Leixões-FC Porto, tarde quente em 92: «Pensei que morria no Mar» - TVI

Leixões-FC Porto, tarde quente em 92: «Pensei que morria no Mar»

Estádio do Mar

Monteiro e Zé Carlos recordam ao Maisfutebol a última visita dos dragões a Matosinhos para a Taça de Portugal. Há facas, uma rede deitada abaixo e pedras no autocarro azul e branco

A tarde era quente, um maio a prometer verão. 12 mil almas enchiam o Mar, atmosfera de fervor religioso, leixonense e portista. Era a taça, senhores, meias-finais da temporada 1991/92, há quase 27 anos.

O FC Porto na vigência de Carlos Alberto Silva era uma equipa fortíssima. De combate, sim, mas também de arte. Obra e graça da dupla Domingos/Kostadinov, uma das melhores de sempre em Portugal.

Naquela quinta-feira, há quem falte ao trabalho, há quem faça gazeta à escola, há quem fuja à rotina da reforma no banco de jardim. O estádio enche para ver o Leixões-FC Porto, o último na Taça de Portugal em Matosinhos. Até agora.

Até este reencontro nos quartos-de-final, contexto semelhante. O FC Porto continua a ser campeão nacional, o Leixões volta a militar no escalão secundário.

Leixões, 1991/1992: Monteiro é o quarto a contar da esquerda (em baixo)

Em 1992 o herói chama-se Zé Carlos (recorde a entrevista no DESTINOS). Marca o primeiro golo dos dragões, faz um jogo imaculado e escapa do Mar sem um único ferimento.

Como? Pois então, é a rivalidade entre vizinhos, é a força leixonense a impor respeito. A partir do Rio de Janeiro, Zé Carlos recua quase três décadas com o Maisfutebol e volta a ter o dragão ao peito.

«O jogo foi muito tenso. Os problemas começaram quando o falecido Carlos Alberto Silva perdeu a cabeça e respondeu aos adeptos do Leixões. Ele estava há pouco tempo em Portugal e não sabia que eles eram tão fanáticos.»


 

Mas o que leva, afinal, o habitualmente taciturno Carlos Alberto Silva a destravar as estribeiras?

«O meu golo», responde, já todo sorrisos, Zé Carlos.

«É assim: o João Pinto cruza na direita e a defesa do Leixões sobe toda para me deixar em fora-de-jogo. Mas eu venho muito de trás e fico sozinho. Cabeceio forte e o guarda-redes [também José Carlos] já não tem hipóteses. Eles pediram posição irregular e foram para cima do árbitro [José Pratas].»

As imagens do resumo da RTP provam que Zé Carlos está certo. Tudo legal. «A partir daí foi aguentar o barulho do estádio, os berros do leixonense. Passaram a protestar por tudo, lembro-me até de uma rede atrás do nosso banco vir abaixo e muita gente com facas e paus. As coisas só acalmaram com o golaço do Domingos perto do fim», sublinha o antigo defesa central, cinco vezes campeão nacional de azul e branco vestido.

No meio-campo do Leixões está, nesse jogo, Manuel Monteiro. Apenas Monteiro, à época.

«É verdade, pensámos que o Zé Carlos estava em fora-de-jogo e ficámos doidos. Fomos para cima do bandeirinha. Só à noite, na televisão, vimos que tinha sido tudo legal.»

FICHA DE JOGO:

Estádio do Mar, 7 de maio de 1992
Árbitro: José Pratas

LEIXÕES: José Carlos; Mesquita, Jorge Costa, Denilson e Álvaro Magalhães; Rui, Tozé (Rui Teigão, 80) e Monteiro; Ricardo Lopes, Erasmo e Casimiro (Lay, 67).

Treinador: Manuel Barbosa

FC PORTO: Vítor Baía; João Pinto, Zé Carlos, Aloísio e Paulo Pereira; André; Jaime Magalhães (Tozé, 34), Rui Filipe e Jorge Couto; Domingos e Kostadinov (Semedo, 34).

Treinador: Carlos Alberto Silva

GOLOS: Zé Carlos (35) e Domingos (84)

 

Zé Carlos a celebrar um golo no FC Porto

FC PORTO NO ESTÁDIO DO MAR:

. Campeonato: 19 vitórias, 5 empates e 7 derrotas
. Taça de Portugal: 3 vitórias e 1 derrota

TOTAL: 22 vitórias, 5 empates e 8 derrotas

E no fim, tudo tranquilo? «No balneário, sim. No autocarro… bem, pensei que morria no Mar. Duas pedras atingiram os vidros e os estilhaços passaram muito perto de mim. Acho que ninguém se aleijou, mas fomos para as Antas em pânico.»

Zé Carlos fala de «muita paixão» no estádio leixonense, levada ao extremo pelos protestos no primeiro golo e a reação de Carlos Alberto Silva.

«A verdade é que tínhamos uma equipa fortíssima e aguentámos aquilo tudo. Se fosse outra equipa, tenho a certeza que acabaria por ceder à pressão da malta do Leixões.»

101 jogos, 25 golos no FC Porto, Zé Carlos sabe do que fala. «Atenção, nessa temporada fomos à final da taça e perdemos contra o Boavista. Passámos por tanto no Mar e acabámos sem o troféu. Foi pena, mas ganhámos muitas coisas.»

Para o Leixões, esse dia é inesquecível.

«Almoçámos no antigo restaurante Caraíbas, onde é agora um hipermercado em Matosinhos, e as televisões até fizeram diretos. Agora é normal, mas na altura parecia uma coisa do diabo», aponta Monteiro, talentoso esquerdino, jogador do clube entre 1991 e 1994, treinador da formação e seniores de 2012 a 2016.

«Dentro do campo os conflitos foram-se resolvendo. Preparámos bem o jogo, mas o Porto era extremamente forte. O meio-campo era feito de homens duros, como o André e o Rui Filipe, e a defesa era implacável. Mesmo assim tivemos algumas oportunidades: um livre do Denilson, um cabeceamento do Erasmo e um remate do Lay.»

O Leixões, garante Monteiro, só cai mesmo com o golo de Domingos. «Nós e a rede do estádio (risos). Até aí o jogo estava indefinido, podia ter caído para nós. Houve muita confusão, sim, mas não sabia que o autocarro deles tinha sido apedrejado.»

Leixões-FC Porto sempre foi, sempre será, um jogo para duros. Quente, provavelmente polémico, disputado até ao limite.

A última vitória dos bebés do Mar em casa, para todas as competições, ocorre em maio de 1974, nas primeiras semanas de democracia e liberdade: 2-0, golos de Horácio e Porfírio, com Tibi, outro histórico matosinhense, na baliza do FC Porto.

Daí para cá, oito receções ao vizinho FC Porto, com dois empates e seis derrotas. Mas isto é a Taça de Portugal, e falar de Leixões-Porto na taça implica lembrar a famosa final de 1961 nas Antas.

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