«Queria jogar no Sporting, do Cristiano, mas fui ao FC Porto e apaixonei-me» - TVI

«Queria jogar no Sporting, do Cristiano, mas fui ao FC Porto e apaixonei-me»

Samir Badr (Facebook)

A aventura de Samir Badr no futebol português começou em Alcochete, mas foi na Invicta que se estabeleceu. As memórias com Jesualdo e Villas-Boas, o trabalho com Helton, Beto e Nuno, a reprimenda de Fredy Guarín

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Histórias deliciosas. Samir Badr abre a porta do balneário do FC Porto, versões 2009/10 e 2010/11, e revela alguma da intimidade dessas equipas dos azuis e brancos. Tudo a reboque do excelente projeto que tem nesta altura em Bucks County, Pensilvânia, e que já envolve 1500 candidatos a futebolistas.

O ex-guarda-redes norte-americano, agora com 29 anos, chegou a Portugal em 2009. Com quase 17. Destacou-se num jogo do DC United contra o Real Madrid e o empresário organizou alguns treinos à experiência no nosso país.

Antes de falar sobre o FC Porto, Samir confessa que o grande objetivo era seguir as pisadas do ídolo Cristiano Ronaldo e representar o Sporting. Não aconteceu por muito pouco. O coração apaixonou-se por um clube a 300 quilómetros de distância.

«Tinha 16 anos e fizemos um jogo contra o Real Madrid. Perdemos 1-0, com um golo do Álvaro Morata, mas fiz uma grande exibição. Tinha o sonho de jogar na Europa desde sempre, porque o futebol na MLS não era suficientemente bom. O meu agente disse-me que esse jogo me podia abrir portas», recorda Samir Badr.
 

A viagem para Portugal aconteceu pouco depois e o destino foi Alcochete. Mas por pouco tempo «Fui treinar ao Sporting, porque o meu ídolo sempre foi o Cristiano Ronaldo. Queria jogar lá. Treinei duas semanas, recebi um convite e o meu empresário disse-me para ter calma: ‘não te precipites, quero levar-te ao Norte para treinares no FC Porto’. Eu conhecia o Porto, o Sporting, o Benfica e o Sp. Braga, mas estava determinado a jogar na equipa onde começou o Cristiano.»

Samir seguiu com o agente para a Invicta e foi amor à primeira vista. «Fui pouco convencido para o FC Porto, confesso, mas mal cheguei fiquei encantado. O Luís Castro [coordenador da formação na altura] e o Rui Carvalho [dirigente] levaram-me ao Estádio do Dragão e aos balneários. Contaram-me tudo de forma detalhada, disseram o que esperavam de mim, mostraram-me os troféus. Três dias depois estava apaixonado pelo FC Porto e já não quis sair.»

«’Não vais durar seis meses aqui’, disse-me o Guarin»

Imaginem isto: um menino de 17 anos, recém-chegado dos EUA, sozinho no Porto e a trabalhar com os juniores. De repente, um telefonema: ‘amanhã vais treinar com a equipa principal’.

Samir junta-se a três pesos pesados: Helton, Beto e Nuno Espírito Santo. Os sonhos estavam todos lá, mas a disciplina não era o forte do adolescente americano. Teve de aprender depressa, como admite.

«Tínhamos de estar no balneário às oito horas, para o treino começar às nove. Eu cheguei às 7h50 e fui o último. No meu primeiro dia. Já lá estavam todos. O treino acabava às 11/11h30 e às 12h30 já tinha tomado banho e saído», conta Samir Badr, a sorrir.

«Eu sentava-me perto do Fredy Guarin e ao quarto dia ele veio ter comigo. ‘Pá, tens 17 anos e a maior oportunidade da tua vida. Este aqui – e apontou para o Falcao – é o melhor avançado da Europa e hoje chegou às seis da manhã. No final ainda vai para o ginásio. A malta já reparou toda que és o último a chegar e o primeiro a sair. É isso que queres?’ Disse-me aquilo com uma intensidade… ‘Não vais durar seis meses aqui’. Havia malta a chegar às cinco, às seis e às sete da manhã. Fiquei envergonhado.»

A adaptação ao profissionalismo e à alta competição foram difíceis. Samir sentia que treinava com atletas de qualidade muito superior e com vidas já estabilizadas, enquanto ele pensava no que os adolescentes pensam. Teve de procurar ajuda.

«O FC Porto tinha um psicólogo que se chamava dr. Ângelo. Um dia fui ter com ele e disse-lhe ‘doutor, estou a sentir isto e isto’. Sabe o que ele me disse? Não me levou para uma sala fechada. ‘Logo vens jantar a minha casa, com a minha família, e vamos falar sobre tudo o que quiseres’», recorda Samir Badr, bastante emocionado.

«Ele vivia em frente à praia e a minha consulta foi dada a ouvir o mar, na varanda dele. Nos EUA ninguém faria isto, as pessoas só fazem o estritamente necessário e profissional.»

