Doença, desemprego e divórcio potenciam situações de pobreza - TVI

Doença, desemprego e divórcio potenciam situações de pobreza

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  • 12 abr 2021, 08:35

A equipa que desenvolveu o estudo ficou surpreendida "com o peso da doença", mencionado por muitos dos 91 entrevistados, "para ajudar a explicar a situação de pobreza delas ao longo do seu trajeto", especialmente entre os reformados, mas também os desempregados

O desemprego, a doença e o divórcio são fatores que contribuem para a entrada numa situação de pobreza ou que impedem que se saia dessa condição, segundo o estudo "Pobreza em Portugal - Trajetos e Quotidianos".

O documento este domingo divulgado, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, chama a esses três processos de produção, reprodução ou intensificação dessa situação "os três D da pobreza".

"Se nos debruçamos sobre os fatores que levam as pessoas entrar na pobreza, são os mesmos que impedem que elas saiam", disse, em declarações à agência Lusa, o coordenador do estudo, Fernando Diogo, professor de Sociologia na Universidade dos Açores.

O académico realçou que esses três motivos individuais que "afetam fortemente a vida" das pessoas "e constrangem as suas escolhas" devem ser entendidos também "a nível contextual".

Fernando Diogo enfatizou a articulação com a organização do mercado de trabalho, "onde se incluem as questões da precariedade, da informalidade, dos baixos salários e da zona intermédia entre emprego e desemprego"; dos apoios estatais, como são os casos dos apoios na doença e no desemprego, e das questões mais conjunturais, como períodos de crise.

Claro que há sempre casos que saem disto, mas a esmagadora maioria dos casos são explicáveis com a conjugação destes fatores, em geometria variável e no respeito pela singularidade de cada perfil e de cada percurso individual", vincou.

O investigador frisou terem sido identificados "quatro perfis de pobreza em Portugal": os reformados (27,5%), os precários (26,6%), os desempregados (13%) e os trabalhadores (32,9%)".

A equipa que desenvolveu o estudo, salientou o autor, ficou surpreendida "com o peso da doença", mencionado por muitos dos 91 entrevistados, "para ajudar a explicar a situação de pobreza delas ao longo do seu trajeto", especialmente entre os reformados, mas também os desempregados.

Fernando Diogo sublinhou referir-se a doenças crónicas ou incapacitantes, como deficiência.

Os relatos vão no sentido de mostrar como a incidência da doença afetou as suas vidas ao longo de toda a sua vida. A doença ajuda a explicar porque é que estão na situação difícil em que estão", salientou o coordenador, que se refere maioritariamente ao perfil dos reformados, mas também aos desempregados, em particular de longa duração.

Tal como a doença, dos próprios ou de familiares, é referida a morte de pessoas do agregado como fator que dificultou a trajetória dos entrevistados no âmbito do estudo ou que precipitou a entrada num contexto de pobreza.

A doença ou a morte, realçou o investigador, não é um problema individual, mas com impacto no círculo familiar, tal como acontece com o desemprego.

Também o divórcio, ou a separação dos casais, segundo o estudo, "em situações que já de si são de grande fragilidade, leva facilmente os indivíduos para a pobreza, considerando a redução de rendimentos causada pela separação e os seus efeitos em cascata, incluindo na atividade laboral".

Estes elementos estão presentes na trajetória de vida dos entrevistados, agravando situações já de si difíceis ou condicionando fortemente a vida dos indivíduos, reduzindo a sua margem de manobra e tornando as suas possibilidades de saírem da situação de pobreza mais remotas", acentuou o estudo este domingo apresentado.

Covid-19: pobreza vai afetar mais quem já esteve nessa condição

As pessoas que vão cair em situação de pobreza devido à pandemia serão quem saiu e regressa a essa condição e quem já se encontrava em cenários de vulnerabilidade, e não "novos pobres", vaticina um estudo.

De acordo com o estudo "Pobreza em Portugal - Trajetos e Quotidianos", promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, este domingo divulgado, faz "mais sentido falar de vulneráveis empobrecidos (e regressados à pobreza) do que de novos pobres".

No caso da crise provocada pelos efeitos da covid-19, marcados por "um elevado grau de incerteza", por depender "da intensidade e da sua duração", o que está em causa é "um possível aumento da intensidade da pobreza" e, para os mais vulneráveis, "um (re)ingresso nessa situação", segundo o estudo.

A maior parte das situações de pobreza em Portugal são pobreza tradicional, porque persistente ao longo da vida dos indivíduos e porque há uma tendência forte para se reproduzir entre gerações", enfatizou, em declarações à agência Lusa, o coordenador da análise, Fernando Diogo, professor de Sociologia na Universidade dos Açores.

Embora não desvalorize as consequências da atual crise na criação de dificuldades em quem antes não as tinha, o investigador acredita que "esse impacto vem acrescentar pouco ao que já existe" em relação à população "com determinadas caraterísticas".

O que está escrito sobre a pobreza em Portugal não vai ser muito modificado pelo impacto da covid-19", antecipa Fernando Diogo, que antevê "mais gente em situação de pobreza".

