O herdeiro de Guardiola para quem o futebol é uma bola e um grupo de amigos - TVI

O herdeiro de Guardiola para quem o futebol é uma bola e um grupo de amigos

Xavi Hernández

Xavi é o novo treinador do Barcelona, o que justifica uma viagem pela vida, as ideias e as frases do homem que se tornou o símbolo de um estilo único: o estilo do grande Barça.

A bola.

No fundo, tudo na vida de Xavi gira em torno dela. Amiga inseparável de tantas histórias e tantas vitórias, para o novo treinador do Barcelona ela é tudo o que é preciso para se ser feliz.

«Para mim o futebol é uma bola, alguns amigos e vamos lá. Um joguinho, um meínho, fazemos uns passes. Na praia ou no jardim lá de casa, entre gargalhadas. Isso é o futebol», confessou em entrevista ao El País. «As crianças a trocar a bola no pátio de uma escola. Isso é o futebol.»

Para Xavi, o jogo não faz sentido sem a bola. Sempre foi assim, aliás: ele que se tornou um dos melhores médios da historia do futebol, precisamente pela forma como fazia a bola girar entre um e outros. Foi durante muitos anos o patrão do Barcelona de Guardiola, o protótipo de jogador inteligente, que dominava todos os conceitos de posicionamento, tempo e espaço.

«Como estimular a criatividade? Com meínhos. As pessoas ainda acham que os meínhos são uma coisa que fazemos para nos divertir. Não. É um exercício incrível. O jogador usa os dois pés, olha para a segunda linha, passa por dentro, atrai o seu adversário e aí, quando o adversário está a chegar perto... pum! Ele passa bola para o outro lado. Nunca acaba e permite infinitas variações.»

Por aqui já se percebe como ouvir Xavi a falar nos dá a impressão que estamos a estar a ouvir Cruijff. Ou Guardiola. O antigo médio, agora com 41 anos, é o príncipe herdeiro de um estilo que muitos têm tentado replicar, mas que faz mais sentido em Barcelona.

A bola, a posse e um futebol de ataque.

«Para mim é claro que a minha equipa tem de ter a bola. Eu sofro quando não estou em posse de bola. Já me acontecia quando era jogador e agora, que sou treinador, muito mais. Por isso faço tudo para dominar o jogo através da bola e da posse de bola», confessou ao The Coachs’ Voice.

«Sou um obcecado pela posse de bola. Quero atacar e provocar estragos no adversário.»

Sempre foi assim, aliás. Conta-se que quando era criança, já tinha uma inteligência a jogar que o distinguia dos outros miúdos. Começou a jogar num clube de bairro quando tinha cinco anos, ele que é natural de Terrassa, uma cidade de dez mil habitantes a trinta quilómetros de Barcelona.

Um dia, quando jogava no bairro, e enquanto as outras crianças corriam todas atrás da bola, como é normal, Xavi deixava-se ficar no centro do terreno. Quando o pai, que também foi jogador em clubes como Sabadell, o Reus e o Girona, lhe perguntou porque não corria para o ataque como os outros, o miúdo respondeu que se ele não estivesse ali, a bola não chegava lá à frente.

Por isso, aos onze anos o pai levou-o às captações no Barcelona. Joaquín Hernández ficou dentro do carro à espera que o treino acabasse, mas antes ainda disse algo que Xavi nunca esqueceu.

«De dentro do carro disse-me: ‘Abre bem os olhos e aprende, porque essa oportunidade não está ao alcance de todos.’ Foi isso que eu fiz: aprender, aprender e aprender. Ensinaram-me a jogar e a ser um homem. Devo tudo ao Barça. E fui muito feliz. Nunca imaginei que fosse tão feliz.»

No final desse treino, Xavi foi escolhido para ficar e começou a fazer todos os dias os trinta quilómetros que separam Terrassa de Barcelona de comboio, para ir treinar.

