Acontece aos Melhores: José deixou o carro na oficina e a GNR foi bater-lhe à porta - TVI

Acontece aos Melhores: José deixou o carro na oficina e a GNR foi bater-lhe à porta

Advogado entregou o carro na oficina para uma pequena reparação, mas o automóvel foi encontrado, supostamente equanto estava na oficina, em Mértola, junto da fronteira com Espanha. Sob o carro, recaíam as suspeitas de ter sido usado para tráfico de droga. Conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt

José Rocha é advogado há seis anos e vive entre Lisboa e Odemira, de onde é natural e onde mantém, também, um escritório. Como as deslocações são muitas e longas, em janeiro deste ano decidiu investir num carro.

É um carro de gama alta, um BMW X6, um carro possante. Tem uma potência de quase 300 cavalos e 3 mil de cilindrada", conta à TVI.

A verdade é que, em março, em Odemira, amolgou uma das portas do automóvel numa manobra mal calculada junto a um muro. Como nos dias seguintes tinha trabalho em Lisboa, deciciu procurar uma oficina na capital para fazer a reparação.

Aconselhei-o a vir aqui a uma oficina que está em frente ao nosso escritório", revela António Rito Pereira, sócio de José Rocha.

Feita a sugestão, José Rocha não hesitou na hora de deixar o automóvel a reparar numa oficina junto ao Saldanha, na capital. Era dia 24 de março, o sol brilhava e a primavera tinha acabado de chegar. No entanto, José estava longe de imaginar a tempestade que se aproximava perante uma simples reparação.

No dia seguinte, fui trabalhar, voltei para casa às 7 da tarde. Estava tranquilo, a ver televisão, e a minha mãe ligou-me a perguntar se eu estava bem. Eu perguntei porquê, e ela disse-me que estavam dois GNR à porta de casa, em Odemira, a dizer que o meu carro tinha sido encontrado em Mértola, no Alentejo, acidentado, possivelmente capotado, não se sabia bem."

José pediu à mãe para passar o telefone aos agentes da GNR, que confirmaram a cor, a matrícula e o modelo do BMW. Mas não é só: os militares também disseram ao advogado que o carro tinha uma das porta amolgadas, precisamente a reparação que estava em curso na oficina.

Ele ficou em pânico, não é? Telefonou-me a perguntar se os homens da oficina eram de confiança, e que provavelmente tinham desviado o carro para atividades ilícitas, em vez de o arranjarem", detalha António Rito Pereira à TVI.

O automóvel foi encontrado, aparentemente acidentado, mas sem qualquer ocupante, 24 horas depois de ter entrado na oficina para reparar em Lisboa. O BMW X6 estava sem uma roda, com um vidro partido e sem os bancos traseiros, na Nacional 265, entre Serpa e Mértola, a apenas 19 km da fronteira com Espanha. O local, no sul do distrito de Beja, é muito pouco movimentado, sobretudo à noite, e conhecido por movimentos relacionados com o tráfico de droga, entre Espanha e Portugal.

Era para irmos, logo no outro dia de manhã, para Beja, para ir ter com a GNR e tratar do assunto do carro, mas resolvemos passar aqui pela oficina para os confrontar com esta situação", conta, sem esconder a indignação, António Rito Pereira.

José Rocha e o sócio dirigem-se então à oficina, nas Avenidas Novas, em Lisboa, onde conseguem chegar à fala com o responsável pelo espaço, mas onde não veem o automóvel, o que fez adensar as suspeitas sobre a oficina.

Ele responde-me que o carro iria estar pronto à tarde. E eu perguntei 'mas tem a certeza?'. E ele, 'sim, está tudo bem'. Fiquei surpreendido com a resposta, porque aparentemente estava tudo bem, e eu a saber que o meu carro estava todo partido num sítio que eu nem sabia bem onde era."

José garante que ficou apreensivo, porque não sabia quais as intenções das pessoas com quem estava a lidar. E é precisamente neste momento que este caso dá uma reviravolta capaz de deixar qualquer um de boca aberta.

Ele só me perguntava onde estava o carro, onde estava o carro. Eu respondi que estava na estufa. Então pedi a um colega meu para acompanhar o senhor José Rocha à estufa, para o senhor José Rocha confirmar que o carro estava lá", conta Rui Veloso, o mecânico, à equipa de reportagem da TVI.

