Televisões e produtoras defendem cinema "que não olhe público como um estorvo" - TVI

Televisões e produtoras defendem cinema "que não olhe público como um estorvo"

  • Redação
  • Notícia corrigida às 23:07
  • 16 fev 2017, 20:09

Alguns membros da Secção Especializada para o Cinema e Audiovisual salientam que a SECA tem legitimidade para nomear júri que decide apoios ao cinema. E lembram que a lei assim o prevê

Com a nova legislação do Cinema e do Audiovisual ainda em processo de aprovação, nove elementos da SECA - que reúne as principais estações portuguesas de televisão e associações de produtoras de audiovisuais - subscrevem um documento em defesa do papel desse órgão, nos concursos de apoio ao cinema. Esta posição surge face a críticas de um grupo de realizadores de cinema, que chegaram a promover um protesto no recente festival de Berlim.

Em causa estão as alterações legislativas em curso, mas sobretudo a nomeação do júri que, no Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), escolhe quais os projetos dignos de apoios e subsídios.

Contra a posição expressa por alguns contestatários, os nove elementos da SECA vêm em comunicado lembrar que lhe "devia caber, desde 2013, nos termos da lei, a aprovação dos membros dos júris dos concursos de apoio financeiro organizados e atribuídos pelo ICA para a produção, distribuição e exibição de obras cinematográficas e audiovisuais".

A SECA é, na actual arquitectura institucional do sector, o órgão mais representativo do cinema e audiovisual, onde figuram todas as sensibilidades, orientações e tendências de um sector complexo", salienta o comunicado, subscrito pelas mais importantes estações de televisão e associações de produtores, bem como pelos realizadores José Carlos Oliveira e António-Pedro Vasconcelos.

Sobre a recente carta de protesto endereçada ao ministro por alguns realizadores, o comunicado salienta que "os signatários estão longe de ser representativos de todo o sector", o que os terá levado a suprir "esse défice de representatividade nacional, pela convocação de um sem número de pessoas que pouco ou nada têm a ver com o sector e de figuras internacionais, distanciadas do conhecimento detalhado dos reais problemas que o sector atravessa em Portugal".

Considerando ter toda a legitimidade para continuar a participar ativamente na escolha do júri que decide os apoios ao cinema no seio do ICA, os membros da SECA criticam os contestatários, considerando que as suas posições inviabilizam o "caminho de procura de sustentabilidade" para o cinema.

O que se extrai desta artificial indignação é que os signatários de tal carta parecem pretender impedir que se possa afirmar um outro cinema, que não olhe para o público como um estorvo ou um incómodo, mas antes como algo que se procura alcançar, um cinema que possa vir a atingir progressiva mas decididamente as médias europeias", salienta o comunicado, que abaixo se transcreve.

 

Em defesa da SECA

A Secção Especializada para o Cinema e Audiovisual é uma secção do Conselho Nacional de Cultura que conta com representantes de todas as áreas do cinema e audiovisual. Figuram, entre o elenco dos seus 18 a 24 membros, representantes de 3 instituições públicas, dos produtores de cinema, animação e televisão, dos realizadores, dos técnicos, dos argumentistas, dos exibidores, dos distribuidores de cinema e audiovisual, de operadores de televisão e dos distribuidores de televisão.

É a este órgão que devia caber desde 2013, nos termos da lei, a aprovação dos membros dos júris dos concursos de apoio financeiro organizados e atribuídos pelo ICA para a produção, distribuição e exibição de obras cinematográficas e audiovisuais, membros esses a escolher pela SECA de entre “personalidades com reconhecido currículo, capacidade, idoneidade […], manifesto mérito cultural e competência”.

Percebe-se que assim deva ser: a SECA é, na actual arquitectura institucional do sector, o órgão mais representativo do cinema e audiovisual, onde figuram todas as sensibilidades, orientações e tendências de um sector complexo. A opção de sediar tal competência na SECA permite assegurar a absoluta transparência e rigor do processo de selecção — preservando deste modo o ICA das suspeitas de pressões, manobras de bastidores e jogos de influência que minaram em anos transactos a confiança no funcionamento do sistema e que têm dado azo a injustiças, iniquidades e à insatisfação de largos estratos do sector — e garantir a legitimação do método de selecção de tais júris.

O rigor e transparência desse processo de selecção atingiram o seu ponto mais alto no processo de selecção dos jurados de 2015, caso em que cada membro da SECA remeteu ao presidente deste órgão listas de personalidades que considerava de reconhecido mérito, as quais foram depois votadas na SECA, concurso a concurso, sendo os júris de cada concurso compostos pelos nomes mais votados. Segundo este processo, sabia-se quem havia sugerido um certo jurado e quem nele havia votado.

