Portugal de A a Z: um balanço do Mundial 2018 - TVI

Portugal de A a Z: um balanço do Mundial 2018

Portugal-Espanha

A análise à passagem pela Rússia, numa participação em que Portugal demorou 300 minutos a perceber que Bernardo Silva poderia ativar o futuro e ajudar Ronaldo a ganhar o presente

Adeptos. Alguém disse, no final do jogo com o Uruguai, que se fosse o Benfica, o Sporting ou o FC Porto a jogar em Sochi, haveria mais portugueses no estádio. A verdade é que não foi só com o Uruguai: foi em todos os jogos. A seleção esteve sempre condenada a jogar fora de casa, naquilo que deve ser um alerta para a Federação. Como explicar tão pouco interesse dos portugueses?

Bernardo Silva. Cumpriu 238 minutos em apenas quatro jogos, mas só os últimos 45 é que valeram de facto a pena. Quando deixou a linha e passou para o centro, soltou-se, abriu o livro e empurrou Portugal para a melhor exibição no Mundial. Bernardo ativou então o futuro da seleção e quase fez Ronaldo ganhar o presente. Como seria se tivesse mudado de posição mais cedo?

Cristiano Ronaldo. Enquanto houve Portugal, ele foi a grande estrela do Mundial. Inacreditável fenómeno de popularidade na Rússia. Cada vez que tocava na bola, aliás, o estádio soltava uma ovação. Muita gente acreditava que o Rússia 2018 podia ser o Mundial de Cristiano, sobretudo depois do jogo com a Espanha, mas a eliminação precoce de Portugal deitou tudo a perder.

Defesa. Provavelmente foi o reflexo do que era o estado de ânimo da Seleção Nacional, mas a verdade é que foram cometidos demasiados erros defensivos. A maior parte dos quais individuais. Pelos laterais, sobretudo, mas também pelos centrais (impossível esquecer a falha de Pepe com o Uruguai ou o erro de José Fonte com a Espanha). Este não estava destinado a ser o nosso Mundial.

Euro 2016. O peso da conquista do título de campeão europeu parece ter sido um fardo sobre boa parte dos jogadores. Portugal não entrou no pelotão dos primeiros favoritos, mas estava logo a seguir, no segundo pelotão. Ora boa parte dos jogadores não estava preparada para esta exigência, e o medo de errar, de arriscar, de ousar tornou-se evidente. Portugal não teve atitude de campeão.

Fernando Santos. Tentou aproveitar para o Mundial da Rússia a fórmula que tanto sucesso trouxe do Euro 2016. Mas dificilmente um raio cai duas vezes no mesmo lugar. A seleção manteve um nível exibicional baixo e cumpriu apenas os objetivos mínimos. É certo que mantém a margem de crédito, até pelo que de notável fez em França, mas é impossível não sentir um amargo de boca.

Gonçalo Guedes. Chegou ao Mundial 2018 depois de uma grande época no Valencia e acabou por ganhar a titularidade no ataque. No entanto Guedes foi pouco menos do que uma enorme desilusão. Teve todas as oportunidades possíveis, jogou um total de 245 minutos em 360 possíveis, mas nunca mostrou o futebol que conquistou Valencia. Parecia muito temerário e sem confiança.

Herança. Depois do que aconteceu em França, há dois anos, era bom ter um banho de realidade. A seleção teve-o e com ele deve ter aprendido. É que o Euro 2016 deixou um legado terrível: a ideia de que pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal. O Mundial 2018 devolveu as coisas ao seu lugar: é importante jogar bem. Ou pelo menos ter uma ideia. É essa herança que fica.

Irão. Muita coisa mudou depois deste jogo. Sobretudo na tranquilidade de Kratovo. Carlos Queiroz voltou a ser Carlos Queiroz, ele que colocou o Irão a jogar na fronteira da provocação e da afronta, e derramou polémica em cima da Seleção Nacional. Primeiro com Ronaldo, depois com Quaresma, depois outra vez Quaresma e mais uma vez com Ronaldo. Era mesmo necessário?

Juventude. É outra certeza que fica do Mundial 2018. Lentamente, quase sem se dar por ela, Fernando Santos vai fazendo a renovação da Seleção Nacional. Na Rússia promoveu a estreia em grandes competições de cinco jogadores todos com 24 anos ou menos: Gonçalo Guedes, Bernardo Silva, André Silva, Gelson Martins e Ricardo Pereira. O futuro deve passar por aqui.

Kratovo. O quartel general escolhido pela Seleção Nacional tornou-se uma das localidades russas mais conhecidas para os portugueses. Tal como tinha acontecido, aliás, com Marcoussis, em França. Desta vez, porém, faltou tudo: calor humano, ambiente de Mundial, entusiasmo e paixão. Houve tranquilidade, sim senhor, mas apenas isso. Por isso Kratovo não fica para a nossa história.

Laterais. Os vértices da linha defensiva foram sempre o elo mais fraco da seleção. Como, aliás, mostrou o jogo com o Uruguai. Raphael Guerreiro apresentou-se em evidente baixa de forma, Cedric e Ricardo tiveram receio em arriscar, Portugal jogou sem profundidade e somou erros defensivos que custaram caro. O primeiro golo de Cavani foi talvez o melhor exemplo disso.

