenses (2-1). Viria a conquistar a dobradinha, juntando campeonato e Taça numa das melhores épocas da sua história.

Numa reta final de campeonato com quatro equipas a lutar pelo título, o primeiro fim-de-semana de maio teve particular relevo. O V. Setúbal conservou o terceiro lugar ao empatar com o FC Porto (0-0). A Académica, que abriu as portas a militares, não conseguiu travar o líder Sporting (1-3) e, em Olhão, distribuíram-se cravos antes da histórica goleada do Benfica (1-7). Recorda Artur Amaral.

«O início do jogo foi muito bonito, com todos os jogadores a distribuíram cravos. Mas depois o jogo foi quente e houve confusão no final, o Toni até saiu numa carrinha connosco.»

O Benfica foi vice-campeão e o FC Porto terminou no quarto lugar, a um ponto do Vitória de Setúbal, o símbolo máximo de uma região.

Carlos Cardoso desabafa. «Naquela altura Setúbal era a quarta cidade do país. O distrito perdeu força e agora só resta praticamente o Vitória». Conhé (CUF) e Manuel Abrantes (Barreirense) partilham a visão. Amílcar Fonseca lamenta, por sua vez, a quebra do Oriental, do outro lado do rio.

O norte ganhou força no panorama futebolístico. «Começaram a perder força a indústria e os clubes da margem sul do Tejo, começaram a crescer outros como o Paços de Ferreira ou o Penafiel», lembra João Esteves (Leixões).

Nem tudo se explica pelo 25 de abril de 1974 mas nada foi como dantes. Os 16 ex-jogadores apresentam e desenvolvem as suas versões históricas, aplaudindo em uníssono o fim da maldita lei da opção. Uma lei que, muito provavelmente, impediria Romeu Silva (V. Guimarães) de passar por Benfica, FC Porto e Sporting ao longo da carreira.

Para Romeu Silva, essa foi uma vitória da Revolução. Outras, aparentemente pequenas e afastadas do futebol, também são saudadas com entusiasmo.

«Lembro-me de uma coisa simples como ir a um concerto do Zeca Afonso em Espinho com o Bernardino Pedroto, apenas porque gostávamos daquelas músicas, e termos de fugir à pressa porque apareceu a polícia. Aquilo era considerado uma afronta ao Governo. Tivemos de fugir a pé, pelo meio de nada, e só mais tarde fomos buscar o carro. Eram tempos complicados.»

Quer saber mais? Leia os outros artigos desta reportagem especial do Maisfutebol

 
Continue a ler esta notícia

Relacionados