Segundo o académico, "muitas são pessoas que saíram da pobreza e regressam à pobreza, muitas são pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, que pouco se distinguem dos pobres, a não ser por rendimentos um pouco acima do limiar de pobreza", e qualquer fator que afete a estabilidade ou a conjuntura os faz cair numa situação de pobreza.

Pessoas que verdadeiramente entram pela primeira vez em situação de pobreza, apesar de tudo, continua a ser uma minoria. Claro que existe, claro que está a aumentar agora com a crise, mas não é isso que é o cerne da pobreza em Portugal", argumentou.

Fernando Diogo vincou que parte importante dos pobres em Portugal são indivíduos que alternam entre a pobreza e a vulnerabilidade.

Qualquer incidente de percurso, como o desemprego numa situação de crise, os faz voltar à situação de pobreza, não sendo por isso exatamente novos pobres, mas indivíduos com retorno à condição de pobreza. O que está em causa, portanto, mais do que novos pobres, são os vulneráveis empobrecidos, muitos regressados à situação de pobreza", reforçou.

No estudo este domingo divulgado é referido que quem trabalha em setores como o turismo, a restauração ou os serviços em geral está particularmente vulnerável ao desemprego.

Quem tem vínculos precários ou informais também está mais suscetível de passar a viver num contexto de pobreza.

Contudo, a falência das empresas trará, potencialmente, para a pobreza, mesmo os indivíduos com vínculos mais sólidos", com a agravante de se um trabalhador ficar desempregado poder "levar todo o seu agregado para a pobreza", dependendo da configuração do agregado familiar, antecipa o estudo.

O documento alerta que "o tempo pode ter um efeito cumulativo no desenvolvimento desta situação", já que à medida que os subsídios de desemprego terminarem, os rendimentos das famílias diminuirão.

Quem está desempregado ou desocupado vai ver reduzidas as possibilidades de "conseguir uma atividade remunerada, por precária e informal que seja", enquanto trabalhadores precários ou informais "mais facilmente podem ser dispensados" e "muitos não terão, sequer", direito a apoios sociais.

Os 11 investigadores que participaram no estudo sublinham que "a pandemia e suas consequências estão já a ter um efeito na pobreza em Portugal, intensificando-a e aumentando o número de pessoas nessa situação", com a certeza de que "não está a atingir todos por igual e os mais pobres estão a ser mais afetados".

UGT considera "preocupantes" dados revelado no estudo

O secretário-geral da UGT considerou hoje “preocupantes” os dados do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que indicam que a maioria das pessoas em situação de pobreza trabalha e pede ao Governo que aposte na qualificação.

Em declarações à agência Lusa, Carlos Silva disse que as conclusões do estudo não o surpreenderam em alguns aspetos.

Este problema tem sido abordado pela UGT e até temos vindo a informar o Governo sobre isso. Demos nota de que há muitos trabalhadores que trabalham e são pobres, ou seja, não conseguem ultrapassar o limiar da pobreza, mesmo estando empregados. O estudo vem confirmar este dado”, disse.

O estudo “Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos”, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, indica que um quinto da população portuguesa é pobre e a maior parte das pessoas em situação de pobreza trabalha, sendo que a maioria dos trabalhadores nessa condição tem vínculos laborais sem termo.

Este estudo dá um dado, esse sim novo para mim, ou seja, que não há novos pobres. São acima de tudo pessoas que estão neste limiar e muitos na pobreza. São pessoas que já eram pobres, perderam o emprego que depois recuperaram e voltaram a perder. Há aqui uma intermitência como o estudo revela entre muitos dos que trabalham”, destacou.

De acordo com Carlos Silva, são pessoas frágeis, mais vulneráveis e que o estudo aponta como tendo baixas qualificações.

Por isso, a UGT e os parceiros sociais têm insistido que as qualificações em Portugal deveriam ser uma aposta prioritária do Governo”, disse.

Para Carlos Silva, a questão da precariedade não é a essencial, mas também um problema, sobretudo resultante da política de baixos salários.

Há trabalhadores que têm vínculos com 10, 15 e 20 anos, com contratos sem termo que são pobres. É uma matéria que tem a ver com uma política de baixos salários em Portugal”, realçou.

Esta situação, segundo o secretário-geral da UGT, foi agravada com a situação de pandemia de covid-19.

O governo devia olhar para este estudo com muita atenção e sobretudo numa altura em que a pandemia veio agravar a questão, embora o estudo revele que as pessoas mais frágeis continuam frágeis. Por isso, a UGT continua a insistir nos apoios sociais e ficámos satisfeitos com o facto de estes terem sido aprovados no parlamento e tenham de ser aplicados. Muitos dos trabalhadores que vão bater à porta do Estado são pessoas que estão neste universo que o estudo aponta”, disse.

No entendimento de Carlos Silva, o Governo deve estar atento aos sinais que a sociedade vai dando.

Este estudo é um sinal preocupante e deverá ter uma prioridade no acompanhamento e na reflexão por parte do governo e de todos nós”, concluiu.

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