Moscovo. O estádio Luzhniki, palco do jogo de abertura e da final, fica marcado na história da Seleção Nacional na Rússia por ter sido o cenário da única vitória. Num jogo de um sofrimento tremendo, como alguém achou que devia ser sempre, Portugal venceu Marrocos com um golo de Cristiano Ronaldo e deu um passo grande para os oitavos de final. Mas foi só mesmo isso.

Nó. É impossível não sair da Rússia com um nó na garganta. É verdade que o objetivo mínimo foi alcançado, mas até pelo nome humilde dos adversários podia ter-se feito melhor. Afinal de contas para muitos jogadores este seria a última grande oportunidade de brilhar num Mundial ao nível que Portugal brilhou em 66 ou em 2006. Na Rússia não foi possível e fica um amargo de boca.

Orientais. A Rússia estava cheia deles. Chineses, japoneses, vietnamitas, coreanos. Andavam por todo o lado, em todos os jogos, ávidos de viver o Mundial e a festa do futebol. Nos jogos da equipa nacional, porém, viam-se mais. Muitos, todos com a camisola de Ronaldo, em festa permanente. Um caso de paixão pelas cores de Portugal que talvez só encontrasse paralelo nos jogos do Brasil.

Pepe. É a face mais óbvia de uma era da Seleção Nacional que terá chegado ao fim. Aos 35 anos dificilmente estará noutra fase final. Mas quem fala de Pepe pode falar de Bruno Alves ou de José Fonte. Os três centrais chegam ao fim do Mundial 2018 todos acima dos 34 anos, pelo que torna-se urgente renovar as opções para o centro da defesa. Esta fase da seleção chegou ao fim.

Quaresma. Aos 34 anos pode muito bem ter tido na Rússia a última oportunidade de disputar uma grande competição ainda na posse das melhores faculdades físicas. Esteve cheio de vontade, mas só teve uma oportunidade real: frente ao Irão foi titular e respondeu com um dos melhores golos do Mundial, um remate de trivela que correu mundo e encantou os adeptos do futebol.

Ronaldodependência. É incontornável. Depois da exibição magistral de Ronaldo contra a Espanha, o mito em torno do melhor do mundo aumentou exponencialmente e o capitão tornou-se a referência de todas as jogadas. Várias vezes, aliás, jogadores como Guedes, Bernardo Silva ou João Mário pararam ataques que podiam ser perigosos para procurar Ronaldo. O que não é bom.

Sochi. Foi o palco do início e do fim da caminhada de Portugal no Mundial 2018. Foi também, curiosamente, o cenário de duas noites diametralmente opostas. Na primeira um grande jogo, um grande Ronaldo, um grande empate com a favorita Espanha. Depois disso nem Ronaldo nem Portugal voltaram a ser assim. E apenas duas semanas depois a seleção caiu definitivamente.

Testemunho. Portugal com Fernando Santos sempre foi uma questão de fé: acreditar, acreditar muito, acreditar tanto quanto possível. O Euro 2016, e as palavras de Ronaldo no balneário do Stade de France, é disso uma excelente prova. Na Rússia, no entanto, o testemunho nunca foi de fé. Nunca se sentiu que Fernando Santos, ou os jogadores, acreditassem como se fosse um dogma.

Uruguai. É uma palavra que fica marcada na história da passagem de Portugal pela Rússia. Foi carrasco, sem o ameaçar ser. O Uruguai é no fundo uma seleção apenas competente, com dois excelentes pontas de lança na frente. Infelizmente isso foi suficiente para eliminar Portugal. Fez dois golos quando precisou e deixou a sensação que se fosse preciso fazia mais. O que diz tudo.

Velocidade. Ou falta dela. Curiosamente Portugal até começou bem, com rapidez nas saídas para o ataque no jogo com a Espanha. Mas foi só isso. Nos jogos que se seguiram faltou capacidade de aplicar transições rápidas, aproveitando a velocidade de Ronaldo ou Guedes. O extremo aconteceu frente ao Uruguai: doze tentativas de contra-ataque e nenhum aplicado até ao fim.

William. William, Gelson e Bruno Fernandes colocaram o foco sobre eles quando rescindiram com o Sporting: tornaram-se nessa altura notícia. Os três tinham portanto muito para mostrar no Mundial. E William mostrou-o. Não começou bem, mas foi crescendo na prova e acabou com uma grande exibição. Talvez por isso foi um dos seis totalistas, tendo jogado todos os minutos.

Xis. Parece ser a sina da Seleção Nacional, de Fernando Santos. Na Rússia, tal como em França ou na Taça das Confederações, deu sobretudo empates. Dois, contra uma vitória e uma derrota. No Euro 2016 tinha empatado seis, ao fim de noventa minutos, e vencido um. Nas Confederações empatou três e venceu dois. Portugal é no fundo um empata, que infelizmente aprendeu a perder.

Zabivaka. A mascote do Mundial ficará para sempre como imagem deste Rússia 2018 e como reserva mental de uma competição em que Portugal cumpriu apenas os objetivos mínimos. Não foi terrível, não senhor, mas também não foi bom. Parece ter faltado à Seleção um pouco da paixão que os russos mostraram pelo Zabivaka para querer chegar mais longe e mais alto. Foi pena.

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