De seguida, José e o sogro entram na estufa e, para espanto dos dois, o BMW X6 do advogado estava imaculado, a acabar de ser arranjado.

A reação do senhor José foi terrível. Chegou aqui e pediu-me desculpa, e que realmente o carro estava na estufa, e que não sabia muito bem o que é que tinha acontecido", conta o mecânico.

Achar que o carro que se deixou a reparar foi roubado da oficina, porque foi encontrado a 230 km de distância pela polícia, abandonado, e aparentemente usado para o tráfico de droga. Mas, no fim de contas, concluir que não, porque não há um, mas dois veículos iguais e com a mesma matrícula, isto porque o carro original continua imaculado no local onde foi deixado a reparar. 

De facto, é um berbicacho que Acontece aos Melhores, mas, que ainda, assim, não escapa ao entendimento de Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em direito administrativo.

A probabilidade do carro ser exatamente igual, ter as mesmas características, é difícil, é difícil."

Por isso mesmo, José Rocha pediu à GNR fotografias do carro que tinha sido encontrado em Mértola. A confirmação chegou logo depois.

De facto, era um carro igual ao meu, com a mesma matrícula, a mesma cor. O meu carro foi literalmente falsificado."

Uma falsificação que poderia ter sido detetada logo que o clone do carro de José foi encontrado pelas autoridades junto à fronteira com Espanha, isto porque, independentemente do aspeto físico e da matrícula, todos os automóveis têm inscrita, em várias partes da carroçaria, uma combinação de letras e de números que torna cada carro único. É o número de identificação do veículo, conhecido habitualmente como número de chassi. 

A questão é que a polícia nem sequer vai ver o número de identificação do veículo. Tal como quando multa, se alguém usar a minha chapa de matrícula noutro carro, e se for encontrado na autoestrada em excesso de velocidade, pois garantidamente que vão mandar a multa para mim. É que no sistema aparece-lhes que o carro com a matrícula X pertence ao fulano Y", considera Paulo Veiga e Moura.

Significa esta realidade que, se a matrícula de José Rocha foi utilizada noutro automóvel para cometer infrações ou crimes, numa primeira instância, o advogado pode vir a ser chamado a responder por eles.

Se o carro estiver associado a práticas ilícitas, o Ministério Público vai acusar. E o que é que vai dizer? Vai dizer que no dia tantos, às horas tantas, o carro que pertence ao fulano A, foi visto cometer uma infração ou um crime. Repare, é uma prova. Cabe, neste caso, a quem foi vítima de falsificação de matrícula provar que não estava naquele dia, naquele sítio. E que estava noutro lado, oposto", alerta o advogado Paulo Veiga e Moura.

Para se prevenir, e precisamente por ter advogado e ter experiência nestas matérias, José Rocha apresentou uma queixa contra desconhecidos junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Beja, por alguém ter usado a matrícula do BMW X6 do advogado noutro carro, praticamente igual.

Entretanto, o processo foi fundido a outro que corre no tribunal de Cascais, o que sugere que, assoaciados a este episódios, podem estar em causa outros crimes.

A TVI pediu ao Ministério Público para consultar os processos. No entanto, o pedido foi negado, porque os autos encontram-se sob segredo de justiça. Sendo assim, é, para já, difícil de perceber o que está por detrás da clonagem do carro de José Rocha. Um fenómeno invulgar, mas aparentemente difícil de combater.

Não há forma de prevenir isto. Se circula no seu carro, e eu vou atrás de si, posso fotografar a sua matrícula e mandar fazer uma igual à sua, e depois usá-la no meu carro. A partir daí, quem teve a sua matrícula copiada, terá problemas", conclui Paulo Veiga e Moura.

José Rocha considera que foi apanhado neste caso digno de guião de cinema, porque é demasiado fácil imprimir chapas de matrículas numa qualquer oficina, por um valor muito baixo.

De qualquer maneira, o advogado não perdeu o carro, porque na verdade o carro acidentado não lhe pertencia, no entanto a maratona não está ganha. Por isso, é no Alentejo que o viu nascer e crescer que, entre as corridas e os animais, renova o fôlego e a esperança de que não venha a ser chamado à responsabvilidade por infrações ou crimes que não cometeu.

É caso para dizer... Acontece aos melhores", conclui, em jeito de brincadeira, José Rocha.

Se, como José Rocha, também foi apanhado num enredo de filme ou se tem algum problema que, por mais que tente, não consegue resolver, conte-nos o seu caso para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt.

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