Linha SOS Voz Amiga em risco de acabar ao fim de 40 anos - TVI

Linha SOS Voz Amiga em risco de acabar ao fim de 40 anos

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  • 6 out 2018, 11:17

Serviço de apoio telefónico para prevenção do suicídio tem de abandonar as instalações até ao final do ano e não tem capacidade financeira para arrendar um novo espaço em Lisboa

A linha SOS Voz Amiga está em risco de acabar porque tem de abandonar as instalações até ao final do ano e não tem capacidade financeira para arrendar um novo espaço em Lisboa, revelou o presidente do serviço.

A SOS Voz Amiga, a primeira linha telefónica em Portugal de prevenção do suicídio e de apoio a situações de sofrimento causadas pela solidão, ansiedade, depressão, foi criada a 09 de outubro de 1978, tendo atendido desde então 260 mil chamadas, situando-se nos últimos anos numa média de quatro mil chamadas anuais.

Festejar 40 anos com esta iminência de fechar o serviço não é fácil”, afirmou em entrevista à agência Lusa o presidente da Linha SOS Voz Amiga, Francisco Paulino, explicando que o orçamento do serviço não permite arrendar um espaço em Lisboa.

A SOS Voz Amiga funcionou num “local ótimo durante mais de 30 anos” onde pagava uma renda simbólica. Quando a renda subiu para “valores incomportáveis” teve de abandonar as instalações e foi acolhida na Fundação São João de Deus.

“É neste espaço que estamos a enfrentar um problema que ultrapassa os responsáveis da Fundação, porque eles não são os proprietários, são apenas os concessionários”, contou Francisco Paulino, adiantando que estão “na contingência de ter de abandonar as instalações até ao final do ano”.

Sem apoios financeiros do Estado desde 2007 e com “o magro orçamento” do serviço, que vive das quotas dos sócios, de donativos e da consignação de 0,5% do IRS por parte dos contribuintes, é difícil encontrar uma alternativa.

Dezembro está à porta e nós não temos uma solução”, porque “o tipo de rendas que se pratica em Lisboa não nos permite alugar este ou aquele espaço. Seria fácil, há muito espaço para alugar, nós é que não podemos”, lamentou Francisco Paulino.

Para tentar ultrapassar o problema, os responsáveis pela Linha já “bateram a muitas portas”, tendo inclusive enviado um pedido ao primeiro-ministro, António Costa, no sentido de disponibilizar um espaço onde a Linha possa “condignamente continuar com a tarefa de ajuda à população”, que foi encaminhado para os ministérios da Saúde e da Segurança Social.

“O pedido foi enviado há cerca de três meses e estamos à espera. Todos sabemos que têm um país para governar, mas nós, os voluntários, e as pessoas que ligam para cá também pertencem a este país, e acho que merecíamos um pouco mais de atenção porque este serviço é fundamental”, sendo reconhecido pelo Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, salientou.

Nas vésperas de assinalar o aniversário do serviço, Francisco Paulino deixou um apelo: “Se alguém tiver um espaço que nos possa disponibilizar estará a fazer uma boa ação. Não é para nós, é para toda a população que precisa de ajuda e que nos procura há 40 anos”.

“O que pedimos é que seja um sítio com fácil acesso de transportes", porque a maior parte dos voluntários utiliza este meio para se deslocar e atendendo ao horário dos turnos aos turnos que fazem, terminando quase sempre para além da meia-noite, ajudava bastante ser um sítio central, até por uma questão de segurança, acrescentou o presidente da Linha SOS Voz Amiga.

O coração toca sempre que o telefone toca na linha SOS Voz Amiga

Uma em cada cinco chamadas que chega à SOS Voz Amiga é silenciosa. A maioria é feita por pessoas em desespero, mas sem coragem para falar, ou por quem apenas procura a voz do voluntário que ajudou num momento de sofrimento.

Quase a completar 40 anos, a 9 de outubro, a SOS Voz Amiga foi a primeira linha telefónica em Portugal de prevenção do suicídio e de apoio a situações de sofrimento causadas pela solidão, ansiedade, depressão. Desde então, já atendeu 260 mil chamadas, a maioria feita por mulheres.

Os homens continuam a não apelar tanto”, o que não quer dizer que não sofram, disse em entrevista à agência Lusa o presidente do serviço, Francisco Paulino, que começou como voluntário na linha em 1997.