Contudo, numa carta aberta a que chamaram “de protesto e solidariedade”, um grupo de cineastas portugueses (a que se juntaram algumas personalidades e instituições de todo o mundo, muitas delas ligadas ao cinema), alerta a opinião pública internacional contra essa opção. Ao invés, defendem que a selecção dos membros dos júris dos concursos organizados pelo ICA deve voltar a pertencer ao ICA, como aconteceu desde 1971 — ano de publicação da lei que consagrou esse princípio — e praticamente até hoje, com exceção do ano de 2015.

Para justificar a sua indignação, e pretensamente em nome de todo o sector, os signatários do protesto alinham uma série de afirmações exaltadas, onde, à falta de argumentos credíveis, sobejam as falsidades.

Todavia, ao contrário do que pretendem fazer crer, os signatários estão longe de ser representativos de todo o sector. Esse défice de representatividade nacional tenta ser suprido pela convocação de um sem número de pessoas que pouco ou nada têm a ver com o sector e de figuras “internacionais”, distanciadas do conhecimento detalhado dos reais problemas que o sector atravessa em Portugal. Para esclarecimento destas, este documento ser-lhes-á enviado.

Em segundo lugar, a proposta feita nessa carta — que assenta na selecção pelo ICA, de forma não sindicada e de acordo com critérios desconhecidos, das pessoas que integram esses júris— está longe de ser transparente ou sequer coerente. Pelo contrário, permite a emergência de uma enorme subjectividade em todo esse processo e torna-o permeável a favorecimentos e a faltas de isenção, que têm gerado ao longo das últimas décadas permanentes protestos.

Em conclusão, os autores do protesto declaram que “não querem ter influência na nomeação dos júris”, delegando no poder político a sua escolha. Convém lembrar que, em 2014, a ARCA (Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisual) apresentou uma queixa ao Provedor de Justiça, ao descobrir que no 2.º concurso de 2014 de atribuição de financiamento para produção de longas-metragens, todos os membros do júri (5 em 5) foram sugeridos por um único produtor (curiosamente, um dos principais promotores da referida carta), o qual veio a beneficiar de um apoio financeiro relevante atribuído no concurso presidido por tal júri. É este sistema de nomeação a que agora pretendem regressar que merece, esse sim, os adjectivos de “promíscuo e viciado”.

O que se extrai desta artificial indignação é que os signatários de tal carta parecem pretender impedir que se possa afirmar um outro cinema, que não olhe para o público como um estorvo ou um incómodo, mas antes como algo que se procura alcançar, um cinema que possa vir a atingir progressiva mas decididamente as médias europeias. O processo de escolha dos júris defendido pelos referidos signatários inviabiliza este caminho de procura de sustentabilidade; funcionando sem o mínimo escrutínio do público e da maioria do sector e menosprezando o investimento dos financiadores de todo o sistema, não previne mas antes permite distorções.

Urge nesta oportunidade recordar que o sistema de selecção de júris que defendem levou o cinema português a uma situação de irrelevância, que nos coloca na cauda da Europa em número de filmes produzidos, de espectadores e de vendas internacionais, como reconhece o Plano Estratégico elaborado pela anterior Direcção do ICA em 18 de Dezembro de 2013.

O processo de selecção dos jurados dos concursos de apoio financeiro do ICA que se encontra atualmente previsto na lei — com escolha democrática no seio da SECA, órgão de congregação de todo o sector — é a melhor solução para esta actividade, a única que é compatível com os valores do rigor e da transparência e da procura da sustentabilidade. É em sua defesa que nos pronunciamos publicamente.

16 de Fevereiro de 2017

António-Pedro Vasconcelos, realizador, membro da SECA
José Carlos Oliveira, realizador, membro da SECA
António Borga, ex-presidente da APIT, membro da SECA
Pedro Mota Carmo, representante na SECA dos canais de cabo
SIC — Sociedade Independente de Comunicação, S.A., membro da SECA
TVI — Televisão Independente, S.A, membro da SECA
FEVIP — Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais, membro da SECA
APIT — Associação de Produtores Independentes de Televisão, membro da SECA
APEC — Associação Portuguesa de Empresas Cinematográficas, membro da SECA
Miguel Chambel, gerente da Cinemundo, Lda., ex-membro da SECA

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