Siamesas unidas pelo crânio separadas após cirurgia de 55 horas - TVI

Siamesas unidas pelo crânio separadas após cirurgia de 55 horas

  • AG
  • 16 jul 2019, 17:57

Procedimento de separação das meninas, nascidas em 2017, reuniu cerca de 100 médicos

Quando, a 7 de janeiro de 2017, Zainab Bibi deu à luz, tudo correu como esperado. Uma cesariana normal no hospital de Peshawar, no Paquistão. Seria um processo ainda mais comum para a cidadã paquistanesa, que já tinha tido sete filhos. Depois do parto, Zainab Bibi foi informada que passava a ter mais duas filhas e que ambas as crianças tinham nascido saudáveis. Foi Mohammad Hussain, avô das meninas, o primeiro a saber que algo não teria corrido bem. As recém-nascidas apresentavam algo que é conhecido como craniopagus, uma variação de crianças siamesas, que no caso se apresentam unidas pelo crânio.

As gémeas viriam a ser separadas e a cirurgia ocorreu em fevereiro deste ano, mas os detalhes só agora foram revelados, após ter sido dada alta às gémeas. A BBC teve acesso exclusivo a vários momentos da cirurgia e falou com a mãe, que recorda os primeiros momentos com as filhas: 

Elas eram muito bonitas e tinham um bonito cabelo com a pele branca. Nem sequer pensei no facto de estarem pegadas. São uma dádiva de Deus.”

Mais de dois anos e meio depois, Marwa e Safa foram submetidas a uma complexa cirurgia, que se revelou um sucesso. Numa operação que durou cerca de 55 horas e que contou com 100 médicos, os crânios das gémeas foram cuidadosamente separados. O processo envolveu uma grande equipa médica, que teve em conta todas as vicissitudes da ligação craniana, nomeadamente o sistema vascular.

A esperança após as recusas

Quando a hipótese da separação se colocou, um dos primeiros hospitais a ser contactado afirmou que havia uma grande probabilidade de uma das meninas morrer. Zainab Bibi não se conformou e procurou uma segunda opinião. É então que surge Owase Jeelani, um pediatra neurocirurgião também nascido no Paquistão, que enfrentou uma batalha legal e monetária para realizar a operação, até porque acreditava que era possível realizar a operação.

Elas apareceram no princípio de agosto e nessa altura só tínhamos uma parte do dinheiro que precisávamos. As crianças estavam aqui e eu devo dizer que estava muito stressado. A este ponto senti uma responsabilidade pessoal”, disse Owase Jeelani

O procedimento decorreria no hospital onde Owase Jeelani trabalhava, o Great Ormond Street Hospital (GOSH), em Londres, uma unidade conhecida por ser “um dos poucos hospitais do mundo a ter a infraestrutura, as capacidades e a equipa para realizer uma das operações mais desafiantes da medicina – separar dois gémeos craniopagus, conforme diz o website da instituição hospitalar.

As gémeas chegaram à capital inglesa em outubro de 2018, após várias reuniões entre os responsáveis dos hospitais de Londres e Peshawar. Seguiram-se quatro meses de preparação da separação, incluindo uma equipa composta por médicos de múltiplas áreas, desde neurologia à reconstrução facial, da psicologia à fisioterapia.

Foram ainda utilizadas várias tecnologias de ponta, nomeadamente o 3D e a realidade virtual, que serviram para a criação de moldes de plástico, onde os cirurgiões puderam praticar.

O GOSH explica detalhadamente como realizou este processo.

A primeira fase da operação ocorreu em outubro de 2018 e exigiu uma remoção de três largos segmentos de crânio, que voltaram a ser recolocados com o auxílio de peças de metal e de parafusos. A seguinte preocupação dos médicos foram as artérias cerebrais partilhadas pelas crianças, uma vez que o sistema vascular comum faz com que grande parte do sangue destes siameses seja partilhado. O processo passou pela utilização de uma breve separação das artérias, depois de estas serem cuidadosamente fechadas. Aqui os médicos utilizaram uma espécie de alargador de tecidos, que permite que a pele estique através da injeção de soro fisiológico.

O responsável pelo processo foi Owase Jeelani e David Dunaway foi o médico encarregado por toda a parte de reconstrução facial e craniana. O médico inglês disse à sua equipa antes da operação que “tudo foi preparado ao mais ínfimo pormenor, ensaiámos várias vezes, mas este é o momento da verdade e tudo tem de ser perfeito”.

Mas eles foram apenas os comandantes. O hospital publicou um vídeo onde deu a conhecer a equipa responsável por todo o processo.

 

Momentos críticos

Embora tudo tenha acabado bem, ambas as crianças estiveram em estado crítico ao longo do processo. Para resolver um ataque cardíaco de Marwa, os médicos optaram pela união momentânea de duas veias cerebrais que as gémeas partilhavam, o que provocou um acidente vascular cerebral a Safa, menos de 12 horas depois.

O complicado procedimento acabou por ser um sucesso e a família vive agora em Londres, numa casa que junta Zainab Bibi, os seus nove filhos e o avô das crianças, pai do marido de Zainab Bibi, que morreu enquanto a mulher estava grávida.

Estamos em dívida para com o hospital e o staff, e queremos agradecer-lhes por tudo o que fizeram”, referiu a mãe das crianças.

 

A mãe usufrui agora de momentos com as filhas, já separadas e recorda que as personalidades das crianças sempre foram diferentes: "A Safa é espera, feliz e fala muito. A Marwa é envergonhada. Quando falamos com ela nunca responde.”

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