Curiosamente não disse a ninguém na escola que estava a jogar no Barça e nem sequer andava com a roupa do clube na rua para não chamar a atenção das pessoas.

«Não queria ser olhado de forma diferente. Eu sabia que não iria mudar, mas estava com medo que as pessoas dissessem ‘olha, este aqui assinou pelo Barça, ele agora é um porreiro’.»

Acabou por tornar-se a imagem do Barcelona, mas antes disso aprendeu muito com Guardiola, por exemplo, ao lado de quem calhou sentar-se no primeiro dia em que entrou no balneário da equipa principal. É impossível aliás não ver as semelhanças entre ambos: dois médios defensivos, que não eram fortes, nem rápidos, nem tecnicistas, mas que dominavam o jogo através de uma inteligência sublime, capacidade de passe e grande visão de jogo. Saíram da formação do clube e saltaram para a equipa principal, onde se impuseram como líderes, em duas equipas que ficaram para a história.

Saíram já veteranos e ambos passaram pelo Qatar no final da carreira. Regressaram ao clube para o treinar, sendo que Guardiola começou pela equipa B e Xavi voltou para a equipa principal.

Ambos defendem até à morte a posse de bola e um jogo ofensivo, tendo-se tornado os dois o emblema de um estilo singular, ímpar e particular, que fez as delícias dos adeptos durante anos.

«Quando Guardiola chegou, tinha uma proposta do Bayern Munique e estava preparado para ir embora. Ele veio e disse-me: ‘Xavi, não consigo imaginar a equipa sem ti, impossível.’ E eu: ‘Tudo bem, eu fico.’ Foi incrível. Talvez porque víamos as coisas da mesma forma e entendamos o jogo de maneira idêntica. Mas aqueles anos de Pep foram uma conspiração das estrelas.»

A partir daí começou um conto de fadas e Xavi foi mais feliz do que nunca.

Ele que, curiosamente, esteve perto de sair do clube quando ainda era jogador da equipa B. Nessa altura o Milan fez-lhe uma proposta que era capaz de dar a volta à cabeça de qualquer um: ofereciam-lhe 1,5 milhões de euros ao longo de cinco anos. Xavi pensou em ir, a família queria que ele fosse, mas a mãe Maria Mercé obrigou-o a rejeitar a proposta milionária.

«É a única pessoa que conheço que é mais barcelonista do que eu.»

Desde então tornou-se uma lenda e um jogador irrepetível. Um craque de destaque na história do futebol. Jogador com mais jogos oficiais pelo Barcelona, jogador com mais internacionalizações por Espanha e segundo jogador espanhol com mais títulos, só atrás de Andrés Iniesta.

A história, porém, ainda está longe de acabar.

Foi sempre olhado como o sucessor de Guardiola e continua a sê-lo. Nada que o aborreça muito.

«Ele sempre me disse para não dar atenção a isso, mas claro... Foi uma pressão crescer ao seu lado. Mas ele não tem culpa, sempre me tratou super bem.»

No Qatar, ao serviço do Al Sadd, acabou a carreira de jogador, quando era treinado por Jesualdo Ferreira, e iniciou a de treinador. De imediato começou uma mudança na equipa, imprimindo-lhe os conceitos que defendia e que se confundem com a identidade do Barça: posse, jogo curto, pressão alta e futebol de ataque. Foi duas vezes campeão, ganhou duas Taças e duas Supertaças.

Mais uma vez, as comparações com Guardiola são inevitáveis, mas Xavi não se importa. Afinal de contas este jogo, o jogo do Barcelona é o que ele é em todas as suas células.

«Há duas formas de jogar: com um jogo físico e direto, ou com toque de bola e associação. Ambas são válidas e pode ganhar-se das duas maneiras. É um debate que durará toda a vida. Mas eu gosto de tocar, receber, elaborar, estar mais em contacto com a bola. Acho mais divertido e as pessoas geralmente gostam mais. Prefiro divertir-me e divertir. É uma questão de gostos.»

Lá está, a bola. Sempre a bola.

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