As melhores histórias de um clube que nasceu de um conto de fadas - TVI

As melhores histórias de um clube que nasceu de um conto de fadas

Salgueiros

O Salgueiros foi fundado há precisamente 110 anos: três adolescentes, sob a luz de um candeeiro na Rua da Constituição, lançaram as bases de um dos clubes mais populares do país.

Fez esta quarta-feira, dia 8 de dezembro, 110 anos que o Salgueiros foi fundado. Nasceu da carolice de Joaninha, Jorginho e Henrique Medina, três rapazes que tinham entre 10 e 13 anos, e se reuniam no cruzamento das Rua da Constituição com a Rua Particular de Salgueiros, debaixo do candeeiro 1047. Ali ao lado da Fábrica de Salgueiros, uma indústria de produção têxtil onde foram buscar os primeiros sócios. No início eram vinte e cada um pagava uma cota mensal de um vintém.

O Salgueiros nasceu assim pobre, muito pobre, e teve sempre a base social na classe proletária. Durante décadas foi o segundo clube do Porto, com mais sócios até do que o Boavista.

Depois de uma grave crise que lhe levou tudo, o Salgueiros renasceu outra vez pela carolice das pessoas. Recuperou o nome, o símbolo, o hino. Hoje voltou a ter uma sede, no Amial, voltou à cidade do Porto, jogando no Campo do Bairro do Cerco, e voltou a ser popular, tornando-se o clube com mais jogadores inscritos na Associação de Futebol do Porto.

Está de parabéns, e para o celebrar contamos onze histórias. Onze grandes histórias, de um clube que nasceu de um conto de fadas e já perdeu tudo, mesmo tudo. Menos a alma.

1. Nome e símbolo recuperados... em hasta pública

A insolvência retirou tudo ao Salgueiros. Até o nome e o símbolo. O clube passou a chamar-se Sport Clube Salgueiros 08 e a usar o símbolo de uma Fénix renascida. «Um dos nossos objetivos sempre foi recuperar o nome e o símbolo. Sendo que o mais importante era mesmo o nome do Salgueiros», conta o presidente Gil Almeida. «O administrador da massa insolvente colocou em hasta pública o nome, o símbolo e a morada do site da internet. Tornou-se uma oportunidade única de recuperar essas marcas históricas. Fizemos então uma proposta por carta fechada.» Como ninguém queria comprar o nome e o símbolo de um clube, foi a única proposta apresentada: e assim o Salgueiros voltou a ser Sport Comércio e Salgueiros.

2. O número de telefone mais antigo da cidade do Porto

22 200 00 04. O número do Salgueiros já foi 00 00 04, já foi 200 00 04 e agora, desde que todos os números ganharam o indicativo municipal, passou a ser 22 200 00 04. Nesta altura é o mais antigo da cidade do Porto, desde que os três números de telefone que surgiram primeiro já desapareceram. O do Salgueiros, esse, foi passando de sede administrativa em sede administrativa, permanecendo sempre o mesmo, até que com a insolvência do clube passou para uma sala no Bingo, onde ficou temporariamente a sede do clube, desde que perdeu o edifício na Rua Álvares Cabral. «Mesmo durante a insolvência nunca deixámos de pagar a fatura telefónica, pelo que nuna perdemos o número», conta o presidente Gil Almeida. Hoje este número ainda toca no bingo.

3. Fundado por três adolescentes debaixo do candeeiro 1047

O Salgueiros foi fundado a 8 de dezembro de 2011, na sequência de vários encontros e conversas entre três adolescentes que reuniam debaixo do candeeiro 1047, no cruzamento da Rua da Constituição com a Rua de Salgueiros. O historiador José Pedro Reis, que fez uma grande recolha de dados históricos sobre o Salgueiros, diz que é normal que assim fosse, porque naquela época não havia muitos locais iluminados. Mas acrescenta que três miúdos não tinham meios para fundar um clube, pelo que contaram com o apoio de operários da Fábrica de Salgueiros, uma fábrica têxtil na zona da Lapa. «Os miúdos acabam por ser os mais entusiastas e acabaram por impulsionar a fundação do Salgueiros», refere, adiantando que rapidamente se tornou um clube popular.

4. Primeira bola comprada com dinheiro das Janeiras

O Salgueiros quando nasceu, fundado por três adolescentes com o apoio de alguns operários, era naturalmente um clube muito pobre. Faltava-lhe tudo. Por isso começou a jogar com bolas de pano e apenas um jogador é que tinha botas. O clube precisava de uma bola de couro e encontrou uma forma de criativa de juntar o dinheiro necessário: a cantar as Janeiras. «Somos homens do Porto, somos homens de talento, tudo quanto estiver torto, endireitamos com cimento», cantavam os fundadores de porta em porta pelas ruas do Porto. Conclusão: juntaram 2 860 reis. «Deu para comprar uma bola, botas para todos os jogadores e ainda alugaram um terreno», refere José Pedro Reis, adiantando que a compra foi feita no Armazém Hermínios, na Baixa do Porto. Mais tarde, em 1941, o Salgueiros voltou a fazer uma subscrição para comprar... uma bola de andebol.

5. Estreia europeia de um tal de... Zinedine Zidane

A história do Salgueiros é tão rica que até mete um tal de Zinedine Zidane. Aquele que é um dos melhores jogadores da história do futebol só não se estreou no Estádio Vidal Pinheiro, a 19 de setembro d 1991, porque o velhinho recinto em Paranhos não foi aceite pela UEFA, acabando o jogo transferido para o Estádio do Bessa. Então com 19 anos e bem mais cabelo, Zidane jogou os noventa minutos nas duas partidas da primeira eliminatória da Taça UEFA, o Salgueiros venceu em casa por 1-0, com um golo de Jorge Plácido, o Cannes venceu em casa também por 1-0, golo de Omam-Biyik, num jogo em que Pedrosa foi expulso e os franceses venceram nos penáltis: Jorge Plácido e Rui Alberto falharam da marca de onze metros e o Salgueiros acabou eliminado.

