«Quando estava no Sp. Braga ofereci 500 mil euros ao Flamengo pelo Vinícius» - TVI

«Quando estava no Sp. Braga ofereci 500 mil euros ao Flamengo pelo Vinícius»

Parte IV do diálogo com o chief-scout do Shakhtar Donetsk, José Boto, e com o antigo scout do Sp. Braga e atual diretor desportivo do Estoril, Pedro Alves

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O Maisfutebol juntou Pedro Alves, antigo scout do Sp. Braga e atual diretor desportivo do Estoril, e José Boto, que passou pelo Benfica antes de aceitar o convite do Shakhtar Donetsk para ser chief-scout do clube e conselheiro do presidente, para falarem sobre scouting durante mais de duas horas.

No entanto, o início da conversa teve como tema pratos favoritos e restaurantes na zona de Lisboa. Por fim, entrámos no mundo do scouting: o que é preciso para ser scout, a falsa questão dos perfis de jogadores, a ligação entre a figura do diretor desportivo e o departamento de scouting, e algumas histórias incríveis. 

Episódios caricatos e relatos de contratações falhadas como foram as de Vinícius Júnior e Emre Mor para o Sp. Braga.

Sabe quando três pessoas se juntam para falar sobre o que gostam? Foi assim. O jornalista deixou a conversa fluir.

Nota: pode ler as outras partes da conversa nos artigos relacionados.


MF: Antes de terminarmos, gostava de saber quais as histórias que vos ficaram na memória enquanto scouts. 

Pedro Alves: Tenho uma história de insucesso e outra que me deu um gozo tremendo, não pelo jogador ser fabuloso, mas pelo processo. A primeira é de 2016. Fui ao torneio do Ipiranga, que o Zé também conhece muito bem, em Porto Alegre. Os clubes preparam a copinha com as equipas de sub-20. Era o meu segundo ano com scout do Sp. Braga e havia aquela paixão de querer ir a todo lado. Cheguei lá com o meu livrozinho, nunca tinha visto equipas como Corinthians ou Flamengo, o meu mundo eram os clubes da Série B. De repente, entrou uma criança e apercebi-me de que tinha 17 anos. O menino arrancava, tinha uma velocidade… rebentou com aquilo tudo. Liguei logo ao António Salvador e disse-lhe: 'Presidente, está aqui um miúdo para contratar’. E ele perguntou-me quem e eu respondi-lhe: ‘Vinícius Júnior’. Liguei também ao Fonseca, enfim, liguei a toda a gente. O presidente perguntou-me por quanto poderíamos fechar o negócio e eu disse-lhe 500 mil euros. Fiz uma proposta de 500 mil euros diretamente ao Flamengo e ao agente do Vinícius. Em 2017, há o sul-americano e ele já era o craque, explodiu e foi vendido por 45M ao Real Madrid Ainda hoje o Flamengo não me respondeu. Passei a maior vergonha da minha vida (risos). Fiz uma proposta que nem para o café dava. Isto é um exemplo de como é importante conhecer o mercado.

José Boto: Tinha muitas histórias para contar desse género, mas isso depois... Às vezes, é difícil convencer as pessoas a pagarem dez ou 15 milhões por um jogador de 16 anos. Tenho histórias giras do que é a profissão de scout. Havia um jogador sobre o qual tínhamos de tomar a decisão de contratar ou não rapidamente. Já conhecia o jogador, mas havia questões que queria ver ao vivo para tirar dúvidas. Cada vez que o presidente me ligava perguntava-me se já tinha tomado a decisão e eu pedi-lhe para ir ver o jogador. O jogo que ele ia fazer era em Nantes e na altura, não havia voos diretos. Viajei para Paris, aluguei um carro e conduzi 300 quilómetros na neve. Cheguei ao estádio e deram-me a ficha de jogo e vi que o jogador ia jogar. Fui tomar um cafezinho com a malta no lounge enquanto aqueciam. Voltei para o meu lugar já com as equipas a entrarem em campo e não vi o jogador. ‘Então ele aparece na ficha de jogo e não está ali?’. Tinha-se lesionado no aquecimento (risos). Tinha ido lá de propósito... Uma viagem muito longa e voltei para trás com o homem a dar-me na cabeça.

Pedro Alves: Tenho uma história parecida, por acaso. No Sp. Braga fazíamos muito futebol nacional e apenas quando era para fechar alguma coisa, é que viajávamos para fora. Liga-me o presidente e diz-me: ‘Há um central dinamarquês, o Maxso [Andreas Maxsø], vai aos jogos Olímpicos e está em final de contrato. Vai lá vê-lo que o Benfica vai fechar o jogador.’ Pediu-me para ligar à Paula, a senhora responsável pelas viagens, e arrancar. Há situações que na altura não compreendia e que agora já compreendo: o jogador estava praticamente fechado. Só faltava o nosso ‘sim’. Segui para a Dinamarca em fevereiro e estava um frio… Não lido bem com o frio. Comecei a beber o meu chazinho e a ver o jogo e lá estava o defesa com 1,90 cm. Ao fim de 25 minutos, percebi que nem na equipa B jogava. Comecei foi ver um baixinho da minha altura: ‘pum, pum, pum. Ui, que jogador é este?’ Era o Emre Mor. Estava no Nordsjaelland, que no final do Europeu desse ano, foi contratado pelo Borussia Dortmund. Fizemos uma proposta pelo jogador e não fechámos por 500 mil euros. Fui ver um e acabei por apaixonar-me por outro jogador. 

José Boto: Trabalhar com gente super-ativa e isso dá-nos uma bagagem enorme. Tens de trabalhar ao ritmo dos presidentes e às horas que eles querem. São pessoas que têm outras atividades e mesmo dentro do clube, têm muito que fazer. Temos de entender que só por volta das 2h da manhã é que estão mais tranquilos. Se perguntares à minha mulher, claro que ela não acha muita piada. Choviam telefonemas a toda a hora. Os 12 anos a trabalhar com o Luís Filipe Vieira foram um ensinamento quase de vida para mim. Só assim podes trabalhar a top sem ter as condições dos clubes de topo. Agradeço-lhe por isso.

Mas tem aí uma história para contar.

José Boto:
Sim. Na Europa consegues ver um jogo na Holanda, outro na Bélgica e na Alemanha num fim de semana. Não são grandes distâncias, mas implica ter de mudar de hotel todas as noites. Repetes este ritual 200 dias por ano, às tantas já nem sabes onde estás. Esta história é muito gira, mas na altura não teve muita piada (risos). Deixei a Holanda para ir ver um jogo na Alemanha. Fui ao hotel, fiz o «check-in» e fui para o estádio. Depois do jogo, fui jantar e só cheguei ao hotel por volta da uma da manhã. Dirigi-me ao número do quarto do dia anterior. Meti a chave e nada. Acho que até cheguei a dar um pontapé na porta de tão chateado que estava com a situação. Entretanto, aparece um tipo de pijama, a querer bater-me e a achar que estava com os copos. Pedi-lhe desculpa, mas ele não falava inglês... Foi uma confusão enorme. Hoje rio-me, mas na altura... Ele era entroncado (risos). 


 


 

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