A festa 50 anos depois e o amuleto com o número 66 - TVI

A festa 50 anos depois e o amuleto com o número 66

Sp. Braga sai do Jamor com a Taça um ano depois da final dramática com o Sporting. Vencedor mudou pelo quinto ano consecutivo, mas tradição manteve-se junto ao Estádio Nacional

Foi só o tempo de estacionar o carro, calcorrear umas dezenas de metros e apresentarmo-nos a um grupo com cerca de 20 elementos com a prosa do costume: «Jornalistas do Maisfutebol, estamos a fazer uma reportagem sobre o ambiente da Taça. Têm cinco minutinhos...?» Não têm cinco minutos. Têm cerveja, gin, vinho e martini, carta que nos é sugerida por um dos membros desse grupo.

«Água? Isso não há», atira em tom de brincadeira o anfitrião, Jorge Gonçalves, batido nas festas da Taça há dez anos e com sete ou oito finais no currículo.

Logo ele que nem é do Sp. Braga nem do FC Porto. Este ano assiste à final sem os batimentos cardíacos alterados. Tranquilo, com paz de espírito e bem abastecido. «Trouxemos 250 minis, seis garrafas de vinho, martinis e gin. Comida? Uns dez quilos de carne, salsichas Frankfurt, batatas, salada, fruta, molhos. Veja lá que até temos antibacteriano para as mãos. Não falha nada», atira.

Neste grupo, maioritariamente composto por adeptos do Sp. Braga mas que também tem alguns elementos do FC Porto, reina a boa disposição. A operação de logística começou a ser montada na véspera. «Vim cá deixar a carrinha com as mesas e as cadeiras. Hoje de manhã tratámos do resto», conta Jorge Gonçalves enquanto vira carne no fogareiro para o batalhão. É muita gente, reconhece, mas nada como há dois anos, quando o Benfica venceu o Rio Ave por 1-0.

«Nessa altura éramos 50 pessoas, vim na véspera, dormi cá e já não consegui o meu spot, que é este. Foi uma loucura. Hoje vim às 07h30», diz.

Por ali está Romeu Maia Barbosa, 66 anos, e bracarense de coração. Põe os créditos na mesa para que ninguém duvide da paixão genuína pelos arsenalistas. «Sou o sócio 109 e fui médico do clube entre 1982 e 2002.»

Maia Barbosa folheia as páginas da história do Sp. Braga, numa viagem pelo tempo que o leva até há 50 anos. No dia 22 de maio de 1966 era um cachopo de 13 anos quando os minhotos venceram o V. Setúbal por 1-0 e ergueram o único troféu da prova rainha que tinham no palmarés até este domingo à tarde. «Foi um momento épico. Eram tempos em que era tudo diferente: o país, a cultura. Os acessos também eram outros Saímos de Braga às 4 da manhã e chegámos às 2 da tarde.»

A conversa desenrola-se numa zona com muitos adeptos no FC Porto. Pelo meio, duas ou três escaramuças entre adeptos rapidamente sanada pela polícia. «As pessoas têm a mania que podem fazer o que querem», dispara um adepto dos azuis e brancos.

Durante o dia a PSP procedeu a dez detenções: quatro por posse e deflagração de engenhos pirotécnicos, três por dano qualificado, dois por resistência e coação a agentes da autoridade e um por venda ilegal de ingressos», disse o Comissário Sérgio Soares em declarações à TVI.

Apesar de tudo, são gotas no meio de um oceano de festa e de cor, com muito fair-play à mistura. «Braaaaaaga», grita um grupo de adeptos do FC Porto perante o olhar impávido de alguns adeptos arsenalistas que retribuem com um tímido Porto. «Mesmo que fossem adeptos do Benfica corria tudo bem», diz um portista.

A cerca de três horas da final do Jamor há várias formas para passar o tempo até o apito inicial, marcado para as 17h15. Come-se e bebe-se (muuuuuito), mas há também quem jogue futebol numa PlayStation dentro de uma carrinha devidamente quitada e onde está instalado um LED gigante. Um pouco mais abaixo, no parque 2, situado na zona poente do Estádio Nacional, foi instalada na véspera uma espécie de discoteca ambulante que vai simulando o ambiente de um festival.

Há quem diga que o espírito da taça não é vivido com a mesma intensidade por adeptos de clubes do norte do país. Quase todas as pessoas com quem o Maisfutebol conversou ao longo da tarde reconheceram que não há festa como a do Jamor. Ainda assim, algumas defenderam que faria sentido que uma final entre duas equipas do norte não fosse realizada tão longe.

«Se são duas equipas do norte, porque é que não se organiza a final lá? Aveiro era uma boa solução. Por mim é bom aqui, mas isto obriga a que muitas pessoas façam muito quilómetros e torna-se dispendioso», justifica um adepto do Sp. Braga.

Tal como no ano passado, na final perdida contra o Sporting, a zona destinada aos arsenalistas foi a mesma de agora: parque 1, a sul do Estádio Nacional, onde a mata do Jamor parece menos mexida pela mão humana. Predomina o vermelho, mas à mesa misturam-se adeptos dos dois clubes: amigos e até desconhecidos que vão ganhando cumplicidade depois de dois dedos de conversa. Acontece o mesmo com o Maisfutebol. De repente, temos entre as mãos um copo de plástico com vinho verde. «É caseeeeeiro», dispara um adepto do Sp. Braga na casa dos 60 anos. «É da Quinta da Cadima, que nunca mais chega à barriga. Bebam mas é isso. Eu também gosto de moscatel de Setúbal, mas isto é diferente, não se deve beber quente», desafia-nos outro.

Por esta altura, as portas do estádio já abriram, mas ninguém neste grupo, com cerca de uma dezena de pessoas, parece muito preocupado com o jogo. «Já não vamos ver muito futebol», dispara com uma sonora gargalhada Joaquim Martins, também ele a torcer pelo Sp. Braga e no Jamor pelo segundo ano consecutivo. «Adoro este ambiente é o ambiente típico da taça. Saímos de Braga às 5 da manhã e ainda não parei de comer e beber», acrescenta enquanto acaricia a barriga, numa espécie de prova em como não está a mentir.

«No ano passado saímos daqui em lágrimas», recorda um adepto antes de ser interrompido no raciocínio. Isabel Couto, uma das duas mulheres responsáveis pela mesa farta onde há lugar para coelho, panados, rissóis e enchidos. «Este ano vamos ganhar e festejar até amanhã! Trabalho? Amanhã faltamos ao trabalho», diz bem-disposta.

Joaquim Martins tem uma teoria para a derrota frente ao Sporting no ano passado. «Viemos de carro e não ganhámos a p*** da taça porque ela não cabia. Este ano viemos de camioneta e já cabe. Vai ser nossa. Estou muito mais confiante do que contra o Sporting.»

O senhor Joaquim diz ter bases sólidas que sustentam a sua confiança. «Sabe qual é o número da nossa camioneta? É o 66. É o destino.»

Coisas do destino ou não, a verdade é que o Sp. Braga repetiu mesmo o feito de há 50 anos, também a 22 de maio. Ele há com cada coisa…

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