6. A única porta aberta ao General Norton de Matos

No dia 9 de janeiro de 1949, o Salgueiros deu uma prova inequívoca dos princípios nobres que faziam parte do código genético do clube e abriu portas ao comício do General Norton de Matos: opositor à ditadura de Salazar e candidato à Presidência da República contra o Marechal Carmona. Por influência de Vidal Pinheiro, também ele um opositor de sempre ao regime fascista, o Salgueiros foi a única organização que aceitou receber o comício do candidato da oposição, tendo acolhido milhares de pessoas, numa clara demonstração de oposição à ditadura. Norton de Matos perdeu as eleições, claro, mas para a história ficou aquela manifestação do povo. Depois disso, Salazar proibiu mais comícios em estádios e o Salgueiros deixou de receber apoios estatais.

7. Equipamentos vermelhos por influência do Benfica

Durante alguns anos, o Salgueiros joga com um equipamento branco. «Porquê? Porque os tecidos eram originalmente brancos e o tingimento tinha custos. Por isso os clubes mais pobres normalmente jogavam de branco para poupar o custo do tingimento», conta José Pedro Reis. «O vermelho do Salgueiros só surge depois de um FC Porto-Benfica, jogado no Campo da Constituição, possivelmente em 1913, que o Benfica ganhou e que o fundador Joaninha vai ver. Ele fica inspirado pela equipa do Benfica, que jogou muito bem e teve um comportamento exemplar, acabando por convencer os outros a tingir as camisolas de vermelho.» Calcula-se que tenha sido também Joaninha que criou o emblema do Salgueiros, que Medina desenhou.

8. A pele do Salgueiros no rival Boavista

O Salgueiros passa um mau momento entre 1917 e 1919. A equipa jogava nessa altura no campo do Boavista, que não lhe renovou o aluguer. Há especulação de que isso aconteceu porque o FC Porto se sentiu ameaçado: o Salgueiros que tinha enorme base popular, até já tinha sido campeão do Porto em 1917. A equipa ficou então sem campo e parou de jogar futebol durante dois anos. Vários jogadores saíram para outros clubes. Um deles é Machado, que foi para o Boavista. Conta-se que no primeiro jogo pelo novo clube, o jogador vestiu a camisola do Salgueiros por debaixo da camisola do Boavista, o que não agradou a um diretor axadrezado. Foi então que Machado justificou que a camisola do Boavista era a que ia mostrar ao público, mas a do Salgueiros é que estava junto do coração.

9. Campo Vidal Pinheiro construído pela mão de obra dos sócios

O primeiro campo propriedade do Salgueiros acabou por ser o único que teve toda a vida. O Campo Engenheiro Vidal Pinheiro. Foi inaugurado em maio de 1932 e inicialmente chamava-se Campo Augusto Leça, que era o nome da rua onde foi contruído. Só mais tarde passou a Vidal Pinheiro, em homenagem ao homem que cedeu os terrenos do estádio e sempre foi um grande entusiasta do clube. Vidal Pinheiro, natural do Bonfim, vinha de uma família com posses e cedeu então através de um contrato de arrendamento por 16 anos um terreno, na freguesia de Paranhos, onde tinha um campo de milho. O mais curioso é que foram os sócios que construíram o estádio, para o clube não gastar dinheiro com mão de obra. «A construção da bancada foi feita com madeira que vinha do antigo Estádio do Covelo», esclarece José Pedro Reis.

10. O clube que introduziu o basebol em Portugal

O Salgueiros sempre se evidenciou por dois aspetos: por ser um clube muito popular entre as classes mais baixas e por ser um clube muito eclético. Nesse sentido, e segunda conta o historiador José Pedro Reis, o Salgueiros fez uma experiência em 1934 e introduziu em Portugal o basebol. «No início a modalidade tinha vários clubes inscritos, entre eles o Salgueiros, claro, mas também o FC Porto, o Varzim e o Académico. O campeonato chegou a ter três séries. Mas foi uma experiência efémera.» O basebol não ficou no desporto nacional, mas o ecletismo continuou a dar grande vida ao Salgueiros, clube que foi forte em modalidades como o andebol e o polo aquático.

11. Um dos primeiros jogadores profissionais jogou no Salgueiros

Chamava-se Alberto Augusto, ficou conhecido como Batatinha, nasceu em Lisboa e brilhou no Benfica. Foi dele, aliás, o primeiro golo da Seleção Nacional: em Madrid, numa derrota por 3-1 com a Espanha, Alberto Augusto fez de penálti o primeiro golo da história da Seleção. Foi contratado pelo V. Setúbal para uma digressão ao Brasil e brilhou tanto que não voltou: jogou no América, do Rio de Janeiro, no Santos e no São Paulo. Nessa altura tornou-se um dos primeiros jogadores profissionais. Quando regressou a Portugal, assinou pelo Sp. Braga, onde continuou a ter um salário e a ser profissional. Acabou por ser contratado pelo Salgueiros, numa transferência que na altura deu muito que falar na cidade do Porto, ao ser intercetado pelo diretor José Magalhães no porto de Leixões: jogou então três anos no Salgueiros, na qualidade de jogador/treinador.

 

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