Para Francisco Paulino, este comportamento deve-se a uma questão cultural: “os homens não choram, não se queixam, mas depois nas tentativas de suicídio são mais eficazes”, porque utilizam métodos “mais drásticos”.

A solidão, a depressão e os problemas familiares e afetivos representam dois terços dos apelos e as situações relacionados com o suicídio cinco a seis por cento. Nos primeiros anos, a depressão quase não aparecia nas estatísticas, porque “nem sequer era considerada doença”, mas foi ganhando peso, assim como as “chamadas silenciosas” que totalizam cerca de 20% dos telefonemas.

Quem está do outro lado da linha são normalmente pessoas que “já fizeram um grande esforço para ligar”, mas não conseguem falar. “Ligam uma vez, não conseguem, ligam a segunda, não conseguem, e às vezes à terceira, no final do turno, dizem: ‘já tentei ligar, mas não tinha coragem’”, contou.

Outras vezes são pessoas que já tinham partilhado a sua história com um voluntário e ligam à sua procura. “É difícil, mesmo ao telefone e em anonimato, contar a vida toda e se já o fizeram com uma pessoa que os ouviu e ajudou vêm à procura dessa voz".

Há ainda um grupo de habituais. São os que “ligam uma semana, ligam durante um mês, durante um ano, e nós questionamos: estamos a ajudar estas pessoas? Estamos. Não conseguimos resolver o problema que faz a pessoa ligar todos os dias, mas somos uma companhia, é uma forma de naquele dia terem alguém atento, que os respeita e que os ouve”, disse Francisco Paulino.

Na primeira década da linha, o número de chamadas anual situava-se nas 10 mil, hoje são 4.000.

Esta descida é explicada pelo aparecimento de várias linhas específicas, como de apoio à vítima ou aos idosos, que levou à dispersão dos apelos, mas também dos voluntários. A saída destes do serviço obrigou à redução do horário: “passámos de 15 para 12 horas e nos últimos dez anos só conseguimos garantir oito horas diárias”, lamentou.

Atualmente, 26 voluntários estão das 16:00 às 24:00 a atender quem precisa através dos números 213544545, 912802669, 963524660, e da Linha Verde gratuita (800209899).

Maria é a voluntária mais antiga. Há 20 anos que ouve e ajuda quem liga e nunca se cansou de dizer a frase com que todos começam os telefonemas - “SOS Voz Amiga, em que posso ajudar?” – à qual se segue um tempo de espera pelas palavras de quem está do outro lado.

Há pessoas que ficam silenciosas, mas se calhar precisam desse tempo de silêncio para se sintonizarem com o que estão a fazer. Outras entram em choro, outras em gritos, outras dizem impropérios. Tudo é possível nesta relação. O voluntário percebe que as pessoas estão em desequilíbrio e, portanto, há que não julgar, não pressionar, ouvir, escutar com a voz do coração qualquer que seja o apelante”, disse a voluntária.

Ao longo dos anos, a antiga professora de Matemática foi-se apercebendo que ajudou a salvar vidas. “Às vezes é o próprio apelante que diz: adiei”, contou, recordando entre muitas uma história em que salvou uma pessoa que se encontrava junto a um precipício e que tinha decidido “acabar com tudo” naquele momento.

Isabel decidiu ser voluntária há quatro anos quando viu no Facebook que a Linha estava à procura de voluntários. “Foi talvez um impulso e resolvi responder, senti que podia ajudar”.

De voz tranquila e pausada, Isabel atende as chamadas que vão chegando ao serviço. Ainda hoje diz sentir o coração a bater quando o telefone toca. “É sempre uma incógnita”, estamos “sempre sem rede”.

Pode vir uma situação extrema, pode vir um habitual, pode vir um jovem – hoje já nos surgem muitos jovens – uma pessoa mais idosa, vem de tudo. Por isso, o coração toca sempre quando o telefone toca”, disse esta voluntária.

Apesar da “carga ser pesada”, Isabel sente que está no “lugar certo”. “O serviço é rigoroso porque o que fazemos não é um voluntariado de entregar vestuário ou comida; é um voluntariado que vem de dentro de nós. Temos de estar em verdade quando vimos fazer este serviço. Por isso, ele é exigente”.

Apesar de não terem ‘feedback’ das chamadas, a forma como muitas terminam permite perceber que a intervenção foi “importante para a pessoa naquele momento” e que se criou uma relação. “No final agradecem por existirmos, por estarmos com eles, porque muitas vezes eles estão sozinhos, muito sozinhos”.

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