«O que tive no FC Porto foi inacreditável. As pessoas eram incrivelmente amáveis», continua Samir, ainda capaz de dizer algumas palavras em português. «Vou dar um exemplo. Se alguém tiver um acidente aqui em Bucks County, os carros de trás buzinam e só querem ir embora. Na cidade do Porto havia sempre um carro a parar para ajudar. Isso aconteceu comigo.»

«Quando eu saía só estava um carro lá, o do André Villas-Boas»

Em três anos no FC Porto, Samir Badr viveu um pouco de tudo. Jogou pelos juniores, treinou com os seniores, chegou a ser convocado para alguns amigáveis e depois foi dispensado. O norte-americano esteve no banco, por exemplo, no jogo de apresentação aos adeptos em 2010, contra o Ajax.

«O Will Coort [treinador dos guarda-redes] treinou comigo a primeira vez e foi claro: ‘Tecnicamente não estás sequer perto do que é preciso para jogar no FC Porto. Mas, se quiseres muito, eu vou fazer de ti um guarda-redes suficientemente bom para isso’. Ele disse que nunca aceitava guarda-redes tão jovens, mas como eu vinha dos EUA e estava sozinho, acho que o Will teve alguma pena.»

Samir fala da «intensidade» de Jesualdo Ferreira e menciona o nome de antigos camaradas.

«Bruno Alves, Hulk, Guarin, Cristián Rodriguez. O Jesualdo falava de forma igual para todos, mais velhos ou mais novos. Os treinos eram muito bons.»

Com André Villas-Boas, Samir Badr trabalhou a época inteira e teve mais contacto. «Estava muito envergonhado no primeiro treino, porque diziam que o André era especial. E era. Tinha a capacidade de encaixar toda a gente no sítio certo. Todos os jogadores eram úteis, até eu me sentia útil e era o quarto guarda-redes.»

«James, Otamendi, Fucile, Álvaro Pereira, a equipa era fortíssima e uniu-se à volta do André. O mais impressionante foi mesmo a maneira como o André uniu o grupo. O FC Porto ganhou tudo nesse ano», sublinha Samir Badr, lembrando os títulos no campeonato, na Taça, na Supertaça e na Liga Europa.

Foi com André, de resto, que Samir se tornou «um profissional dedicado e exemplar». «Comecei a ser dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair. Quando eu saía já só estava um carro no parque de estacionamento. Era sempre o do André Villas-Boas. Ele era obcecado pelo trabalho.»

A saída de Villas-Boas e a subida de Vítor Pereira a treinador principal acabou com os sonhos de Samir Badr no Dragão. Rafael Bracali foi contratado, Kadú promovido e Samir acabou a treinar à parte, até aceitar o empréstimo a um clube egípcio.

«Fiquei três anos no FC Porto. Mas por mim teria ficado mais tempo. Não queria ter saído para o Egito e jogado depois nos EUA. Aconteceu. Mas trago comigo os meus dias em Portugal. Até na forma como bebo café. Se pudesse mudar isso, mudava. Fiz mal. Tenho raízes familiares lá e achei que ia jogar a um nível interessante. Devia ter esperado mais tempo. Percebi rapidamente que mudei para um mundo diferente e pior.»

«O Helton pegou nas minhas luvas e disse ‘isto é horrível’»

Em duas épocas nos seniores do FC Porto, Samir Badr trabalhou diariamente com nomes importantes da baliza. Helton, Beto, Nuno Espírito Santo e ainda o polaco Kieszek. O norte-americano aceita o desafio do Maisfutebol e analisa cada um deles.

«O Helton era como um pai e uma das melhores pessoas que conheci na vida. Todos os dias ele levava alguém a almoçar fora ou a cortar o cabelo. Lembro-me de ele vir ter comigo e perguntar-me assim: ‘estás a largar as bolas todas, porquê?’ Pegou nas minhas luvas e disse: ‘Isto é horrível, fica com as minhas’. Uau! Que diferença. Ele só se ria. Estava sempre bem disposto, não permitia que alguém estivesse em baixo ao lado dele.»

E Beto? «Era a segunda opção, mas treinava sempre a mil por cento. Não jogava há muito tempo e lembro-me de ele ser titular contra o Benfica e fazer uma grande exibição. A atitude dele era brilhante, era um campeão. Depois teve um percurso lindo no Sevilha.»

Nuno Espírito Santo fez a sua época a trabalhar ao lado de Samir Badr. «O Nuno era o mais velho e estava na parte final da carreira. Eu achava-o um génio. A forma como via o jogo e organizava a equipa na baliza era perfeita. Eu só queria atirar-me para o chão e o Nuno passou a dar-me dicas: ‘olha, quando a bola vier mais curta faz assim’. Era um tipo viciado nos detalhes, muito concentrado.»

Falta Pawel Kieszek, atual guarda-redes do Rio Ave. «O Kieszek era quem mais puxava por mim. Ele tinha um desejo incrível de jogar, queria estar onde eu também queria estar. Estava sempre a pegar comigo nos treinos, era muito competitivo.»

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