Ministra quer exclusividade no SNS, bastonário dos médicos antecipa "surpresa" - TVI

Ministra quer exclusividade no SNS, bastonário dos médicos antecipa "surpresa"

Marta Temido passou a deter a pasta da Saúde no Governo de António Costa na segunda-feira e, recentemente, defendeu mudanças no setor. Na TVI24, o bastonário Miguel Guimarães defendeu que "obrigar" os médicos "é sempre mau": liberdade de escolha, sim, e uma remuneração à altura

Deverão os médicos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde fazê-lo em exclusivo? A nova Ministra da Saúde, Marta Temido, que tomou posse anteontem, defendeu isso mesmo há bem pouco tempo, “em alguns casos”, designadamente cargos intermédios. O bastonário da Ordem dos Médicos entende que a medida nunca deverá ser impositiva. À TVI24, Miguel Guimarães defendeu a liberdade de escolha dos médicos, antecipando até uma “surpresa” se a dedicação exclusiva vier acompanhada de melhores condições.

“É importante a senhora ministra pensar em reforçar capacidade de resposta, dar melhores condições de trabalho. É um desafio que lhe deixo aqui: as condições de trabalho são essenciais para optarem em trabalhar apenas no SNS e não saírem para outros países ou setor privado”, defendeu o bastonário.

O regime de dedicação exclusiva era opcional para os médicos que assim o quisessem e foi terminado no ano 2009 aquando a publicação dos últimos diplomas – por decisão do ministério [de Ana Jorge]. Havia muitos médicos a pedir para trabalhar em dedicação exclusiva, mas o Estado não tinha dinheiro. Mesmo que eu hoje queira trabalhar, não posso (...); em qualquer área [deve haver] uma compensação financeira. Acho que obrigar as pessoas é sempre mau, podem ser critérios preferenciais, eventualmente para direções, mas não ser obrigatório, até porque podemos ficar com o problema que neste momento temos dos diretores clínicos – estão em dedicação exclusiva e muitas vezes as opções para hospitais em termos de direções clinicas acabam por ser limitadas".

 

Se for opcional, provavelmente a senhora ministra tem uma surpresa, porque pode acontecer que muitas pessoas possam querer optar por trabalhar no SNS apenas”

Marta Temido, que veio substituir Adalberto Campos Fernandes na remodelação governamental que António Costa decidiu fazer ao seu Governo no último fim de semana, defendeu há menos de um mês, no Conselho Económico e Social que “é urgente não só proceder à caracterização exata do fenómeno do pluriemprego nos trabalhadores do SNS, dando prioridade ao respetivo estudo e envolvendo os agentes do setor, mas também regular melhor esta opção, com reserva do regime de dedicação exclusiva para alguns casos”.

Na mesma apresentação que fez, aqui citada pela TSF, manifestou a urgência de se “assumir abertamente” esse problema do pluriemprego na saúde, “especialmente dos médicos” que conjugam funções no público e no privado. E entre os médicos, deu o exemplo dos diretores de serviço e de departamento.

Seria preciso, assumiu, clarificar os pagamentos compensatórios, tendo em conta que atualmente o enquadramento “não é claro para o pagamento de qualquer suplemento para esta responsabilidade extra”.

Conflitos de interesse

Foi Marta temido quem coordenou o estudo "Melhorar a gestão do SNS. Recursos humanos: o essencial", apresentado no Conselho Económico e Social, advertindo até para um problema de ética, ao lamentar que “nos anos mais recentes tenha deixado mesmo de ser conhecido o número de médicos em exclusividade de funções”.

Ignorar o problema não vai fazê-lo desaparecer. Deixar o assunto à consideração da ética individual, não regula suficientemente o risco".

O bastonário da Ordem dos Médicos mostra-se aberto a ouvir o que a nova ministra terá a propor, mas lembra que “a regulação existe, não é uma questão de ética, é uma questão de serviço no enquadramento legal que existe”.

As pessoas que trabalham no setor público, trabalham o tempo que têm de trabalhar e, no tempo livre, fazem aquilo que entenderem: podem não fazer nada, podem fazer ginástica, podem passear e podem eventualmente trabalhar no privado para complementar remuneração que têm no setor público, que é muito baixa para o nível de responsabilidades que os médicos têm”

Agora, no que toca a conflitos de interesse, "obviamente devem ser sempre evitados", mas o Estado dá deu passos nesse caminho. Quando os doentes estão num determinado hospital público e é ultrapassado o tempo máximo de resposta garantido, e for para o setor privado através de um vale-cirurgia, que é uma situação perfeitamente normal, não deve ser operado por uma equipa que trabalhe naquele hospital ou no setor público. Deve ser operado por uma equipa diferente". Um exemplo que já está "perfeitamente regulado" e outros deverão sê-lo também, advogou. "Não é a questão da dedicação exclusiva que resolve a questão dos conflitos de interesse". 

Orçamento "desinveste" na Saúde

Não será, alerta, com o dinheiro que o Orçamento que o Estado reserva para a saúde que as coisas irão melhorar. “O OE2019 foi para mim uma surpresa, porque apesar de haver verba suplementar maior para a saúde - 500 milhões para pagamento de dívidas e depois verba que não se sabe bem onde vai ser aplicada - , da transferência para o SNS vamos ter apenas mais 200 milhões. Se confrontarmos com o PIB estimado para 2019, corresponde a um desinvestimento”.

No total, a proposta de lei apresentada ontem pelo ministro das Finanças, destina uma despesa total de 10.922,9 milhões de euros para a Saúde. É, como é natural, dos ministérios com mais verbas (o terceiro, a seguir ao ministério do Trabalho e o das Finanças).

Embora se ouça o Governo dizer que se contrataram mais profissionais de saúde, o bastonário ressalva que “a verdade é que existe falta grande de capital humano: não é só médicos, enfermeiros, assistentes operacionais e técnicos, nutricionistas e psicólogos”. E isto ao mesmo tempo que o país tem uma população cada vez mais envelhecida, a precisar de mais cuidados de saúde. Logo, de mais pessoas a trabalhar no SNS.

Só em médicos está calculado por aquilo que o Estado gasta em termos de contratação de serviços médicos através de empresas prestadoras de serviços e o que paga em horas extraordinárias: precisaríamos de mais 5.500 médicos no SNS, porque o Estado gasta o equivalente a contratar 5.500 médicos num ano. É uma deficiência definida.".

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